domingo, 13 de novembro de 2016

O Tempo Entre Costuras

Autora: Maria Dueñas
Editora Planeta

Resenha por Virginia de Vasconcellos em 11 de novembro de 2016
 
(1) A  Autora


María Dueñas é espanhola, nascida na cidade de Puertollano[1] em 1964; hoje tem, portanto, 52 anos. É doutora em Filologia Inglesa e professora titular da Universidade de Múrcia. Deu aulas em universidades norte-americanas, é autora de trabalhos acadêmicos e participou de diversos projetos educacionais, culturais e editoriais.

Em 2009 entra no mundo da literatura com O Tempo entre Costuras, seu primeiro romance,  que se tornou best-seller na Espanha, foi adaptado para a televisão como série[2], foi traduzido para mais de vinte idiomas, vendeu mais de um milhão de cópias e ganhou alguns prêmios literários.[3]


Dueñas obteve grande sucesso novamente em 2012 quando publicou sua segunda novela, Misión Olvido, que alcançou a 5ª. Edição em 2013, com mais de meio milhão de cópias vendidas.[4]


Sua terceira novela, La Templanza, posicionada no século IX, nas cidades de México, Havana e Jerez de la Frontera, foi publicada, na Espanha,em março de 2015.

A autora esteve no Brasil em 2013, quando foi entrevistada no programa do Jô Soares. E também em setembro de 2015, quando participou de diversos eventos de divulgação de seus livros no Rio, em S.Paulo e Curitiba.[5]



María Dueñas at Gothenburg book fair 2014.

María Dueñas Vinuesa em Gothenburg em evento de 2014.


(2) A história e o estilo

O TEMPO ENTRE COSTURAS se desenvolve em torno da figura de Sira Quiroga, que  é a cativante costureira que protagoniza e narra a aventura.
Interessante ressaltar que no Epílogo, parece ser a autora que fala pela voz da Sira para informar o seguinte: 
           “Afinal de contas, esse foi sempre o meu trabalho – casar partes e compor  peças    com harmonia”..[6]


Pois, foi precisamente assim que Dueñas trabalhou para construir esta novela: compondo peças e casando partes. Eis, portanto, uma boa descrição deste trabalho literário.: casar partes e compor peças com harmonia.


O livro é formado por Cinco partes harmônicas:


A primeira parte apresenta fatos desde o nascimento de Sira, em 1911, sua infância com a mãe, em Madri, passando pelo seu aprendizado de costura num atelier, até seu estabelecimento em Tetuán, capital do Protetorado Espanhol em Marrocos. Aí, após muitas movimentações, riscos e perdas, ela finalmente abre as portas do seu próprio atelier.
No entremeio, Sira vai triturando sua inocência pelos caminhos da vida.  Ela abandona um cenário corriqueiro, se apaixona loucamente e parte de Madri para o romântico Marrocos, meses antes da Guerra Civil Espanhola (1936-1939).[7]
Nesta jornada, surgem vários companheiros: Ignácio, seu primeiro pretendente, seu pai, Ramiro, Delegado Vasquez, Candelária - a “Muambeira”, Jamila. Difícil deixar de gostar de algumas destas figuras encantadoras...


Com esse elenco imaginado, esta primeira parte já seria um romance completo.
Porém, com grande maestria, a autora começa a mesclar os personagens fantasiados com protagonistas reais da história da Espanha, tais como Coronel Beigbeder, Rosalinda Fox, o cunhado de Franco, Serrano, denominado “o Cunhadíssimo” e outras personalidades ilustres da época.
E na segunda parte, Sira se entremeia cada vez mais com os protagonistas reais, por meio do fenomenal imaginário Marcus Logan.
Esta habilidade de compor a novela imbricando personagens fictícios e reais é gratificante, especialmente para o leitor que se interessa pela história da Espanha e pelos acontecimentos europeus no século XX, que são percorridos com cuidado e veracidade, levando em conta referências acadêmicas sólidas.[8]
Na terceira parte do livro, Sira se transforma uma vez mais para mergulhar, durante a Segunda Guerra Mundial, em um novo mundo, agora repleto de espiões, impostores e fugitivos. Ela se transfigura em Arihs, volta a Madri, faz novas amizades (como a do vizinho Félix), e tem vários re-encontros com seus fantasmas do passado, tomada por uma nova personalidade.
Mas, o turbilhão de ousadias não para por aí. Na Parte 4, novas aventuras a levam a Portugal onde corre riscos tenebrosos dos quais consegue se salvar graças a antigas amizades e miraculosos atrevimentos.

