Santuário de Gabriel - Pirenópolis (local onde foi elaborado este texto) |
de José Saramago
Por Mônica Ferreira Dias
Por Mônica Ferreira Dias
A inverossímil história que lemos
este mês, As intermitências da morte, de Jose Saramago, que dispensa maiores apresentações,
por oportuno conhecido dos meios literários e dos apreciadores de literatura,
nos remete a uma série de confusões quando a morte resolve fazer greve em
determinado país, que a França não é, como pudemos verificar no diálogo da
morte, com “m” minúsculo como veementemente deseja ser reconhecida, que se
apresentou no decorrer desta história e sua gadanha, instrumento inseparável de
trabalho (pg. 181). O fato como o narrador diz, que a morte deixou de matar (pg.25), que houve a falta de
colaboração da morte (pg. 26), e que a
morte volta agora imerecidamente as costas (pg.27), atinge apenas os
humanos, ditos racionais, deixando o curso correto da vida para as demais
espécies que habitam o planeta, o que vale dizer, que todos animais continuavam
no ritmo da vida, o que para o narrador significa que o normal ainda não se retirou de todo do mundo (pg. 71), mas as vítimas se recusavam a morrer (pg.12).
A impressionante história relata que ao soar as doze badaladas que precedem o
ano Novo, aquele evento cheio de promessas futuramente in-cumpridas,
determinado pais teve o último suspiro de seus habitantes suspenso, termo
adotado para significar a morte, aquela
que já é nossa de nascença (pg.75), espanto e euforia registrados, com uma
ponta de inveja pelos países vizinhos, inicia o relato de uma série de
transtornos, porque com greve de tais proporções não poderiam as coisas
permanecerem como sempre foram, os segmentos da sociedade de manifestam para
seus direitos requerer, ao fato iniciado com a igreja, atacada de morte porque
como o próprio cardeal, de próprio punho falou, sem morte não há ressurreição, e sem ressurreição não há igreja (pg.
18). Instada a querela com o governo reinante, que exigia retratação de
comunicado nacional de investigação dos fatos com a criação de uma nutrida comissão interdisciplinar (pg.
29), que como era de esperar não chegou a lugar algum, e para o futuro
empurraram a resolução, mas alertados foram quando um filósofo pessimista
informou que, O pior é que o futuro já é
hoje (pg. 37), chegando inclusive a questionar se deus tem autoridade sobre a morte (pg. 37). Importantes setores profissionais preocupados com a situação (pg. 25)
iniciam uma romaria aos governantes, o primeiro-ministro que após o desastrado
comunicado, que lhe valeu uma carraspana do cardeal, resolve mancomunar-se com
a máfia instada, que sobre ela falaremos no decorrer deste texto, porque
resenha não se trata uma vez que quem aqui escreve, desprovida de competência
literária, apenas relata o que leu deste caso fatídico que consternou todo o
pais que não se sabe onde fica.
Os setores profissionais,
preocupados com seus ganhos, afetados com a desfaçatez com que a morte voltou
as costas a um país inteiro, começam a apresentar suas reclamações, que
pertinentes podemos confirmar quando primeiro se apresentam as empresas ligadas
ao ramo funerário, brutalmente
desprovidos de matéria-prima (pg. 25), exigem das autoridades além de
recursos para revitalização do setor, atualização das capacidades para
prestação dos serviços, que seja decretado pelo governo lei que obrigue o enterramento ou incineração de todos os
animais domésticos... pela indústria funerária (pg. 26). Assim também
administradores e diretores de hospitais começam a reclamar do congestionamento
de internos, um engarrafamento como os
dos automóveis (pg. 28), um curto-circuito na logística de enfermos
entrantes e saintes, que mais não cabiam pelos corredores em número superior,
isto é, mais do que era costume fazê-lo
(pg. 28), prática disseminada que se pode observar em outros países que não
se defrontam com a mesma greve do momento da passagem. Os hospitais propõem que
seus enfermos que não atam nem desatam sejam encaminhados aos cuidados de suas
respectivas famílias, que pela análise da junta médica informa aos familiares,
que seus parentes venham recolher, pois indiferente é o lugar em que se encontre, quer no seio carinhoso de sua família ou da
congestionada enfermaria de um hospital, uma vez que nem aqui nem ali
conseguirá morrer (pg. 29). Para despachar da mesma forma os velhos deste
país, os lares de terceira e quarta
idades (pg. 29) em uma encruzilhada se encontraram de continuar ou não continuar a receber hóspedes (pg. 29), e aqui
como na conversa entre o primeiro-ministro e o diretor-geral da televisão,
Shakespeare também se apresentou para sua contribuição dar, avisar ou não avisar, eis a questão (pg.
