de Primo Levi
por Luiz Dias Bahia
Trata-se de um livro em que o autor descreve os últimos momentos de confinamento em Auschwitz até a volta a sua cidade natal, Turim, e o encontro com familiares e a vida de antes da II Guerra Mundial. Duas revelações são importantes, inicialmente, para entender o livro: primeiro, o título “A Trégua” parece significar o espaço de tempo entre o fim da citada guerra e o início de outra (a Guerra Fria, como o autor mesmo escreve), que não demoraria muito a ocorrer, por seu relato; Primo é um judeu italiano, e bem no início do livro confessa orgulho pela capacidade de resistência do povo judeu às atrocidades e infâmias do anti-semitismo no II Guerra Mundial. Esses elementos, uma vez claros, explicam o fato de ele descrever a “odisséia” da volta a casa como algo sofrido, mas levemente cômico, quase circense, onde o comportamento dos companheiros é descrito sem niilismo, mas de uma maneira sutilmente bem-humorada e humana, com confessa complacência às características pessoais de cada um. Assim, várias cenas e situações nos fazem sorrir, dada a maneira cômica de sua descrição, apesar da penúria e improviso que encerram. Tudo isso faz com que a situação geral angustiante e adversa seja descrita elegantemente, com sutileza incomum, destilando quase uma filosofia suave dos comportamentos variados que aconteceram. Junto a tudo isso, perpassa o relato uma calma de desespero contido, única maneira, talvez, de percorrer tal “odisséia”.
O sentido nacionalista (italiano) que o autor dá a tudo é inegável. Tanto assim que os dois personagens mais importantes do livro (o autor é um espectador “onisciente”, revelando suas sensações apenas no final) são Leonardo e César. O primeiro, médico, extremamente persistente e imune às tarefas árduas por que passa, parece-nos encarnar Leonardo da Vinci. O segundo, impulsivo ao extremo, imbuído dos propósitos os mais inverossímeis e difíceis de realizar, disposto a assumir todos os riscos, mas ao mesmo tempo não delirante, ao contrário, extremamente pragmático (o que o faz dele um vencedor consumado aos olhos de todos), parece-nos encarnar Júlio César, antigo imperador romano.
Finalmente, no fechamento do livro o autor revela o caráter traumático e persistente em sua vida, mesmo depois de ter voltado para casa, que a experiência no campo de concentração deixou na sua psicologia, expressa (mas não apenas) nos pesadelos recorrentes.
É um livro marcante, não como denúncia, mas pela capacidade invejável do autor de superar a violência recente à qual foi submetido e, mesmo assim, construir um relato às vezes cômico (quase circense), às vezes quase desesperançado (dadas as dificuldades), mas sempre em alto tom de lucidez e humanidade. É um belo livro.
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A TREGUA – PRIMO LEVY
ResponderExcluirA Trégua fala da vitória da vida sobre a morte e o sofrimento, durante a viagem da Polônia para a Itália, passando por URSS, Romênia, Hungria, Áustria e Alemanha.
Observações:
- Primo Levi conseguiu encarar suas vicissitudes com certo humor, sarcasmo e ironia, e passou essa visão daqueles momentos para o livro, que, afinal, acaba não sendo pesado para ler como imaginado no início.
-Sobre empatia: não sei se me identifiquei com o personagem Levy, mas, certamente, me encantei com ele.
-Embora o assunto mostre uma triste degradação de seres humanos, acho que Primo Levy era uma pessoa otimista, sempre se resignando com os reveses da volta da Polônia para Turim, sua cidade querida, sempre acreditando que a jornada terá um final feliz.
-O livro mostra como a miséria humana provoca reações diversas nas pessoas. Os personagens mais marcantes do livro são extremamente interessantes na sua tentativa de sobrevivência, especialmente César , descrito como um homem indomável, autor de uma mirabolante venda do anel de lata como ouro e da compra de uma galinha por mímica.
-Interessante: jogo de bola de gude e o canto do Meu Chapéu tem Três Pontas são universais.
- A imbatível e confusa burocracia russa e a eficiência e organização alemã são características que permanecem nos dias de hoje.
