terça-feira, 10 de dezembro de 2013

A Lebre com Olhos de Âmbar

de Edmund De Waal

 por Maria Albeti Vitorino

Edmund De Waal nasceu na Inglaterra, além de escritor é um ceramista famoso mundialmente, trabalhou como curador, conferencista, crítico e historiador de arte, é professor de cerâmica da Universidade de Westminster, coleciona vários prêmios e homenagens por seu trabalho. Estudou cerâmica e tornou-se pesquisador do artesanato popular japonês. Seu trabalho, como ceramista, manteve-se praticamente dentro da tradição anglo-oriental.

No livro,  o autor resgata a história de sua família, ao longo de cinco gerações,  tendo como fio condutor uma coleção de 264 miniaturas japonesas (netsuquês) herdadas do seu tio-avó Ignácio (Iggy). 

Ao lado da história de sua família, o autor menciona alguns dos principais momentos da história dos séculos XIX e XX, tais como a Terceira República Francesa, o assassinato do arquiduque Franz Ferdinand, herdeiro do império Habsburgo, a eclosão da 1ª. Guerra Mundial, a derrocada do Império Austro-Húngaro e a segunda Guerra Mundial.

Tudo começa no poder ascendente, em Odessa, da família Ephrussi (antes Efrussi), passa pela capital francesa do final do século XIX,  Viena na época do império Austro-Húngaro e depois sob o jugo do Nazismo.

Narra a separação da família, na fuga da perseguição nazista, como de resto ocorreu com muitas famílias judias, que vão preferencialmente para Suiça, Inglaterra e Estados Unidos. Finalmente, fala do reencontro de alguns membros da família Ephrussi, depois da guerra, alguns na Espanha, outros no Japão e na Inglaterra, com diferentes nacionalidades.

Na primeira parte do livro, o personagem principal é Charles, filho do patriarca Joachim Ephrussi, que mantém um império financista em Odessa, na Rússia Imperial,  e pretende se expandir para o restante da Europa, instalando seus herdeiros nas cidades de Paris e Viena.

Sendo o terceiro filho, Charles Ephrussi pode usufruir da vida mundana em Paris, enquanto os irmãos mais velhos se dedicam aos negócios. Historiador de artes, crítico e colecionador, vive intensamente a era Impressionista e, a partir de 1870, começa a montar sua coleção de miniaturas japonesas. Em 1899, a coleção é enviada para Viena, como presente de casamento ao seu primo Viktor (pai de Ignacio, bisavô de Edmund).

A partir desse momento o livro tem como cenário o Palácio Ephrussi, em Viena, onde agora estão os netsuquês. Nessa cidade, como em Paris, existe um forte sentimento anti-semita, que se manifesta de forma velada.

Com a queda do Império Austro-Húngaro, fica claro o antisemitismo e começa a perseguição aos judeus, que se intensifica com a ocupação nazista, de 1938 a 1945. A família Ephrussi se separa parte vai para Inglaterra, outra parte para os Estados Unidos,  perdem todos seus bens, inclusive os netsuquês, que ficam no palácio de Viena.

No entanto, essas pequenas peças são resgatadas pela governanta Anna,  que não é judia e,  sob o pretexto de auxiliar no acondicionamento dos móveis e obras de arte, consegue dia após dia, sair com todos eles escondidos na sua roupa.

Finda a Segunda Guerra, Anna devolve os netsuquês para Elizabeth (filha de Viktor e avó de Edmund) que entrega ao seu irmão Ignacio. Daí a coleção é levada para o Japão, onde passa a ser exposta novamente e tem seu valor reconhecido. Ignacio, além de contar a história da família para Edmund, deixa pra ele as miniaturas que são levadas para a Inglaterra, onde devem estar  atualmente.

Enfim, o livro narra a história de uma família que teve poder e riqueza, mas que nunca conseguiu uma total aceitação da sociedade, como todos os demais judeus.  Eram sempre vistos como arrivistas, sem pátria e, portanto, apontados como os principais  responsáveis em épocas de crises econômicas. Em virtude das dificuldades financeiras após derrota da Áustria, na 1ª. Guerra, os judeus passaram a ser mais odiados.

Segundo o autor, os judeus aprendiam várias línguas (russo, francês, latim, grego, alemão e inglês), para que pudessem se  sentir em casa em qualquer lugar do mundo, só não podem ser pegos falando iídiche.

Eles tentavam esconder sua religião, sua língua e ao mesmo tempo procuravam se integrar na alta sociedade por meio do auxílio às artes, da associação à grupos influentes, enfim com uma participação na vida do país em que estavam vivendo. No Palácio em Viena, havia uma única cena bíblica, uma pintura do Livro de Ester, numa área frequentada somente pelos judeus.

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FELICIDADE DEMAIS

de Alice Munro 

Editora: Companhia das Letras- 2010

Too much happiness: stories
Tradução de Alexandre Barbosa de Souza

COMENTÁRIOS por Maria Virginia de Vasconcellos


Embora este livro não pertença à minha categoria predileta, ou seja, não se trata de romance histórico, nem mesmo romance, são dez contos completos que, de fato, valem por dez romances.
Porque completos? Simplesmente eles são lógicos, têm início, meio e um fim normal, geralmente plausível num contexto de país desenvolvido. Cada um deles daria suficiente motivação para conversas em grupo.

Fortes estórias, ou memórias ou o que quer que seja, são de excelente prazer na leitura.
A garra da narrativa de Alice Munro nos coloca em suspense, à espera dos acontecimentos, alegrias e infortúnios, que a vida e a morte podem trazer.

Carrega muita informação sobre a vida contemporânea, sem, entretanto, utilizar mecanismos de tecnologia. Por meio de enredos e estórias complexas sobre o ser humano, descortinam-se os personagens, muitos deles femininos. 
A autora tem a grande habilidade de desenhar, com rapidez e concisão, os traços precisos das personalidades que cria, sem perder a profundidade e o vigor. (“Faz com que mereça a frequente comparação com o russo Anton Tchekov[1])

Sempre dá vontade de re-iniciar a leitura do conto (com exceção do “Madeira”, onde há uma descrição detalhadas e demorada de árvores, lenhas e matas).

No primeiro relato, Dimensões, Doree volta à prisão para visitar o marido que cometera o mais hediondo dos crimes. É surpreendente não no fato em si, mas no que diz respeito a sentimentos femininos. Impressiona e fascina.

Em Ficção, vemos a delicadeza da transformação de um casamento, o correr da vida, novos enlaces, o fortuito encontro da Joyce, a professora de música, com a ex-aluna e um conto dentro do conto. 
“o que ela tem a ver com isso?” disse Joyce.
E o marido responde: “É que ela se sente ameaçada pela bebida. Ela ainda está muito frágil. É uma coisa que não dá pra a gente entender”.
 Ameaçada. Bebida. Frágil. Que palavras eram essas que meu marido estava usando? Eu devia ter percebido. Ele estava ficando apaixonado..... (pag. 49).
Bastam dois parágrafos para explicar “o golpe fatal que aleija um homem, a brincadeira maldita que transforma olhos claros em pedras cegas”.

