Editora Planeta
Resenha por Virginia de Vasconcellos em 11 de novembro de 2016
(1) A Autora
María Dueñas é
espanhola, nascida na cidade de Puertollano[1] em 1964; hoje
tem, portanto, 52 anos. É doutora em Filologia Inglesa e professora titular da
Universidade de Múrcia. Deu aulas em
universidades norte-americanas, é autora de trabalhos acadêmicos e participou
de diversos projetos educacionais, culturais e editoriais.
Em 2009 entra no mundo da literatura com O Tempo entre Costuras, seu primeiro romance, que se tornou best-seller na Espanha, foi adaptado para a televisão como série[2], foi traduzido para mais de vinte idiomas, vendeu mais de um milhão de cópias e ganhou alguns prêmios literários.[3]
Dueñas obteve grande sucesso novamente em 2012 quando publicou sua
segunda novela, Misión Olvido, que alcançou a 5ª. Edição em 2013, com
mais de meio milhão de cópias vendidas.[4]
Sua terceira novela, La Templanza, posicionada no século IX,
nas cidades de México, Havana e Jerez de la Frontera, foi publicada, na
Espanha,em março de 2015.
A autora esteve no Brasil em 2013, quando foi entrevistada no programa do Jô Soares. E também em setembro de 2015, quando participou de diversos eventos de divulgação de seus livros no Rio, em S.Paulo e Curitiba.[5]
| |
(2) A história e o estilo
O TEMPO ENTRE COSTURAS se desenvolve em torno da figura de Sira Quiroga, que é a cativante
costureira que protagoniza e narra a aventura.
Interessante
ressaltar que no Epílogo, parece ser a autora que fala pela voz da Sira para informar
o seguinte: “Afinal de contas, esse foi sempre o meu trabalho – casar partes e compor peças com harmonia”..[6]
Pois, foi precisamente assim que Dueñas trabalhou para construir esta novela: compondo peças e casando partes. Eis, portanto, uma boa descrição deste trabalho literário.: casar partes e compor peças com harmonia.
O livro é formado por Cinco partes harmônicas:
A primeira parte apresenta fatos desde o nascimento de Sira, em 1911, sua infância com a mãe, em Madri, passando pelo seu aprendizado de costura num atelier, até seu estabelecimento em Tetuán, capital do Protetorado Espanhol em Marrocos. Aí, após muitas movimentações, riscos e perdas, ela finalmente abre as portas do seu próprio atelier.
No
entremeio, Sira vai triturando sua inocência pelos caminhos da vida. Ela abandona um cenário corriqueiro, se
apaixona loucamente e parte de Madri para o romântico Marrocos, meses antes da
Guerra Civil Espanhola (1936-1939).[7]
Nesta
jornada, surgem vários companheiros: Ignácio, seu primeiro pretendente, seu
pai, Ramiro, Delegado Vasquez, Candelária - a
“Muambeira”, Jamila. Difícil deixar de gostar de algumas destas figuras
encantadoras...Com esse elenco imaginado, esta primeira parte já seria um romance completo.
Porém, com grande maestria, a autora começa a mesclar os personagens fantasiados com protagonistas reais da história da Espanha, tais como Coronel Beigbeder, Rosalinda Fox, o cunhado de Franco, Serrano, denominado “o Cunhadíssimo” e outras personalidades ilustres da época.
E na segunda parte, Sira se entremeia cada vez
mais com os protagonistas reais, por meio do fenomenal imaginário Marcus Logan.
Esta
habilidade de compor a novela imbricando personagens fictícios e reais é
gratificante, especialmente para o leitor que se interessa pela história da
Espanha e pelos acontecimentos europeus no século XX, que são percorridos com
cuidado e veracidade, levando em conta referências acadêmicas sólidas.[8]
Na terceira parte do livro, Sira se
transforma uma vez mais para mergulhar, durante a Segunda Guerra Mundial, em um
novo mundo, agora repleto de espiões, impostores e fugitivos. Ela se transfigura
em Arihs, volta a Madri, faz novas amizades (como a do vizinho Félix), e tem
vários re-encontros com seus fantasmas do passado, tomada por uma nova
personalidade.Mas, o turbilhão de ousadias não para por aí. Na Parte 4, novas aventuras a levam a Portugal onde corre riscos tenebrosos dos quais consegue se salvar graças a antigas amizades e miraculosos atrevimentos.
