quinta-feira, 14 de novembro de 2013

IL BARONE RAMPANTE (O Barão nas Árvores).

de Italo Calvino


por Irene Nogueira de Rezende

Italo Calvino nasceu a 15 de outubro de 1923, em Santiago de las Vegas no subúrbio de Havana, Cuba. Seu pai era um cientista especializado em agronomia e botânica e trabalhou para o governo mexicano e cubano. A mãe era também botânica e professora universitária. O ambiente estimulante de pais professores e cientistas foi fundamental na sua formação intelectual. De volta à Itália com apenas dois anos, foi criado na propriedade da família, perto de San Remo, onde o pai fazia experiências botânicas e cultivava frutas. Essa vivência entre flores e árvores frutíferas foi aproveitada por Calvino para escrever O barão nas árvores. Seus pais lhe proporcionaram uma formação intelectual primorosa e se recusaram a dar orientação religiosa para os filhos.

Com o advento do fascismo a família Calvino se posicionou veementemente contra. Quando foi convocado pelo governo, Ítalo se recusou a lutar ao lado dos fascistas e, com o incentivo da mãe, entra para a Resistência Italiana. Depois da guerra se filia ao Partido Comunista Italiano, abandona o curso de agronomia e entra no curso de Artes. Depois defende sua tese de Mestrado sobre Joseph Conrad. Começa a publicar contos e trabalha como jornalista.

Em 1952 inicia a publicação da trilogia dos antepassados com  O visconde partido ao meio, 1957 vem O barão nas árvores e, em 1959, O cavaleiro inexistente.

Em 1956, depois da invasão da Hungria pelos soviéticos e pouco antes de publicar O barão nas árvores, Calvino se desliga do Partido Comunista publicando uma carta no jornal L’Unitá se justificando e que ficaria famosa como um libelo à liberdade de expressão e de criação. No ano de 1972 publica As cidades invisíveis, um de seus mais belos romances, ambientado em parte do século XIII, onde recria diálogos entre o viajante veneziano Marco Polo e o imperador dos tártaros Kublai Khan, em Cambaluc, atual Pequim.  Sobre esse livro um crítico escreveu que: “Em nenhuma outra obra Ítalo Calvino levou tão longe os valores que considerava fundamentais à sobrevivência da ‘espécie literária’: leveza, rapidez exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência. O leitor verá que é impossível não se perder nessas cidades, como é impossível não se enredar nessas teias de palavras”.

Alguns livros publicados: O castelo dos destinos cruzados, Amores difíceis, Se um viajante numa noite de inverno e seu último trabalho Seis propostas para o próximo milênio, de 1985, uma série de conferências que faria para a Universidade de Harvard e que não pode finalizar porque um derrame o pegou antes, vindo a falecer no dia 19 de setembro de 1985.

O barão nas árvores

Começo pela tradução que, a meu ver, deixa a desejar incluindo expressões que não combinam com a narrativa, como “saco cheio, estou me lixando” e outras mais. A tradução dos nomes próprios também não é adequada – aliás, sou da opinião que não se deve traduzir nomes dos personagens -, porque Cosimo de Rondeau soa muito melhor que Cosme de Rondó. Ombreuse não é muito mais bonito que Penúmbria? O tradutor nos tira a possibilidade de conhecer os personagens pelo seu nome original, pela sua sonoridade nativa, privando ao leitor de usufruir de um nome com um significado próprio da língua de origem, ou mesmo uma associação com algo que seja familiar a cada leitor. Por que não traduziu então o nome do abade Fauchelafleur (algo como decepa flores)? Ou conde d’Estomac por conde Estômago?

Calvino constrói com muita habilidade e originalidade seus personagens, lançando mão do humor como recurso para emoldurá-los, basta notar a irmã Batista e suas inventividades gastronômicas, a mãe com sua dilatada veia militarista, o pai, o senhor Barão, o abade Fauchelafleur, Viola e o próprio Cosme, com suas muitas facetas e criatividade demonstradas durante sua vida nas árvores. Todos os artifícios usados para Cosme se adequar a uma vida nas árvores são tão bem elaborados e ficam tão verossímeis, que o leitor acaba por crer que seria mesmo possível alguém passar a vida pulando de galho em galho sem jamais tocar os pés no chão. Até o cão de Cosme tem uma personalidade peculiar e bem elaborada pelo autor.