Na estória Wenlock Edge uma universitária conta a experiência do relacionamento com a Nina que aparece para morar com ela no quarto alugado. Vai além do esperado a descrição da aventura perversa e das personalidades sórdidas que povoam a existência comum e se utilizam da fragilidade humana. “Pessoas - Em busca de proezas que elas não sabiam trazer dentro de si”. (pag. 108)

Buracos-profundos deixa o leitor perplexo com consequências/impactos que acidentes podem provocar; ou não foi o acidente do Buraco-profundo que trouxe a alteração na vida de um filho? Novamente um casal, agora com filhos, novamente a normalidade transformada drasticamente. Acidentes da vida. Impressionante caracterização dos personagens.

No quinto conto deste volume, Radicais Livres, há relato de depressão, morte, mas o roteiro se transforma numa tensão quase policialesca com a invasão de um inesperado personagem.

Aqui vale um parêntesis para o comentário da Revista Veja – Jerônimo Teixeira – que diz que a autora “exagera no recurso a encontros casuais como motor da ação”, apesar dele reconhecer que ela sabe conduzir a narrativa até momentos tensos.
O fato é que, embora este recurso a encontros casuais seja realmente utilizado de várias formas, discordo inteiramente da conclusão da resenha do Teixeira quando afirma que o mais recente livro da Alice Munro, Vida querida, que parece ter o mesmo estilo deste, “é ficção para ser adotada em cursos de “Estudos Femininos” nas universidades americanas”. Discordo do Teixeira, repito.  A temática não é apenas feminina, mas sim universal.Vale a pena conferir mais este livro.

O sexto conto, Rosto, é um relato marcante sobre relação pais x filho, filho este que tem um defeito físico, uma estranha mancha no rosto que “Parece um pedaço de fígado”. Chega-se ao lirismo ao final, com poesias e sentimentos ternos.

Algumas mulheres, apresenta uma competição sutil e fortíssima entre mulheres, e a consequente solidariedade de uma terceira, digamos, partidária. Tudo na visão de uma menina de 13 anos...

E o Brincadeira de criança? Esta estória, achei até previsível de certa forma, mas  de extrema crueldade. Que crueza na explicitação do mal que pode existir em cada um. Vale uma reflexão, mas não exige julgamentos dos personagens. Será que eles se auto-punem? Qual o grau de consciência de uma criança? É uma confissão? Duas amigas se re-encontram, estando uma no leito de morte.

Mas, o ponto culminante é a estória que dá nome ao livro, ou seja, Felicidade demais.
Aqui sim, há períodos históricos bem delineados: uma russa, brilhante matemática e literata, um ou dois russos exilados, pela Europa, na última década do século XIX.
É a recriação de parte da vida de Sophia Kovalevsky, uma das primeiras mulheres a se tornar professora universitária de matemática, na Suécia. “Ela se consagrou na Alemanha, atuou como jornalista em Petersburgo... e travou contato com grandes personalidades da época”. (contracapa)
Vale a pena mergulhar nesta época com suas contradições e mudanças comportamentais fortes, e quando “feminismo não era nem uma palavra que as pessoas usavam”).

De fato, “tudo podia ter acontecido antes da expulsão de Adão e Eva dos jardins do paraíso”. (pag. 289). E não se deve “provocar o destino a enviar outro golpe”. (pag. 319)

Afinal:
Quando um homem sai de um quarto, ele deixa tudo pra trás
E “quando uma mulher vai embora, ela leva consigo tudo o que aconteceu naquele quarto”.

 Recomendo o livro sem restrições e com enorme entusiasmo.



[1] REVISTA Veja – 11 de dezembro, ALÍVIOS PROGRESSISTAS, Jerônimo Teixeira

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

IL BARONE RAMPANTE (O Barão nas Árvores).

de Italo Calvino


por Irene Nogueira de Rezende

Italo Calvino nasceu a 15 de outubro de 1923, em Santiago de las Vegas no subúrbio de Havana, Cuba. Seu pai era um cientista especializado em agronomia e botânica e trabalhou para o governo mexicano e cubano. A mãe era também botânica e professora universitária. O ambiente estimulante de pais professores e cientistas foi fundamental na sua formação intelectual. De volta à Itália com apenas dois anos, foi criado na propriedade da família, perto de San Remo, onde o pai fazia experiências botânicas e cultivava frutas. Essa vivência entre flores e árvores frutíferas foi aproveitada por Calvino para escrever O barão nas árvores. Seus pais lhe proporcionaram uma formação intelectual primorosa e se recusaram a dar orientação religiosa para os filhos.

Com o advento do fascismo a família Calvino se posicionou veementemente contra. Quando foi convocado pelo governo, Ítalo se recusou a lutar ao lado dos fascistas e, com o incentivo da mãe, entra para a Resistência Italiana. Depois da guerra se filia ao Partido Comunista Italiano, abandona o curso de agronomia e entra no curso de Artes. Depois defende sua tese de Mestrado sobre Joseph Conrad. Começa a publicar contos e trabalha como jornalista.

Em 1952 inicia a publicação da trilogia dos antepassados com  O visconde partido ao meio, 1957 vem O barão nas árvores e, em 1959, O cavaleiro inexistente.

Em 1956, depois da invasão da Hungria pelos soviéticos e pouco antes de publicar O barão nas árvores, Calvino se desliga do Partido Comunista publicando uma carta no jornal L’Unitá se justificando e que ficaria famosa como um libelo à liberdade de expressão e de criação. No ano de 1972 publica As cidades invisíveis, um de seus mais belos romances, ambientado em parte do século XIII, onde recria diálogos entre o viajante veneziano Marco Polo e o imperador dos tártaros Kublai Khan, em Cambaluc, atual Pequim.  Sobre esse livro um crítico escreveu que: “Em nenhuma outra obra Ítalo Calvino levou tão longe os valores que considerava fundamentais à sobrevivência da ‘espécie literária’: leveza, rapidez exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência. O leitor verá que é impossível não se perder nessas cidades, como é impossível não se enredar nessas teias de palavras”.

Alguns livros publicados: O castelo dos destinos cruzados, Amores difíceis, Se um viajante numa noite de inverno e seu último trabalho Seis propostas para o próximo milênio, de 1985, uma série de conferências que faria para a Universidade de Harvard e que não pode finalizar porque um derrame o pegou antes, vindo a falecer no dia 19 de setembro de 1985.

O barão nas árvores

Começo pela tradução que, a meu ver, deixa a desejar incluindo expressões que não combinam com a narrativa, como “saco cheio, estou me lixando” e outras mais. A tradução dos nomes próprios também não é adequada – aliás, sou da opinião que não se deve traduzir nomes dos personagens -, porque Cosimo de Rondeau soa muito melhor que Cosme de Rondó. Ombreuse não é muito mais bonito que Penúmbria? O tradutor nos tira a possibilidade de conhecer os personagens pelo seu nome original, pela sua sonoridade nativa, privando ao leitor de usufruir de um nome com um significado próprio da língua de origem, ou mesmo uma associação com algo que seja familiar a cada leitor. Por que não traduziu então o nome do abade Fauchelafleur (algo como decepa flores)? Ou conde d’Estomac por conde Estômago?

