de Isaias Pessotti, 1993
Na Milão do final de década de 60, um grupo de pesquisadores do Instituto Galilei explora os vilarejos da região em busca de textos antigos, movidos por doença comum, uma bibliomania crônica, e também por prazeres bem cultivados na Itália, boa comida e boa bebida. Em uma destas viagens de final de semana, descobrem, em uma villa histórica no Piemonte, tesouros literários e uma história dos ‘quattrocento’ a ser esclarecida. Quem era o bispo vermelho, personagem ainda cultuado na região e o que se passou ali naquela villa? Só o método científico não daria conta de chegar às respostas do mistério, assim os eruditos apaixonados tem que usar suas habilidades e paixões individuais, a capacidade de observação, a intuição, a obstinação e é claro, a sorte, para montar o quebra-cabeça.
Como o Renato Janine
Ribeiro coloca bem no texto da orelha do livro (4ª edição, Editora 34), o
romance de estréia de Isaias Pessotti, duplamente premiado com o Jabuti em
1994, trata da paixão e o conhecimento, da paixão do conhecimento, do
conhecimento da paixão. É bem evidente que o livro contem elementos
autobiográficos, revelando as paixões do próprio autor. O prof. Pessotti,
filósofo-psicólogo, viveu e lecionou em Milão na década de 60, e embutiu nos
diversos personagens do enredo o seu próprio perfil e interesses acadêmicos
(epistemologia; evolução histórica de conceitos da Psicologia; a trajetória do
conceito da loucura); provavelmente se deleitou com os mesmos vinhos e pratos
mencionados na história, e perambulou pelas mesmas paragens do Piemonte.
A voz do autor não está
só no narrador, o latinista Emilio Donatelli, que pesquisa a rota da ideia da
loucura. O autor se multiplica nos seus personagens: Anna estuda a história do
teatro dramático; Lorenzo Ducci é interessado na história da medicina
Greco-romana; Bruno Salvadori pesquisa a história da alquimia; Isabella Pierini,a
história do canto gregoriano; Beatrice Bonomi, a história do movimento
muscular; Tulio é o neuropsiquiatra que estuda o conceito histórica da
deficiência mental; Abelardo Pasquali pesquisa direito antigo; Mauro Adami, a
psiquiatria do settecento. Todos estes personagens poderiam ser um só, já que
não têm vozes narrativas individuais.
O livro dentro do livro
parece estar virando um padrão dentro deste grupo de leitura: novamente temos
um livro, o Commentarium, de autoria do bispo vermelho, vai revelando a paixão
deste cardeal, ex-inquisidor arrependido, pelo poeta Eurípedes e suas
tragédias. Os paralelos entre a vida do cardeal e do pensador grego deslocado
do seu tempo desembocam na trágica coincidência na morte de ambos. Quem viu o
último Tarantino, Django Livre, teve uma amostra gráfica deste horror, de
causar pesadelos noturnos. Malditos Cães...
O desenrolar da história
é lento, recheado de discussões histórico-filosóficas, e entremeado de cenas
elegantemente descritivas (ainda que muitas vezes exaustivas). O estilo
ensaístico e erudito do autor é por vezes cansativo, pois parece evidente que
os diálogos e relações entre os personagens são somente um pretexto para o
acadêmico desenvolver alguns temas de seu interesse e desfiar referências, de
forma mais livre do que teria que fazer se fosse publicar um livro acadêmico ou
artigo em periódico. Mesmo a paixão contida do tímido Emílio por Anna tem costura
fraca com o enredo.
Gostei do romance, mas
não é um livro que dá para recomendar livremente, é preciso conhecer bem seu
interlocutor para avaliar se ele não vai se cansar pelo caminho. Não sei se
encararia outro romance do autor,mas ele atiçou em mim a curiosidade sobre as
tragédias de Eurípedes, ou seja, conseguiu transmitir sua paixão pelo
conhecimento da paixão para esta leitora.
NOTAS SOBRE O LIVRO
ResponderExcluirAQUELES CÃES MALDITOS DE ARQUELAU
Isaias Pessotti Editora 34, 1993
Por Maria Virginia de Vasconcellos em 13 de março de 2013
Antes que nada, vale a pena mencionar Cristopher Lehman–Haupt, nas palavras: “Há uma diferença enorme entre ser um crítico ou um resenhista. O resenhista reage à experiência do livro”.
Pois, aqui vamos comentar nossa reação diante deste livro, atuando muito mais como resenhista neste sentido de pulsão emocional.
A narrativa desenvolvida pelo Pessotti é permanentemente detalhada, mesmo diante das comidas servidas, em numerosas refeições. O texto utiliza diversos idiomas e até línguas denominadas mortas: grego, latim, português, italiano e expressões estrangeiras. Porém, não é uma trama cansativa.
Os personagens apresentam senso de humor, em especial, o Lorenzo, e a Beatrice demonstra mais frescor e espontaneidade. Embora todos permaneçam dentro do mesmo estilo geral do Pessotti.
Por outro lado, verdade é que não é aquele livro que nos agarra. Não.
É um livro para ser lido sem pressa. E mais: Não estaria no meu armário não fora o grupo de leitura. Porque? Achei, a princípio, demasiado erudito para ser entretenimento, e erudito numa área que não é a que percorro normalmente.
É uma temática erudita incomum, com muito de filosofia, psiquiatria, dramas, livros antigos, antifonários, textos inéditos, história Greco-romana, mitologia, enfim, intelectualidade “estranha” para usar um termo do próprio autor. Ou seja, não é uma história usual.
Se bem que tem uma similitude com os anteriores que temos lido:
Novamente cai em nossas mãos um livro de louvor à escrita, uma ode à literatura, que utiliza - não sei se uma técnica contemporânea - mas o mesmo subterfúgio de atrair buscando a origem de outro texto - ou vestígios sobre outro livro.
Novamente, outro livro dentro de um livro. Assim tivemos, o Trem Noturno para Lisboa de Pascal Mercier, A sombra do vento de Carlos Ruiz Zafón, e até mesmo em Serena o Mc Ewan desenvolveu vários contos dentro do livro, escritos do autor por quem Serena se apaixonou.
Vale a pena destacar, contudo, que neste livro há não dois, mas três planos na narrativa:
O mais próximo, que apresenta a turma de intelectuais pesquisadores do Instituto Galilei; um segundo, que está inserido no texto de Luterzio (Ludovico Tercio – o Cardeal); e, no âmago, nos mais profundo, a história de Eurípedes que acabou seus últimos dias exilado em Macedônia com o imperador Arquelau.
O genial é que Pessotti construiu os três planos penetrando profundamente nos movimentos de paixão, reforçando o império da irracionalidade no humano, e finalmente, igualando o destino e infortúnio dos personagens com os cães: Eurípedes e Luterzio morreram devorados pelos animais e até a Anna do Galilei tinha fobia a caninos. Afinal ele deu sentido ao título do livro.
Por último, resta comentar que faltou lógica, ou seja, não ficou claro a forma como o bilhete de Victoria para Luterzio – que explica o romance entre eles - foi parar na Tribuna, já que somente os dois conheciam o segredo da abertura e o esconderijo – e sabe-se que os dois foram devorados pelos cães. O marido da criada não sabia, pois teve que emparedar a Tribuna para esconder os livros... Enfim, diante deste enigma, que vocês poderão resolver por mim, eu comecei a ler o livro novamente para perceber mais detalhes.
A conclusão é que recomendo o livro com restrições. É bonito, mas custoso para ser apreciado.