Calvino também desconstrói a imagem dos religiosos eruditos, invertendo os papéis tradicionais, colocando Cosme como mestre do abade Fauchelafleur lhe ministrando lições de obras condenadas pela Igreja como a Enciclopédia de Diderot e D’Alembert. Fato que acaba por colocar o religioso em desgraça junto ao Tribunal da Inquisição. Preso e isolado, morre em meio a dúvidas existenciais suscitadas após as leituras e os debates com Cosme.

Interessante também é a tentativa de Cosme criar um Estado Arbóreo chegando a escrever um projeto – Projeto de constituição de um Estado ideal fundado em cima das árvores –  que enviou a Diderot, que o respondeu com um bilhete (adorei essa ironia da resposta por um bilhete, ou seja, Diderot não estava nem aí para os arroubos constitucionais de um nefelibata que morava nas árvores).

O narrador, Biágio, tem aquela natureza mais contemplativa, menos impulsiva e um tanto crítica, levando a crer que, talvez, fosse a voz (e a consciência do próprio Calvino), um autor, logo se vê, preocupado com o hábito de ler, fazendo muitas vezes Cosme de seu paladino em prol da disseminação da rotina da leitura. E para esse objetivo usa do personagem de João do Mato, que larga a vida de rapinagem pelo prazer obsessivo da leitura, chegando ao ponto de, literalmente, com a corda no pescoço, pedir a Cosme para saber como termina um romance que estava lendo por ocasião de seu enforcamento.

As inserções de personagens históricos como Voltaire: “era somente a Natureza que criava fenômenos vivos, agora é a Razão”, Diderot, Rousseau (que não respondeu o livro que Cosme o enviou) e Napoleão Este dando mostras de sua megalomania confunde um capítulo que Alexandre da Macedônia encontra o sábio Diógenes que o pede para se afastar porque sua sombra lhe tapa o sol (Senhor, apenas não tire de mim aquilo que não podes me dar), como se tivesse acontecido com ele próprio.

O texto traz ainda passagens de grande lirismo como o momento da morte da generala com as bolhas de sabão assopradas por Cosme para lhe alegrar os últimos momentos de sua vida. E a morte do próprio Cosme, levado por um balão até o mar que poderia ser interpretada como  uma alegoria celestial indicando sua subida ao céu por uma vida tão pura e inocente.

É bom destacar a preocupação ecológica de Calvino que perpassa o romance, escrito numa época em que não era comum discutir questões ambientais. Preocupação esta explicável pela influência familiar e sua estreita convivência com as plantas desde a mais tenra idade.

Como disse o autor da resenha enviada por Claudine, a estratégia ou o recurso literário de pensar um personagem que vive nas árvores proporciona ao autor maiores alternativas na narrativa: uma no chão e outra em cima das árvores, possibilitando uma série de soluções literárias (e poéticas também) que só enriquecem o romance, além da contextualização histórica abordando uma época de grandes transformações culturais e políticas. Iluminismo, Revolução Francesa, o racionalismo científico, enfim aquele fervilhar de ideias que caracterizou os séculos XVIII e XIX. E isto Calvino soube aproveitar muito bem como moldura para seu romance de fortes pinceladas de realismo fantástico. Recomendo entusiasticamente.

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Um comentário:

  1. Talvez influenciada por outro livro de Italo Calvino, "O Visconde Partido ao Meio", iniciei a leitura de "O Barão nas Árvores" com algum desânimo. O desânimo aumentou. Ambos lembram fábulas e apresentam uma "moral da história", mas embora fiquem claras nos dois livros as mensagens que o autor quer colocar, ele as desenvolve de forma maçante. A leitura dá sono. É inegável que o autor é criativo, mas não me agrada a forma como conduz as tramas. Seu humor beira a ironia/sarcasmo, e não me fez rir. Dizem que seu melhor livro é " As Cidades Invisíveis". Talvez o leia, e então possa descobrir a razão porque esse autor italiano é tão festejado.

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