Calvino constrói com muita habilidade e originalidade seus personagens, lançando mão do humor como recurso para emoldurá-los, basta notar a irmã Batista e suas inventividades gastronômicas, a mãe com sua dilatada veia militarista, o pai, o senhor Barão, o abade Fauchelafleur, Viola e o próprio Cosme, com suas muitas facetas e criatividade demonstradas durante sua vida nas árvores. Todos os artifícios usados para Cosme se adequar a uma vida nas árvores são tão bem elaborados e ficam tão verossímeis, que o leitor acaba por crer que seria mesmo possível alguém passar a vida pulando de galho em galho sem jamais tocar os pés no chão. Até o cão de Cosme tem uma personalidade peculiar e bem elaborada pelo autor.

Calvino também desconstrói a imagem dos religiosos eruditos, invertendo os papéis tradicionais, colocando Cosme como mestre do abade Fauchelafleur lhe ministrando lições de obras condenadas pela Igreja como a Enciclopédia de Diderot e D’Alembert. Fato que acaba por colocar o religioso em desgraça junto ao Tribunal da Inquisição. Preso e isolado, morre em meio a dúvidas existenciais suscitadas após as leituras e os debates com Cosme.

Interessante também é a tentativa de Cosme criar um Estado Arbóreo chegando a escrever um projeto – Projeto de constituição de um Estado ideal fundado em cima das árvores –  que enviou a Diderot, que o respondeu com um bilhete (adorei essa ironia da resposta por um bilhete, ou seja, Diderot não estava nem aí para os arroubos constitucionais de um nefelibata que morava nas árvores).

O narrador, Biágio, tem aquela natureza mais contemplativa, menos impulsiva e um tanto crítica, levando a crer que, talvez, fosse a voz (e a consciência do próprio Calvino), um autor, logo se vê, preocupado com o hábito de ler, fazendo muitas vezes Cosme de seu paladino em prol da disseminação da rotina da leitura. E para esse objetivo usa do personagem de João do Mato, que larga a vida de rapinagem pelo prazer obsessivo da leitura, chegando ao ponto de, literalmente, com a corda no pescoço, pedir a Cosme para saber como termina um romance que estava lendo por ocasião de seu enforcamento.

As inserções de personagens históricos como Voltaire: “era somente a Natureza que criava fenômenos vivos, agora é a Razão”, Diderot, Rousseau (que não respondeu o livro que Cosme o enviou) e Napoleão Este dando mostras de sua megalomania confunde um capítulo que Alexandre da Macedônia encontra o sábio Diógenes que o pede para se afastar porque sua sombra lhe tapa o sol (Senhor, apenas não tire de mim aquilo que não podes me dar), como se tivesse acontecido com ele próprio.

O texto traz ainda passagens de grande lirismo como o momento da morte da generala com as bolhas de sabão assopradas por Cosme para lhe alegrar os últimos momentos de sua vida. E a morte do próprio Cosme, levado por um balão até o mar que poderia ser interpretada como  uma alegoria celestial indicando sua subida ao céu por uma vida tão pura e inocente.

É bom destacar a preocupação ecológica de Calvino que perpassa o romance, escrito numa época em que não era comum discutir questões ambientais. Preocupação esta explicável pela influência familiar e sua estreita convivência com as plantas desde a mais tenra idade.

Como disse o autor da resenha enviada por Claudine, a estratégia ou o recurso literário de pensar um personagem que vive nas árvores proporciona ao autor maiores alternativas na narrativa: uma no chão e outra em cima das árvores, possibilitando uma série de soluções literárias (e poéticas também) que só enriquecem o romance, além da contextualização histórica abordando uma época de grandes transformações culturais e políticas. Iluminismo, Revolução Francesa, o racionalismo científico, enfim aquele fervilhar de ideias que caracterizou os séculos XVIII e XIX. E isto Calvino soube aproveitar muito bem como moldura para seu romance de fortes pinceladas de realismo fantástico. Recomendo entusiasticamente.

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segunda-feira, 21 de outubro de 2013

MUITO ALÉM DO CORPO

de Luzilá Gonçalves







Por Guido Azevedo

Primeiramente deixem-nos agradecer a presença de todos.
Ficamos honrados e felizes com vocês aqui no Recife que tanto amamos.
Que essa estada seja plena de felicidade e paz.

Quero externar o orgulho de ter um livro de Luzilá sendo lido e discutido por vocês. 
Acho que Pernambuco tem valores literários incontestes e apena alguns ganham projeção nacional, outros labutam em terreno árido e regional e passam muito tempo para serem descobertos e saírem de uma espécie de gueto que as circunstâncias nacionais impõem, embora não seja o caso desta amiga querida que tem seu reconhecimento nacional, em termos de prêmios, cadeira na academias e currículo invejável.
Outra alegria maior com a escolha de Luzilá é de caráter pessoal, Já não aguenta a temática de seca e de miséria como fundamento de apresentação da região.
Luzilá não centraliza sua obra nessa velha e cansada saga nordestina, que parece nos aprisionar como realidade e temática obrigatória, embora sejamos tão rica em outras coisas.
Por outro lado, sua temática predileta, quase ideia fixa, é a luta feminina, a realização do gênero no mundo contemporâneo e nos idos do século XIX.
Este é o tema que lhe é caro é o que mais aproxima vocês amigas dela.
Até parecem missão de vida: A valorização da mulher, a descrição das suas lutas pela liberdade de ser e de expressar sentimentos, de ocupar seu lugar no mundo; Biografia das heroínas nacionais, reconhecidas ou não, mulheres que construíram a ferro e fogo sua saga para a liberdade, nem sempre conquistada em vida.
Assim, Luzilá esta mulher do século XXI, tem mesmo a cabeça no século XIX, o século das grandes definições da humanidade. Doutora em literatura feminina do século XIX, pela Universidade de Paris VII.
Ativa e soberana faz da vida uma experiência única, com um desembaraço, uma delicadeza, uma entrega para a arte e para as causas da justiça que me deixam apaixonado.
Claro, alguma hora isso seria revelado, vez que se trata da minha professora de francês, uma típica francesa como eu sempre a imaginei.
Em sua casa, até o jardineiro fala francês. Outra de suas paixões, como a literatura e a sala de aula. 