Finalmente,
no Epílogo, a autora conta o destino
dos protagonistas reais e propõe uma série de possibilidades de finalização das
vidas dos outros personagens inventados.
Esta
costura bem feita das cinco partes da novela facilita a construção de um
roteiro e todo seu conteúdo favorece a produção de um seriado. Não é de se
surpreender que a novela tenha sido adaptada para a televisão.
Além
disso, a estrutura linear da narrativa, o ritmo intenso, capaz de criar e
introduzir no texto situações de suspense fortes - utilizando poucos parágrafos - é mais uma
razão para que a novela tenha se tornado uma série televisiva. Mantém o leitor
colado numa linha reta do relato, sustentando a trama com precisão de repórter,
sem utilizar técnicas de flash back.
Vale
ainda observar que o estilo imaginativo de Dueñas algumas vezes coloca o leitor
sem fôlego diante da página – a ponto de ter que parar a leitura para respirar,
dar um tempo, até prosseguir. Embora seja um texto lógico, é difícil antecipar
acontecimentos, o que faz com que seja uma leitura extremamente atraente.
(3) Mensagens
Todas essas habilidades e qualidades da autora nos traz uma narrativa densa, longa e prazerosa. E nos leva, finalmente, à pergunta – qual a moral da história? – ou com outras palavras – o que Dueñas quer nos dizer com este relato?
O
objetivo não parece ser transmissão de mensagens políticas, menos ainda
partidárias, ou mesmo ideias a favor ou contra a espionagem, a resistência, o
nazismo.
Tampouco
é uma história sem sentido. Uma mera peça de suspense.
A
autora destaca a devastação e o desolamento das guerras muito além dos campos
de batalha e das lutas políticas nos gabinetes. O ponto forte parece ser,
portanto, a revelação do pano de fundo do conflito e seus efeitos na vida do
cidadão comum.
O
foco da mensagem está na perda da NORMALIDADE
da vida em tempos de guerra, tão bem descrita na parte 4, que merece ser aqui
transcrita:[9]
“Abandonar
tudo e voltar à normalidade: sim, sem dúvida, era a melhor opção. O problema é
que eu já não sabia onde encontrá-la. ............... Onde estava, quando a
perdi, que foi feito dela? Procurei-a por todos os lados: nos bolsos, nos
armários e nas gavetas; entre as pregas e as costuras. Naquela noite, dormi sem
encontrar a normalidade.
No dia seguinte, .......
percebi-a: próxima, comigo, colada à pele. ..... Buscá-la em outro lugar ou
querer recuperá-la do ontem não tinha o menor sentido”
Ainda que, neste ponto, se
possa evocar novamente os versos do Cartola:
“Preste atenção, o mundo é
um moinho, vai triturar teus sonhos, tão mesquinhos, vai reduzir as ilusões a
pó”, a autora não deixa o leitor devastado por este pessimismo.
Ela oferece, ao final,
possibilidades otimistas e até múltiplos happy
ends para os personagens fictícios. Dessa
forma, torna possível dar o salto para o
outro lado do Abismo que a guerra cava aos nosso pés.
Obs.: Recomento
a leitura com entusiasmo
[7]
Tudo tem a ver com a música inesquecível do Cartola: o Mundo é um Moinho – cujos versos transcrevo a seguir:
“Ainda é cedo, amor - Mal
começaste a conhecer a vida - Já
anuncias a hora de partida - Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Preste atenção, querida - Embora eu saiba que estás
resolvida - Em cada esquina cai um pouco a tua vida - Em pouco tempo não serás
mais o que és
Ouça-me
bem, amor - Preste atenção, o mundo é um moinho - Vai triturar teus sonhos, tão
mesquinhos Vai reduzir as ilusões a pó
Preste
atenção, querida - De cada amor tu
herdarás só o cinismo - Quando notares estás à beira do abismo- Abismo que cavaste com os teus pés”
Em tempo:
Erros de tradução/revisão foram notados nas seguintes páginas desta edição:1. Pag. 249 – “aquilo que sua causa queriam contar”
2. Pag. 276 – parágrafo 5 – “estão arregimentado”
3. Pag. 299
4. Pag. 341
5. Pag. 400 – “Está muito calor aqui” – O correto seria: Está muito quente aqui.
5. Pag. 441
6. Pag. 461 – “nunca ninguém” – não é português castiço.
Nenhum comentário:
Postar um comentário