-As descrições de ambientes são primorosas e nos permitem visualizar as cercanias, com economia de palavras e adjetivos. Exemplo: descrições das peças teatrais encenadas pelos retirantes e seus opressores. E o parágrafo primoroso de como era entregue a correspondência sem que o trem parasse (pg 183)
-Ao final, sem mágoas: “Quando a partida ficou acertada, percebemos, para nossa surpresa, que aquela terra, aqueles horizontes, aquela gente, pertenciam ao nosso coração, penetraram em nós, numa estação única em nossa existência.”pg 182
- Desfecho trágico da vida: Em abril de 1987, aos 68 anos, Primo Levi é encontrado morto no poço da escadaria do apartamento no qual vivera toda a vida. Na época, sua morte foi atribuída a suicídio. Mas, nos últimos anos, três importantes biografias (duas na Inglaterra e uma na França) colocam em dúvida esse suposto suicídio. Afirmam que, provavelmente, foi um acidente provocado pelos remédios que Primo Levi tomava na época.
Notas resumidas sobre o livro
ResponderExcluirA TRÉGUA de Primo Levi (1919-1987)
Por Virginia de Vasconcellos em 27 de agosto de 2013
Editora Companhia das Letras (Edição de Bolso)
• Relato do químico italiano Primo Levi sobre o período pós 2ª. guerra mundial.
• Após aderir à resistência ao fascismo do norte da Itália, Levi acabou sendo preso e levado ao campo de concentração de Auschwitz. A interpretação de sua morte é polêmica, alguns acreditando em suicídio, porque ele caiu (ou se lançou) na escadaria interna do seu edifício.
• O livro A Trégua trata da jornada de volta à casa feita pelos italianos sobreviventes, depois da vitória dos aliados em 8 de maio de 1945. O autor descreve minuciosamente a trajetória, mas fala poucas vezes de si.
• Quase 70 anos depois, este pequeno livro de muitos relatos duros e impressionantes sobre a força da sobrevivência, sobre a dor, a fome, o frio, a fraqueza e a fortaleza humana, não perde por nenhum momento a pegada cativante e a verve da narrativa, ainda que seja um DOCUMENTO de MEMÓRIAS E NÃO UM ROMANCE. Importante dizer que não é uma fala de vítima. É um testemunho lúcido.
• Particularmente emocionante a visão deste período pouco explorado por mim – já que não se trata de tempo de guerra e sim do pós guerra – porque minha mãe estava grávida de 9 meses: este fatos ocorreram justamente um mês antes de meu nascimento. Estas circunstâncias de então rodeavam o princípio da minha existência. Qual seria o olhar dos meus pais sobre este mundo? Fica a perplexidade.
• E por uma coincidência eu fui ter em terras italianas, justamente em Turim, a capital da região de Piemonte, neste mês de agosto-2013, onde o Primo Levi é venerado/reverenciado, juntamente com Cesare Pavese e Calvino, outros escritores da região, contemporâneos do Levi. (sem perder na lembrança que o livro que lemos a pouco, do Isaias Pessotti, seja, “Os cães malditos de Arquelau”, também vasculhava o mesmo território piemontês.)
• RECOMENDO este livro COM LOUVOR, a qualquer leitor, de qualquer idade ou sexo, sem restrição alguma.
• A meu ver, Primo Levi se apresenta como um escritor virtuoso, soberbo na descrição de cenários e personalidades e profundo na expressão dos sentimentos da “rabujenta natureza humana”. Capta muito bem os valores culturais de cada povo, o modus vivendi tanto do russo, como do americano, como do italiano desta época. Dos russos, ressalta o encanto pelo teatro e a leveza do espírito camponês.
• A apaixonante figura do protagonista César, o vendedor, se torna uma curiosidade para o leitor. O que o César vai aprontar agora? é a pergunta que permanece. Com um senso de humor tirado como “sangue de pedras secas”, extraído não sei como daquela vida dura, o capítulo chamado “Uma kuritzinha” é capaz de levar ao riso. Recomendável leitura dupla.
• Em conclusão, para mim, é simplesmente um livro inesquecível...
(outro livro do Primo Levi: de 1957: “Isto é ser um homem?”)