Finalmente, chegando ao tema da análise pessoal sobre o livro – Muito Além do Corpo - 

O livro tem como temática: o amor.
Como premissa: Será o amor pelo outro, capaz de dominar o próprio ser e dispensar o ser amado, por carregar em si todas as suas nuances?
Desenvolvimento: A autora tem uma relação profunda com uma pessoa amada...nome? para que? Basta Ele, Eu, Nós .
Ele tem um comportamento muito estranho, desaparece por uns tempos e não gosta de dizer o que andava fazendo. (Coisa típica dos tempos de chumbo, quando não se falava para não comprometer a amada) 
Em um São João, tendo prometido que passariam juntos, Ela recebe uma telefonema onde sabe que ele não vem, não pode ou não quer vir. Sentindo-se só, vai ao cinema, que aparentemente tinha apenas mais um expectador o que acaba aproximando-os. 
Ao se conhecerem notaram uma grande identidade de sentimentos e afinidades, além da coincidência comum de rejeição. Naturalmente acabam se relacionando um daí nascendo um amor, malgrado a diferença de idade entre eles. No entanto, ela se renova. Até perceber que a entrega do amado tinha a ver com sua luta para sobreviver a doença terminal e viver intensamente este período que se demonstra breve.
Em estado de desespero com a perda recebe o abraço do seu amado que vem para consolá-la e retoma o seu lugar na história pessoal dela.

Para o romance como um todo, tenho duas palavras que sintetizaram para mim ao concluir sua leitura: Delicadeza e Sensibilidade.
Delicadeza pela forma como foi tratada a história de amor. Sensibilidade pela descrição de sentimentos e emoções como se fora os cenários de um romance de exterior.
À moda Proust, Luzilá desenvolve seu romance com sentimentos como cenas. São eles que articulam a trama do romance, em particularmente os sentimentos da narradora. Ela não precisou de ambientação de época, de ambiente externo, de tempo ou lugar.
Não precisou caracterização de personagens, figuras, perfis e personalidades. Suas características foram pinceladas através de fragmentos indicativos e necessários à própria trama.
O livro é leve, sutil como um sentimento feminino. (não sei da onde tirei isso.) Mas, entrar nessa emoção, para nós homens, requer uma sensibilidade a mais, abertura para o diferente. 
Minha sensação é que só conseguia ler e sentir o livro, em estado de graça, ou seja, quando conseguia me concentra na leitura, sem qualquer preocupação exterior.
Mais uma vez no caso pessoal esta semelhança emocional com Proust, autor que jamais consegui ler sem estar ligado na obra e nos sentimentos dos personagens.
Mais que uma leitura ligeira e acrítica  este romance exige uma reflexão a cada folha.
Lia parava e pensava na singeleza de cada fato.
Como fazer um livro de amor, sem melodrama, sem paixão desenfreada, sem palavras soltas, com um enredo tão amarrado e tão introspectivo?
Como contar o velho triângulo amoroso com tanta delicadeza que mais parece uma necessidade?
Confesso que anos atrás. Quando tentei ler este livro, logo o abandonei por achar que era delírio de mulher. Acho que na época não estava aberto para um roteiro sem aventura, pouquíssimos diálogos e ainda menos personagens. Na verdade não estava interessado na temática e não conseguia me concentrar, por preconceito ou imaturidade.
No contexto, dois momentos interessantes, mas que destoam do roteiro e da temática e parecem como crônicas apostas ao texto. O primeiro conta o relacionamento dela criança com um bodinho de estimação e sua percepção antecipada da morte como separação do bem amado. 
O segundo fala de uma travessura com o sino da capela do Engenho que ela açodadamente toca e acaba por criar uma grande confusão como se fora o anúncio da morte do coronel do lugar e que acaba sendo quase a sua ressureição ou retorno ao estado de saúde, que tem como desfecho a sua percepção de que pode ser capaz de milagres.

Sabe aquela sensação que nos assalta algumas vezes: “eu poderia ter escrito isso, porque é exatamente o que penso.” Muitas vezes, tive essa sensação ao ler esse livro. 
Naquelas reflexões que dizem respeito ao ato de escrever. Naquelas ânsias de compreender o mundo, de idealizá-lo e, nunca se decepcionar com a realidade, apenas adiar a expectativa.
A crenças inabalável no outro. A certeza de que o amor sempre triunfa. De que não há realização em si mesmo, mas tão somente no outro e de preferencia no ente amado.
O amor doido que acha que se basta. Que tenta dispensar o amor do outro, que todo adolescente pensa encher o mundo com o seu próprio amor, que no fundo é amor próprio.
A própria reflexão sobre o mistério de escrever, o espanto com a construção das palavras criando vidas e tronando-se objeto que adquiriam independência, vida própria.  
Como escrever livros que não sejam de amor? Que não falem de amor, que não busquem o amor, no mínimo de quem o lerá?
Eu Recomendo.
    Muito Além do Corpo (1988)
    A Anti-Poesia de Alberto Caeiro (1990)
    Os Rios Turvos (1993)
    A Garça Malferida (1995)
    Em Busca de Thargélia (1996)
    Humana, Demasiado Humana (2000)
    Voltar a Palermo (2002)
    No Tempo Frágil das Horas (2004)

Como autora e co-autora, publicou mais de 30 livros, entre contos, romances, ensaios, biografias. Em 2000, lançou um ensaio - Humana, Demasiado Humana - sobre a psicanalista Lou Andréas - Salomé, identificada como vivendo " à frente do próprio tempo". Já no seu livro Voltar a Palermo, descreve Buenos Aires, à medida que apresenta uma intensa história de amor, entre uma brasileira e um argentino, nas épocas de repressão política.
Na área do Jornalismo publicou Um Discurso Possível, ensaio sobre a Imprensa Feminina em Pernambuco,1991-1997,apresentando as mulheres pernambucanas que atuaram como jornalistas, no século XIX. A respeito da poesia feminina, Luzilá escreveu Em Busca de Thargelia, antologia em 2 volumes publicada em 1996.
Em 2002, publicou o livro Presença Feminina, por solicitação da Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco, onde ela faz o perfil de nove deputadas estaduais. É detentora de vários prêmios.
Seus romances Muito Além do Corpo, A Garça Mal Ferida e Os Rios Turvos receberam respectivamente os Prêmios Cidade do Recife, O Nestlé e o Prêmio de Biografia da Academia Brasileira de Letras.

GUIDO AZEVEDO

terça-feira, 10 de setembro de 2013

O Buraco da Agulha

de Ken Follet



por Ana Luiza Machado

O Buraco da Agulha (Eye of the Needle) é um romance policial ambientado na Segunda Guerra Mundial,  de autoria do britânico Ken Follet,  jornalista que já havia escrito na época outras obras utilizando pseudônimos.

O Buraco da Agulha ganhou o prêmio Edgar Award em 1979, maior prêmio da literatura de suspense e mistério. Interessante frisar que este ramo da literatura ocupa uma posição marginal e pouco reconhecida no mundo literário. Embora isso não fustigue o quase certo sucesso editorial de obras desse gênero.

A trama se desenvolve no contexto da Segunda Guerra Mundial, centralizando-se na figura do exímio espião alemão, Die Nadel (A Agulha) que se encontra infiltrado em solo inglês com a missão de obter o máximo de informações para o governo nazista.

