Italo Calvino nasceu a 15 de
outubro de 1923, em Santiago de las Vegas no subúrbio de Havana, Cuba. Seu pai
era um cientista especializado em agronomia e botânica e trabalhou para o
governo mexicano e cubano. A mãe era também botânica e professora universitária.
O ambiente estimulante de pais professores e cientistas foi fundamental na sua
formação intelectual. De volta à Itália com apenas dois anos, foi criado na
propriedade da família, perto de San Remo, onde o pai fazia experiências
botânicas e cultivava frutas. Essa vivência entre flores e árvores frutíferas
foi aproveitada por Calvino para escrever O
barão nas árvores. Seus pais lhe proporcionaram uma formação intelectual
primorosa e se recusaram a dar orientação religiosa para os filhos.
Com o advento do fascismo a
família Calvino se posicionou veementemente contra. Quando foi convocado pelo
governo, Ítalo se recusou a lutar ao lado dos fascistas e, com o incentivo da
mãe, entra para a Resistência Italiana. Depois da guerra se filia ao Partido
Comunista Italiano, abandona o curso de agronomia e entra no curso de Artes.
Depois defende sua tese de Mestrado sobre Joseph Conrad.
Começa a publicar contos e trabalha como jornalista.
Em 1952 inicia a publicação da
trilogia dos antepassados com O visconde partido ao meio, 1957 vem O barão nas árvores e, em 1959, O cavaleiro inexistente.
Em 1956, depois da
invasão da Hungria pelos soviéticos e pouco antes de publicar O barão nas árvores, Calvino se desliga
do Partido Comunista publicando uma carta no jornal L’Unitá se justificando e
que ficaria famosa como um libelo à liberdade de expressão e de criação. No ano
de 1972 publica As cidades invisíveis,
um de seus mais belos romances, ambientado em parte do século XIII, onde recria
diálogos entre o viajante veneziano Marco Polo e o imperador dos tártaros Kublai
Khan, em Cambaluc, atual Pequim. Sobre
esse livro um crítico escreveu que: “Em nenhuma outra obra Ítalo Calvino levou
tão longe os valores que considerava fundamentais à sobrevivência da ‘espécie
literária’: leveza, rapidez exatidão, visibilidade, multiplicidade e
consistência. O leitor verá que é impossível não se perder nessas cidades, como
é impossível não se enredar nessas teias de palavras”.
Alguns livros publicados:
O castelo dos destinos cruzados, Amores
difíceis, Se um viajante numa noite de inverno e seu último trabalho Seis propostas para o próximo milênio, de
1985, uma série de conferências que
faria para a Universidade de Harvard e que não pode finalizar porque um derrame
o pegou antes, vindo a falecer no dia 19 de setembro de 1985.
O barão nas árvores
Começo pela tradução que, a meu
ver, deixa a desejar incluindo expressões que não combinam com a narrativa,
como “saco cheio, estou me lixando” e outras mais. A tradução dos nomes
próprios também não é adequada – aliás, sou da opinião que não se deve traduzir
nomes dos personagens -, porque Cosimo de Rondeau soa muito melhor que Cosme de
Rondó. Ombreuse não é muito mais bonito que Penúmbria? O tradutor nos tira a
possibilidade de conhecer os personagens pelo seu nome original, pela sua
sonoridade nativa, privando ao leitor de usufruir de um nome com um significado
próprio da língua de origem, ou mesmo uma associação com algo que seja familiar
a cada leitor. Por que não traduziu então o nome do abade Fauchelafleur (algo
como decepa flores)? Ou conde d’Estomac por conde Estômago?
Calvino constrói com muita
habilidade e originalidade seus personagens, lançando mão do humor como recurso
para emoldurá-los, basta notar a irmã Batista e suas inventividades
gastronômicas, a mãe com sua dilatada veia militarista, o pai, o senhor Barão, o
abade Fauchelafleur, Viola e o próprio Cosme, com suas muitas facetas e
criatividade demonstradas durante sua vida nas árvores. Todos os artifícios
usados para Cosme se adequar a uma vida nas árvores são tão bem elaborados e
ficam tão verossímeis, que o leitor acaba por crer que seria mesmo possível
alguém passar a vida pulando de galho em galho sem jamais tocar os pés no chão.