Finalmente, no Epílogo, a autora conta o destino dos protagonistas reais e propõe uma série de possibilidades de finalização das vidas dos outros personagens inventados.
Esta costura bem feita das cinco partes da novela facilita a construção de um roteiro e todo seu conteúdo favorece a produção de um seriado. Não é de se surpreender que a novela tenha sido adaptada para a televisão.
Além disso, a estrutura linear da narrativa, o ritmo intenso, capaz de criar e introduzir no texto situações de suspense fortes  - utilizando poucos parágrafos - é mais uma razão para que a novela tenha se tornado uma série televisiva. Mantém o leitor colado numa linha reta do relato, sustentando a trama com precisão de repórter, sem utilizar técnicas de flash back.
Vale ainda observar que o estilo imaginativo de Dueñas algumas vezes coloca o leitor sem fôlego diante da página – a ponto de ter que parar a leitura para respirar, dar um tempo, até prosseguir. Embora seja um texto lógico, é difícil antecipar acontecimentos, o que faz com que seja uma leitura extremamente atraente.

 (3) Mensagens
 
Todas essas habilidades e qualidades da autora nos traz uma narrativa densa, longa e prazerosa. E nos leva, finalmente, à pergunta – qual a moral da história? – ou com outras palavras – o que Dueñas quer nos dizer com este relato?
O objetivo não parece ser transmissão de mensagens políticas, menos ainda partidárias, ou mesmo ideias a favor ou contra a espionagem, a resistência, o nazismo.
Tampouco é uma história sem sentido. Uma mera peça de suspense.
A autora destaca a devastação e o desolamento das guerras muito além dos campos de batalha e das lutas políticas nos gabinetes. O ponto forte parece ser, portanto, a revelação do pano de fundo do conflito e seus efeitos na vida do cidadão comum.
O foco da mensagem está na perda da NORMALIDADE da vida em tempos de guerra, tão bem descrita na parte 4, que merece ser aqui transcrita:[9]
            Abandonar tudo e voltar à normalidade: sim, sem dúvida, era a melhor opção. O problema é que eu já não sabia onde encontrá-la. ............... Onde estava, quando a perdi, que foi feito dela? Procurei-a por todos os lados: nos bolsos, nos armários e nas gavetas; entre as pregas e as costuras. Naquela noite, dormi sem encontrar a normalidade.
No dia seguinte, ....... percebi-a: próxima, comigo, colada à pele. ..... Buscá-la em outro lugar ou querer recuperá-la do ontem não tinha o menor sentido”

 Ainda que, neste ponto, se possa evocar novamente os versos do Cartola:

Preste atenção, o mundo é um moinho, vai triturar teus sonhos, tão mesquinhos, vai reduzir as ilusões a pó”, a autora não deixa o leitor devastado por este pessimismo.

Ela oferece, ao final, possibilidades otimistas e até múltiplos happy ends para os personagens fictícios.  Dessa forma, torna possível dar o  salto para o outro lado do  Abismo que a guerra cava aos nosso pés.

Obs.: Recomento a leitura com entusiasmo

Notas e referências :





[1] Ciudad Real


[2] Pela Antena 3- cadeia Espanhola


[3] Historical Novel Award from the City of Cartagena, Culture Award for Literature


[4] Em inglês chamada de The Heart Has Its Reason.


[5] Entre eles temos A melhor história está por vir, e Destino La Templanza 

[6] Página 461 – na Edição da Editora Planeta de 2016.


[7] Tudo tem a ver com a música inesquecível do Cartola: o Mundo é um Moinho – cujos versos transcrevo  a seguir:

“Ainda é cedo, amor - Mal começaste a conhecer a vida -  Já anuncias a hora de partida - Sem saber mesmo o rumo que irás tomar

Preste atenção, querida -                 Embora eu saiba que estás resolvida - Em cada esquina cai um pouco a tua vida - Em pouco tempo não serás mais o que és

Ouça-me bem, amor - Preste atenção, o mundo é um moinho - Vai triturar teus sonhos, tão              mesquinhos  Vai reduzir as ilusões a pó

Preste atenção, querida - De cada amor tu herdarás só o cinismo - Quando notares estás à beira do abismo-       Abismo que cavaste com os teus pés”


[8] Ver Bibliografia ao final do livro.


[9] Pag. 374




Em tempo:
Erros de tradução/revisão foram notados nas seguintes páginas desta edição:

1. Pag. 249 – “aquilo que sua causa queriam contar”
2. Pag. 276 – parágrafo 5 – “estão arregimentado”
3. Pag. 299
4. Pag. 341
5. Pag. 400 – “Está muito calor aqui” – O correto seria: Está muito quente aqui.
5. Pag. 441
6. Pag. 461 – “nunca ninguém” – não é português castiço.

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