O livro é dividido em 4 partes e um capítulo final de alta carga dramática e suspense. Os capítulos são muito bem delimitados e as histórias de cada um dos personagens seguem paralelamente. Outra característica da obra são as indicações históricas reais, recurso  que acentua a carga dramática do texto e nos leva a indagar “quantos espiões como este existiram de verdade?”. Os personagens principais são Henri Faber (nome falso utilizado pelo espião alemão Die Nadel);  Percival Goldman, estudioso da idade média  que se torna colaborador da MI5 (serviço de inteligência britânico); Lucy, inglesa casada com um militar inglês, frustada pela indiferença do marido e aprisionada pelos caprichos e frustrações dele em uma ilha escocesa.

O espião alemão Henry Faber se apresenta como um pacato burocrata nas primeiras cenas. No desencadear da trama, sua verdadeira identidade é revelada.  Toda a trama se desenvolve por meio de informações obtidas por esse aparente burocrata. Objetivando evitar o vazamento de informações estratégicas, a polícia britânica recruta o historiador Percival Goldman, para auxiliar nos serviços de contra espionagem.
Com estes personagens envoltos pela Segunda Guerra Mundial, Follet nos conduz à uma caçada emocionante, que surpreendentemente tem seu desfecho ambientado na isolada Ilha das Tormentas, na Escócia, com o casal Lucy e o militar.

Considero o livro um roteiro pronto, apesar de não saber com precisão se se isso desqualifica ou enaltece a obra. Inevitável não mencionar que esta aparente aspiração cinematográfica concretizou-se em 1981 sob a direção de Richard Marquand (Star Wars Episode VI).
O personagem de Henry Faber é aquele que mais se revela na obra, é possível saber um pouco de sua história e como ele construiu uma carreira na espionagem. Percival Goldman também desperta interesse, exercendo um papel decisivo nas caçada ao espião, no entanto a forma pouco crível de seu aceite para trabalhar na MI5, compromete um pouco o personagem. Lucy poderia ser um destaque, mas, a despeito de ser uma heroína, ela não comove. A única conexão que tive com a personagem foi no momento em que ela se resigna com a condição imposta pelo marido (isolamento na ilha e frieza no casamento).

O desfecho poderia nos reservar surpresa melhor considerando que a heroína da trama foi uma mulher. No entanto, o autor prefere nos brindar com um lugar comum que ficaria muito bem em um novela das oito.

Recomendo o livro com reservas, a título de puro entretenimento. Acredito que não há nenhum traço no trabalho que faça distinção da obra entre  qualquer outro livro ou filme de suspense no contexto da Segunda Guerra Mundial. Nenhum dos personagens é marcante ou valioso o suficiente para proporcionar um brilho especial à obra. É mais uma das 6 milhões de histórias possíveis da era Hitler, e nem é das melhores.

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terça-feira, 13 de agosto de 2013

A Trégua

de Primo Levi

 por Luiz Dias Bahia

Trata-se de um livro em que o autor descreve os últimos momentos de confinamento em Auschwitz até a volta a sua cidade natal, Turim, e o encontro com familiares e a vida de antes da II Guerra Mundial. Duas revelações são importantes, inicialmente, para entender o livro: primeiro, o título “A Trégua” parece significar o espaço de tempo entre o fim da citada guerra e o início de outra (a Guerra Fria, como o autor mesmo escreve), que não demoraria muito a ocorrer, por seu relato; Primo é um judeu italiano, e bem no início do livro confessa orgulho pela capacidade de resistência do povo judeu às atrocidades e infâmias do anti-semitismo no II Guerra Mundial. Esses elementos, uma vez claros, explicam o fato de ele descrever a “odisséia” da volta a casa como algo sofrido, mas levemente cômico, quase circense, onde o comportamento dos companheiros é descrito sem niilismo, mas de uma maneira sutilmente bem-humorada e humana, com confessa complacência às características pessoais de cada um. Assim, várias cenas e situações nos fazem sorrir, dada a maneira cômica de sua descrição, apesar da penúria e improviso que encerram. Tudo isso faz com que a situação geral angustiante e adversa seja descrita elegantemente, com sutileza incomum, destilando quase uma filosofia suave dos comportamentos variados que aconteceram. Junto a tudo isso, perpassa o relato uma calma de desespero contido, única maneira, talvez, de percorrer tal “odisséia”.

O sentido nacionalista (italiano) que o autor dá a tudo é inegável. Tanto assim que os dois personagens mais importantes do livro (o autor é um espectador “onisciente”, revelando suas sensações apenas no final) são Leonardo e César. O primeiro, médico, extremamente persistente e imune às tarefas árduas por que passa, parece-nos encarnar Leonardo da Vinci. O segundo, impulsivo ao extremo, imbuído dos propósitos os mais inverossímeis e difíceis de realizar, disposto a assumir todos os riscos, mas ao mesmo tempo não delirante, ao contrário, extremamente pragmático (o que o faz dele um vencedor consumado aos olhos de todos), parece-nos encarnar Júlio César, antigo imperador romano.

Finalmente, no fechamento do livro o autor revela o caráter traumático e persistente em sua vida, mesmo depois de ter voltado para casa, que a experiência no campo de concentração deixou na sua psicologia, expressa (mas não apenas) nos pesadelos recorrentes.

É um livro marcante, não como denúncia, mas pela capacidade invejável do autor de superar a violência recente à qual foi submetido e, mesmo assim, construir um relato às vezes cômico (quase circense), às vezes quase desesperançado (dadas as dificuldades), mas sempre em alto tom de lucidez e humanidade. É um belo livro.

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sexta-feira, 19 de julho de 2013

Rio das Flores


Miguel Sousa Tavares
Companhia das Letras, 2011

Comentários por Ma. Virginia de Vasconcellos
Brasília,  Julho de 2013

Como perceber as imbricações entre nossas vidas e o momento histórico?
Como identificar os reflexos de questões da sociedade sobre as perturbações na vida individual e nas características mais íntimas do ser humano?