Até o cão de Cosme tem uma personalidade peculiar e bem elaborada pelo autor.
Calvino também desconstrói a
imagem dos religiosos eruditos, invertendo os papéis tradicionais, colocando
Cosme como mestre do abade Fauchelafleur lhe ministrando lições de obras
condenadas pela Igreja como a Enciclopédia de Diderot e D’Alembert. Fato que
acaba por colocar o religioso em desgraça junto ao Tribunal da Inquisição.
Preso e isolado, morre em meio a dúvidas existenciais suscitadas após as
leituras e os debates com Cosme.
Interessante também é a
tentativa de Cosme criar um Estado Arbóreo chegando a escrever um projeto –
Projeto de constituição de um Estado ideal fundado em cima das árvores – que enviou a Diderot, que o respondeu com um
bilhete (adorei essa ironia da resposta por um bilhete, ou seja, Diderot não
estava nem aí para os arroubos constitucionais de um nefelibata que morava nas
árvores).
O narrador, Biágio, tem aquela
natureza mais contemplativa, menos impulsiva e um tanto crítica, levando a crer
que, talvez, fosse a voz (e a consciência do próprio Calvino), um autor, logo
se vê, preocupado com o hábito de ler, fazendo muitas vezes Cosme de seu
paladino em prol da disseminação da rotina da leitura. E para esse objetivo usa
do personagem de João do Mato, que larga a vida de rapinagem pelo prazer
obsessivo da leitura, chegando ao ponto de, literalmente, com a corda no
pescoço, pedir a Cosme para saber como termina um romance que estava lendo por
ocasião de seu enforcamento.
As inserções de personagens históricos
como Voltaire: “era somente a Natureza que criava fenômenos vivos, agora é a
Razão”, Diderot, Rousseau (que não respondeu o livro que Cosme o enviou) e
Napoleão Este dando mostras de sua megalomania confunde um capítulo que Alexandre
da Macedônia encontra o sábio Diógenes que o pede para se afastar porque sua
sombra lhe tapa o sol (Senhor, apenas não tire de mim aquilo que não podes me
dar), como se tivesse acontecido com ele próprio.
O texto traz ainda passagens de
grande lirismo como o momento da morte da generala com as bolhas de sabão assopradas
por Cosme para lhe alegrar os últimos momentos de sua vida. E a morte do
próprio Cosme, levado por um balão até o mar que poderia ser interpretada como uma alegoria celestial indicando sua subida ao
céu por uma vida tão pura e inocente.
É bom destacar a preocupação
ecológica de Calvino que perpassa o romance, escrito numa época em que não era
comum discutir questões ambientais. Preocupação esta explicável pela influência
familiar e sua estreita convivência com as plantas desde a mais tenra idade.
Como disse o autor da resenha enviada por
Claudine, a estratégia ou o recurso literário de pensar um personagem que vive
nas árvores proporciona ao autor maiores alternativas na narrativa: uma no chão
e outra em cima das árvores, possibilitando uma série de soluções literárias (e
poéticas também) que só enriquecem o romance, além da contextualização
histórica abordando uma época de grandes transformações culturais e políticas.
Iluminismo, Revolução Francesa, o racionalismo científico, enfim aquele
fervilhar de ideias que caracterizou os séculos XVIII e XIX. E isto Calvino
soube aproveitar muito bem como moldura para seu romance de fortes pinceladas
de realismo fantástico. Recomendo entusiasticamente.
***
Talvez influenciada por outro livro de Italo Calvino, "O Visconde Partido ao Meio", iniciei a leitura de "O Barão nas Árvores" com algum desânimo. O desânimo aumentou. Ambos lembram fábulas e apresentam uma "moral da história", mas embora fiquem claras nos dois livros as mensagens que o autor quer colocar, ele as desenvolve de forma maçante. A leitura dá sono. É inegável que o autor é criativo, mas não me agrada a forma como conduz as tramas. Seu humor beira a ironia/sarcasmo, e não me fez rir. Dizem que seu melhor livro é " As Cidades Invisíveis". Talvez o leia, e então possa descobrir a razão porque esse autor italiano é tão festejado.
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