sexta-feira, 19 de julho de 2013

Rio das Flores


Miguel Sousa Tavares
Companhia das Letras, 2011

Comentários por Ma. Virginia de Vasconcellos
Brasília,  Julho de 2013

Como perceber as imbricações entre nossas vidas e o momento histórico?
Como identificar os reflexos de questões da sociedade sobre as perturbações na vida individual e nas características mais íntimas do ser humano?

Evocando o sociólogo Wright Mills[1], concordamos que “os homens raramente têm consciência da complexa ligação entre suas vidas e o curso da história mundial. O bem-estar que desfrutam, não o atribuem habitualmente aos grandes altos e baixos das sociedades em que vivem”. Os homens não conseguem nem compreender, nem sentir o jogo que se processa entre a história e a sua biografia e as relações entre ambas, dentro da sociedade.
Pois, nesta saga familiar que transcorre entre 1915 e 1945, esta ligação entre o “eu e o mundo”, entre o indivíduo e suas circunstâncias,  é soberbamente exposta pelo autor, Miguel Sousa Tavares. 
Com um estilo lento, embora denso, ele acentua, a cada momento, o impacto daquela Europa varrida pelas ditaduras e por profundas mudanças sociopolíticas, e a influência dessa situação na vida dos personagens. Especialmente no destino e no caráter dos irmãos Diogo e Pedro.
Valendo-se de uma pesquisa histórica rigorosa, que abarca Portugal de Salazar, a Espanha de Franco e o Brasil de Getúlio, o autor constrói o que ele mesmo classificou de Romance Histórico, misturando o fato real com o mundo imaginário, sem perder de vista a realidade que  encurrala, leva ao desespero e limita o livre-arbítrio dos indivíduos.
Como Wright Mills, ele parece concordar que a informação e o discernimento não são o suficiente para preparar os homens para lidar com o sentimento de inadequação decorrente das transformações.
Sentindo seus valores ameaçados em Portugal, o Diogo se afasta da família e vai para o Brasil. Para ele, já não bastavam as terras do Alentejo, as caçadas, o campo, o desfrute da lareira e da boa mesa proporcionada pela mãe Maria da Glória.  Já não bastava a bela esposa. Precisou de novos ares para respirar a liberdade. Novamente o destino lhe bate à porta e o circunda com a ditadura do Estado Novo no Brasil. Com a diferença que, aqui, ele tem a condição de estrangeiro e se sente livre para refazer totalmente a sua vida tanto financeira como afetiva. E enterra o sentimento de inadequação.
Assim também, levado pela condição do momento, ameaçado pela mudança política, o Pedro vai lutar na guerra civil espanhola.
Mesmo com ideologias e visões de mundo distintas, havia em ambos este sentimento de inadequação decorrente das transformações, seja defendendo-se/libertando-se no Brasil, caso do Diogo, ou defendendo-se/lutando na Espanha, caso do Pedro.
É interessante notar a capacidade do autor para retratar a alma humana, tocando fundo no leitor ao descrever as relações familiares.
Também importante comentar sobre momentos brilhantes de humor ora sutil, ora deslavado e revelado.
A belíssima história dos Ribera Flores além de mostrar, com sensibilidade e delicadeza, suas paixões e amores, também apresenta os costumes,  crenças e valores de sua classe social.  
Ao final do livro, em que pesem as perdas, guerras, desencontros e separações ocorridas, o autor consegue produzir um happy end para seus personagens, e com isso, retira a amargura e acalenta nossos corações. Encontra-se o rio das Flores.
Poderíamos ainda escrever muitas e muitas linhas a comentar, por exemplo, a figura da mulher no início do século XX, sua apatia e indiferença pelo mundo, e comparar com as Amparos, Angelinas e Marias da Glória. Convido vocês a fazerem isso.
Aqui concluímos, afirmando que consideramos este Rio das Flores um dos melhores livros selecionados desde a formação deste grupo e, sem dúvida, recomendamos sua leitura inteiramente sem restrições.

Em tempo:
Vale mencionar que os resumos deste livro que aparecem na capa e contra-capa desta 1ª. edição de 2008 estão muito bem escritos.



[1] MILLS, C. Wright. A Imaginação Sociológica, Rio de Janeiro, Zahar, 1982 (1959) 

Um comentário:

  1. Resenha muito bem elaborada por Maria Virgínia de Vasconcelos, síntese de Rio das Flores que endosso com prazer.

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