Evocando o sociólogo Wright Mills[1], concordamos que “os homens raramente têm consciência da complexa ligação entre suas vidas e o curso da história mundial. O bem-estar que desfrutam, não o atribuem habitualmente aos grandes altos e baixos das sociedades em que vivem”. Os homens não conseguem nem compreender, nem sentir o jogo que se processa entre a história e a sua biografia e as relações entre ambas, dentro da sociedade.
Pois, nesta saga familiar que transcorre entre 1915 e 1945, esta ligação entre o “eu e o mundo”, entre o indivíduo e suas circunstâncias,  é soberbamente exposta pelo autor, Miguel Sousa Tavares. 
Com um estilo lento, embora denso, ele acentua, a cada momento, o impacto daquela Europa varrida pelas ditaduras e por profundas mudanças sociopolíticas, e a influência dessa situação na vida dos personagens. Especialmente no destino e no caráter dos irmãos Diogo e Pedro.
Valendo-se de uma pesquisa histórica rigorosa, que abarca Portugal de Salazar, a Espanha de Franco e o Brasil de Getúlio, o autor constrói o que ele mesmo classificou de Romance Histórico, misturando o fato real com o mundo imaginário, sem perder de vista a realidade que  encurrala, leva ao desespero e limita o livre-arbítrio dos indivíduos.
Como Wright Mills, ele parece concordar que a informação e o discernimento não são o suficiente para preparar os homens para lidar com o sentimento de inadequação decorrente das transformações.
Sentindo seus valores ameaçados em Portugal, o Diogo se afasta da família e vai para o Brasil. Para ele, já não bastavam as terras do Alentejo, as caçadas, o campo, o desfrute da lareira e da boa mesa proporcionada pela mãe Maria da Glória.  Já não bastava a bela esposa. Precisou de novos ares para respirar a liberdade. Novamente o destino lhe bate à porta e o circunda com a ditadura do Estado Novo no Brasil. Com a diferença que, aqui, ele tem a condição de estrangeiro e se sente livre para refazer totalmente a sua vida tanto financeira como afetiva. E enterra o sentimento de inadequação.
Assim também, levado pela condição do momento, ameaçado pela mudança política, o Pedro vai lutar na guerra civil espanhola.
Mesmo com ideologias e visões de mundo distintas, havia em ambos este sentimento de inadequação decorrente das transformações, seja defendendo-se/libertando-se no Brasil, caso do Diogo, ou defendendo-se/lutando na Espanha, caso do Pedro.
É interessante notar a capacidade do autor para retratar a alma humana, tocando fundo no leitor ao descrever as relações familiares.
Também importante comentar sobre momentos brilhantes de humor ora sutil, ora deslavado e revelado.
A belíssima história dos Ribera Flores além de mostrar, com sensibilidade e delicadeza, suas paixões e amores, também apresenta os costumes,  crenças e valores de sua classe social.  
Ao final do livro, em que pesem as perdas, guerras, desencontros e separações ocorridas, o autor consegue produzir um happy end para seus personagens, e com isso, retira a amargura e acalenta nossos corações. Encontra-se o rio das Flores.
Poderíamos ainda escrever muitas e muitas linhas a comentar, por exemplo, a figura da mulher no início do século XX, sua apatia e indiferença pelo mundo, e comparar com as Amparos, Angelinas e Marias da Glória. Convido vocês a fazerem isso.
Aqui concluímos, afirmando que consideramos este Rio das Flores um dos melhores livros selecionados desde a formação deste grupo e, sem dúvida, recomendamos sua leitura inteiramente sem restrições.

Em tempo:
Vale mencionar que os resumos deste livro que aparecem na capa e contra-capa desta 1ª. edição de 2008 estão muito bem escritos.



[1] MILLS, C. Wright. A Imaginação Sociológica, Rio de Janeiro, Zahar, 1982 (1959) 

sexta-feira, 17 de maio de 2013

FAMA - um romance em nove histórias

de Daniel Khelman


por João Maria



    Fama é um livro bem escrito, bem construído. Com linguagem simples sem ser banal, o autor consegue ser leve e ágil apesar da complexidade do conteúdo.

   São nove histórias muito bem desenvolvidas e bem diferentes umas das outras. elas acontecem em realidades distantes entre si, mas mantém uma ligação, depois de ler as primeiras narrações o leitor (o primeiro conto) comecei a buscar personagens da história anterior e quando não encontrei comecei a buscar algo que as ligasse. Na quarta, encontrei a ligação com a primeira e isto me fez perder a verdadeira ligação. Somente após a última me pareceu claro qual era ligação.

    Na realidade o livro trata sobre como a fama, a publicidade e a tecnologia podem alienar e confundir as pessoas, ao ponto delas perderem a identidade. Boa parte das narrativas que compõem este romance tem origem num mal-entendido. São situações bizarras, causadas muitas vezes pela inversão de papéis entre quem vive a fama e o anonimato, ou por alguém que abandona a vida ordinária para viver algo extremo ou tomar uma decisão inusitada. Tem um cara comum que começa a receber muitas ligações no seu celular recém-adquirido, um autor de livros cheio de manias e um homem viciado em internet que prejudica até sua carreira - irritante aliás.

    As situações que eles passam são absurdas e ao mesmo tempo tão realistas, exploram como pode ser fácil se perder entre a sua vida real e aquela que você mostra as pessoas.

    O autor faz a fronteira entre ficção e realidade ficar muito tênue e mostra como a exposição, seja num livro, na televisão, nos celulares ou na internet, pode tornar as pessoas vulneráveis e mesmo causar a perda da identidade.

    A leitura é envolvente, pois o autor muda o estilo de narrar a cada personagem, que propositadamente são muito diferentes. Além disso, à medida que avancei, me peguei refletindo sobre a realidade e as aparências, o quotidiano e os sonhos e a noção de identidade num mundo cada vez mais saturado de “modernidades” e de pressões geradas por elas.  

Recomendo.

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terça-feira, 9 de abril de 2013

LIBERDADE

de Jonathan Franzen

por João Maria

O cenário do livro é a paranoia norte-americana pós 11 de setembro, ele trata sobre como as pessoas comuns se unem, se separam e como são infelizes.

Talvez infelizes por terem se tornado não exatamente as pessoas que gostariam de ser.

Novamente, “o livro dentro do livro” – o Diário de Patty, muito longo, nos remete sobre as escolhas que fazemos no transcorrer de nossas vidas, muitas delas não percebidas.

Liberdade de escolhas é o tema do livro.

Aliás, aprendi, antes mesmo da leitura deste livro, que cada escolha  implica em uma perda. Ou seja, a cada escolha, menos liberdade. A liberdade das escolhas tem limites e aprisiona.

Esta é a história de Patty e suas escolhas. Entre Walter e Katz, ente uma carreira e uma vida medíocre, etc... E como as escolhas dela foram delimitando o espaço livre e aprisionando-a. principalmente para viver escolhas novas, ou mesmo refazer escolhas.
Descobri pesquisando a vida do autor, que ele é demasiado preocupado com sustentabilidade e superpopulação. Assim, ele transferiu suas preocupações para o personagem Walter e o livro apesar de versar demasiadamente sobre os dois temas não consegue se aprofundar neles.  

Livro difícil de ler, desfocado, com muitos, muitos erros! Os ortográficos denotam falta de zelo, de tão primários.

Cheio de períodos longos e algumas vezes de difícil sentido, o livro é muito demorado em alguns trechos. Ex. migração das espécies das aves   Ele não consegue ser profundo sobre os temas contemporâneos - Questões econômicas, ambientais e políticas, embora esta última esteja presente ao longo de todo o livro.
  
Não recomendo. Um livro para quem tem tempo, muito tempo e tem interesse em relações humanas na sociedade americana pós-11 de setembro e suas crises. 

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quinta-feira, 14 de março de 2013

Aqueles Cães Malditos de Arquelau

de Isaias Pessotti, 1993

 por Daniela Lopes



Na Milão do final de década de 60, um grupo de pesquisadores do Instituto Galilei explora os vilarejos da região em busca de textos antigos, movidos por doença comum, uma bibliomania crônica, e também por prazeres bem cultivados na Itália, boa comida e boa bebida. Em uma destas viagens de final de semana, descobrem, em uma villa histórica no Piemonte, tesouros literários e uma história dos ‘quattrocento’ a ser esclarecida. Quem era o bispo vermelho, personagem ainda cultuado na região e o que se passou ali naquela villa? Só o método científico não daria conta de chegar às respostas do mistério, assim os eruditos apaixonados tem que usar suas habilidades e paixões individuais, a capacidade de observação, a intuição, a obstinação e é claro, a sorte, para montar o quebra-cabeça.


Como o Renato Janine Ribeiro coloca bem no texto da orelha do livro (4ª edição, Editora 34), o romance de estréia de Isaias Pessotti, duplamente premiado com o Jabuti em 1994, trata da paixão e o conhecimento, da paixão do conhecimento, do conhecimento da paixão. É bem evidente que o livro contem elementos autobiográficos, revelando as paixões do próprio autor. O prof. Pessotti, filósofo-psicólogo, viveu e lecionou em Milão na década de 60, e embutiu nos diversos personagens do enredo o seu próprio perfil e interesses acadêmicos (epistemologia; evolução histórica de conceitos da Psicologia; a trajetória do conceito da loucura); provavelmente se deleitou com os mesmos vinhos e pratos mencionados na história, e perambulou pelas mesmas paragens do Piemonte.


A voz do autor não está só no narrador, o latinista Emilio Donatelli, que pesquisa a rota da ideia da loucura. O autor se multiplica nos seus personagens: Anna estuda a história do teatro dramático; Lorenzo Ducci é interessado na história da medicina Greco-romana; Bruno Salvadori pesquisa a história da alquimia; Isabella Pierini,a história do canto gregoriano; Beatrice Bonomi, a história do movimento muscular; Tulio é o neuropsiquiatra que estuda o conceito histórica da deficiência mental; Abelardo Pasquali pesquisa direito antigo; Mauro Adami, a psiquiatria do settecento. Todos estes personagens poderiam ser um só, já que não têm vozes narrativas individuais.


O livro dentro do livro parece estar virando um padrão dentro deste grupo de leitura: novamente temos um livro, o Commentarium, de autoria do bispo vermelho, vai revelando a paixão deste cardeal, ex-inquisidor arrependido, pelo poeta Eurípedes e suas tragédias. Os paralelos entre a vida do cardeal e do pensador grego deslocado do seu tempo desembocam na trágica coincidência na morte de ambos. Quem viu o último Tarantino, Django Livre, teve uma amostra gráfica deste horror, de causar pesadelos noturnos. Malditos Cães...


O desenrolar da história é lento, recheado de discussões histórico-filosóficas, e entremeado de cenas elegantemente descritivas (ainda que muitas vezes exaustivas). O estilo ensaístico e erudito do autor é por vezes cansativo, pois parece evidente que os diálogos e relações entre os personagens são somente um pretexto para o acadêmico desenvolver alguns temas de seu interesse e desfiar referências, de forma mais livre do que teria que fazer se fosse publicar um livro acadêmico ou artigo em periódico. Mesmo a paixão contida do tímido Emílio por Anna tem costura fraca com o enredo.


Gostei do romance, mas não é um livro que dá para recomendar livremente, é preciso conhecer bem seu interlocutor para avaliar se ele não vai se cansar pelo caminho. Não sei se encararia outro romance do autor,mas ele atiçou em mim a curiosidade sobre as tragédias de Eurípedes, ou seja, conseguiu transmitir sua paixão pelo conhecimento da paixão para esta leitora.





terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

A SOMBRA DO VENTO


de Carlos Ruiz Zafrón

por Beth Eloy

A Sombra do  Vento é um romance de Carlos Ruiz Zafón, revelação da literatura espanhola contemporânea. O seu livro, A Sombra do Vento tornou-se um sucesso de crítica e público, com mais de 6 milhões de exemplares vendidos. A história é absolutamente fascinante e a narrativa utilizada pelo autor é completamente envolvente.

O livro está ambientado no período pós-guerra civil espanhola, em 1945, que coincide com o final da 2ª Guerra Mundial. Os seus personagens, adoráveis e misteriosos habitam uma Barcelona do pós-guerra, cenário de insegurança e instabilidade para a população.

Então, é nessa Espanha de Franco, que um garoto de 10 anos, chamado Daniel Sempere, órfão de mãe, inconformado com a sua morte e incapaz de lembrar seu semblante, é presenteado pelo pai com uma visita inesquecível, a um misterioso lugar, no centro histórico da cidade, chamado de O Cemitério dos Livros Esquecidos. O lugar, conhecido de poucos barceloneses, é uma biblioteca secreta que funciona como depósito para obras abandonadas pelo mundo, à espera de alguém que as descubra. É lá que Daniel, incentivado pelo pai, escolhe em meio a uma infinitude de livros, um exemplar de “A Sombra do Vento” de autoria do também barcelonês Julian Carax. A partir da sua leitura, muda a sua vida e a dos personagens que o cercam.

O livro desperta em Daniel um verdadeiro fascínio por aquele autor desconhecido e sua obra. De forma obsessiva, passa a buscar respostas para as suas questões e dúvidas sobre o autor e o mistério que o cerca. É uma história recheada de mistério e paixão. Aliás, paixão é o sentimento que norteia a história e nos é apresentada de todas as formas: lúcida ou delirante, aperfeiçoadora ou destrutiva. É a paixão que aparece nas páginas do livo motivando personagens, heróis e vilões.

As descobertas de Daniel Sempere, remetem a outra história, a de Julian Carax, o seu amor por Penélope Aldaya, a sua amizade com Jorge Aldaya e Miguel Moliner, a paternidade ignorada por Ricardo Aldaya; a conturbada relação com o pai, o chapeleiro Fortuny e sua mãe Sophie, com o seu amor e segredo que envolve a sua relação com o filho. Histórias recheadas de fantasia e realidade pertubadoras. Mas não demora, para que ambos se entrelacem e componham uma única trama, surpreendendo a todos com amores intensos, desesperados, mortes e personagens fortes. Nessa busca, Daniel Sempere nos apresenta uma galeria de personagens que vão ajudá-lo a resolver o mistério de Julian Carax: Dom Gustavo Barcelo, conhecido livreiro bracelonês; sua sobrinha cega, Clara Barcelo, primeiro amor de Daniel e quem revela para ele os primeiros elementos dos mistérios que envolvem Julian Carax; Firmim Romero Torres, mendigo de passado glorioso, envolvimento político e de aguçado senso de humor, que se tornará aliado de Daniel na busca da verdade; seu pai (sem nome) seu verdadeiro anjo de guarda silencioso e respeitoso na sua relação omnisciente e onipresente; Núria Monfort, mulher triste, que guarda um grande e doloroso segredo; Bea Aguilar e Thomaz Aguilar que também fazem parte do seu caminho e das suas buscas; Javier Fumero, o cruel policial que dedica sua vida a perseguir o fantasma de Julian Carax.

Paixão, foi o sentimento que despertou em mim essa obra, a qual eu recomendo com louvor a todos que queiram embarcar nesse universo de fantasia e ludicidade, de dor e realidade, de busca, encontros e reencontros.

“A essa altura, eu já estava reduzido a um bobo completo, à mercê daquela criatura cujas palavras e encantos não tinha jeito, nem vontade de resistir. Desejei que ela não parasse de falar, que a sua voz me envolvesse para sempre e que seu tio não voltasse nunca mais para quebrar aquele instante que pertencia apenas a mim”
“…Bea diz que a arte de ler está morrendo muito aos poucos, que é um ritual íntimo, que um livro é um espelho e só podemos encontrar nele o que carregamos dentro de nós, que colocamos nossa mente e alma na leitura, e que esses bens estâo cada dia mais escassos….”

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Trem Noturno para Lisboa

de Pascal Mercier

Por Claudine Duarte 
“ É um erro, um ato insano de violência, concentrarmo-nos aqui e agora na convicção de estarmos captando aquilo que é essencial. O que interessa seria conseguirmos nos mover, seguros, tranquilos, com humor adequado e a melancolia adequada, na ampla paisagem interior estendida no tempo e no espaço que somos nós.
Por que temos pena de pessoas que não podem viajar? Porque elas, como não podem se expandir exteriormente, também não conseguem se ampliar interiormente, não podem se multiplicar e, assim, não têm a possibilidade de empreender amplas excursões para dentro de si mesmas e descobrir quem ou o que de outro poderiam ter sido.”
                                                                                                                                      Página 253, do livro do Prado em Trem Noturno para Lisboa

       A vida pede `temas´. Todos os (sobre)viventes necessitam e cultivam temas que garantem cadência, ritmo, conforto e lastro às suas vidas.
       Alguns mudam de temas, de casas, de cidades, de companheiros, de amigos, de livros, de praças, de restaurantes... Outros precisam de rostos e lugares conhecidos para, como num num espelho, se reconhecerem e se acalmarem, num sofá ou debaixo de uma marquise amiga enquanto uma chuva passa. Enquanto uns dias passam.
       Às vezes, se muda de ares e lugares, apenas em busca de si mesmo. Outros fazem reformas em suas casas, trocam as cortinas, pintam de outras cores as paredes e até mesmo trocam as poltronas de norte para sul. O tapete virado para Meca não faz mais sentido e talvez fique melhor com umas malas em cima dele lembrando que é preciso viajar...
      E assim, o livro Trem Noturno para Lisboa constrói uma busca para o Professor Raimundus Gregorius.
         Aqui uma pausa para o significado dos nomes escolhidos por Pascal Mercier para o personagem principal de seu livro:

Raimundo é um prenome derivado do germânico Raginmund e latinizado Ragimundus e Raimundus composto de ragin- (“conselho”) e –mund (“proteção”). Ou seja, protetor ou sábio protetor, aquele que dará conselho em prol da segurança dos demais.

Gregório significa cuidadoso, vigilante e indica uma pessoa prudente, que evita ao máximo os conflitos e não emite uma opinião sem antes refletir sobre o assunto. Graças a essa atitude cautelosa, conquista o respeito de todos.
        
        Assim, compreendemos a busca cuidadosa e prudente que Gregorius escolheu. Primeiro, quase um latim moderno, escuta uma língua que o atrai, depois de sabiamente, salvar a moça que - em português - queria dar fim à própria vida. Como cenário, uma ponte. Metáfora para uma transformação, uma passagem. Em segundo lugar, um escritor português e seu livro - também em português. Está colocado um "tema" para se distrair do tédio de seus dias quase sempre iguais: "às quinze para as oito atravessa a (...)".
        E aí, "toma o trem noturno para Lisboa"... para conhecer como viveu e morreu o autor do livro, Prado. Encontra pessoas, visita lugares, conhece fatos e a própria história de Portugal, sem esquecer de sua Suiça natal, de seus alunos e de sua cadeira de Línguas Clássicas na escola de Berna. Partir sem partir.
        Mercier, na verdade o suíço Peter Bieri, ensina filosofia na Suiça e talvez Mundus Gregorius seja um alter ego. Ele constrói o livro em 4 partes. Na primeira parte, com o episódio da ponte como ponto de ruptura ou de ligação com Portugal, trata a partida do professor: trem para Lisboa
        Na segunda parte, Gregorius descobre a vida e a morte de Amadeu Prado e na terceira e maior parte do livro, tenta compreender as razões, atitudes e até as emoções do médico e escritor. Na última, breve e resumida parte, a comprovação de que não deixou Berna: para ela retorna e conclui sua transformação interior depois desta volta pelo tema composto por Prado, Portugal e o Português.

Poderia ser uma Odisséia, mas Mundus não é o herói.

“(...) E mais louco. Quando o tempo de uma vida se torna raro, as regras passam a não valer mais. Então parece que você perdeu o rumo e está maduro para o manicômio. Mas no fundo é precisamente o contrário: para o manicômio deveriam ir aquelas pessoas que não querem se dar conta de que o tempo ficou  raro. Aqueles que continuam como se nada tivesse acontecido. O senhor entende?”
                                                                          Página 292, Gregorius ao Filipe, motorista, no Liceu em Trem Noturno para Lisboa
       A leitura, às vezes, nos leva gentilmente a caminhar por Lisboa nos dias de hoje e pelos relatos dos amigos de Prado, revistamos a Lisboa de Salazar com os conflitos humanos que brotam no correr da vida e das relações.  Amadeu Prado ganha o desprezo de seus pacientes  por ter salvado a vida de um oficial da polícia salazarista e, na tentativa de se redimir, torna-se um membro importante da resistência.
       Vale destacar a profusão dos textos escritos por Prado – que tornam a leitura morosa e cansativa – recheados de questões filosóficas pontuando seu ateísmo e as eternas perguntas em que os seres humanos debatem fé versus razão.
      Raimundus Gregorius dedica a estes textos, o tempo de sua viagem de descoberta rumo a si mesmo. Como se cada linha tivesse sido escrita pelo seu eu desconhecido e que se apresenta a ele até mesmo com cartas trocadas (mas jamais entregues?!) entre Amadeu e seus pais.
      Em resumo, Trem Noturno para Lisboa é um livro sobre um tema para salvar Raimundus Gregorius, que por sua vez descobriu o tema que salvou Amadeu Prado, que talvez tenha salvado Pascal Mercier que por sua vez, e agora com certeza, salvou Peter Bieri.
E aqui estamos nós, salvando a nós mesmos, com livros, resenhas e encontros. Salve 2013!