93), que preocupação maior não foi de que não veriam mais sair dos lares para ir morrer a casa ou ao hospital como
acontecia nos bons tempos (pg.30), mas que a má sorte estava ao lado pois
não teriam ninguém que nos acolha quando
chegar a hora em que tenhamos de baixar os braços (pg. 31), e não mais
tendo a preocupação com a morte, que de fato resolveu se ausentar, necessário
registrar, apenas para a classe dos habitantes do país, sem extensão às demais
classes da criação como podemos observar no colóquio do espírito que habita a
superfície do aquário e o aprendiz de filósofo que a lugar nenhum chegaram com
as digressões sobre se a morte será a
mesma para todos os seres vivos (pg. 72). Toda esta confusão também trouxe
perigo para as companhias de seguro que, de súbito inundadas por cancelamentos
das apólices uma vez que seus contratantes não mais teriam que passar desta
para melhor e deixar suas famílias amparadas, mas como o raciocínio lógico
daqueles que do dinheiro vivem é até mais rápido que o último suspiro, à carga
voltaram com triunfante ideia de em fundo de investimento transformar, para que
a cada oitenta anos o proprietário possa seus recursos resgatar e novamente
outro contrato firmar, que para os
devidos efeitos, se registraria o segundo óbito (pg. 33). E, no meio dos
pedidos das classes profissionais, um fato ocorreu que ao país inteiro foi dado
conhecimento, agraciado pela manifestação
da inesgotável capacidade inventiva da espécie humana... uma família de
camponeses pobres (pg. 38), resolve, a pedido do pai enfermo, que não atava
nem desatava, uma excursão de última morada realizar para no país vizinho o pai
enterrar, às escondidas se mandaram, embora observados pelo vizinho que depois
veio tomar satisfações, não saberiam, nem no mais delirante sonho, que um
frutífero comércio conseguiram implementar, mas claro fique que não foram os
beneficiários de tal prática que à máfia coube, com o tráfico de furibundos,
que com falsas ambulâncias (pg.47) às
fronteiras se dirigiam para ali depositarem os padecentes em situação de morte suspensa (pg. 49) que as famílias
não mais em suas rotinas diárias conseguia encaixar ou para seus entes queridos para louvavelmente os poupar
a sofrimentos não só inúteis, como eternos (pg. 54). Conversações com o
governo para os detalhes acertar, à parte a confusão que com as forças armadas
se instalou, porque às fronteiras enviadas, olhos fechados deveriam manter, num
faz de contas para o negócio prosperar, que ao governo também interessava pois
conseguiria equilibrar a questão demográfica, e consequentemente a questão das
pensões que muito claro ficou com o texto do economista que ao governo
questionou de ondem sairiam os recursos para pagamento dos milhões de pensões
que iriam continuar por todos os séculos
dos séculos (pg. 78). E a ordem de retornar aos quartéis foi dada iniciando
um movimento capilar (pg.60), com
desconfiança do acordo da máfia com governo que ao fato a oposição resolveu se
juntar para insinuações registrar nos jornais ao que os porta-vozes do governo negaram veementemente que tais miasmas
estivessem a envenenar (pg. 61), sem contar com a aliança que os três
países limítrofes fizeram para suas fronteiras guardar e não mais deixar passar
aquele vai e vem de nauseabundos entrantes e defuntos ficantes. Caos instalado
porque o acordo da máfia com o governo tal situação não resolveria, mas como já
é sabido que a máfia ao polvo se parece com seus tentáculos intermináveis,
confabulações com patrícios viventes nos países limítrofes, uma reengenharia do
negócio tiveram que realizar, resultado de tão
brilhantes inteligências como as que dirigem estas organizações criminosas (pg.
65), o conflito bélico resolvido com a questão de passar para o outro lado da fronteira o padecente e, uma vez falecido
ele, voltar para trás e enterrá-lo no materno seio da sua terra de origem (pg.
67), assim a culpa familiar devidamente amainada pois não seria mais como
um animal enterrado em terra distante, mas no seio da família com a certidão de
óbito registrado como suicida, o que para
a indústria dos enterros havia despontado finalmente uma nova vida (pg. 69) e
a torneira tornou a abrir-se (pg. 70).
Um país inteiro aos trancos e
barrancos vinha reorganizando seu funcionamento quando sem mais nem porque,
segundo deplorável falta de sentido de
oportunidade, os republicanos decidiram aproveitar a delicada situação para
fazerem ouvir a sua voz (pg. 81), e ao meio artístico e literário
conseguiram cooptar, onde de vez em
quando faziam circular manifestos no geral bem redigidos, mas invariavelmente
inócuos (pg. 82), o regime resolveram questionar, porque rei eterno não
queriam manter, mais econômico um
presidente da república com vencimento a prazo fixo (pg. 82), cabendo a ele
próprio seu posterior sustento, que dê
conferências, escreva livros participe de congressos, colóquios e simpósios,
arengue em mesas redondas (pg. 82), o que esquecemos de mencionar sua
alteza preocupado com ataque violento dos republicanos, que outras camadas
sociais conseguiu sensibilizar, não tanto pelo intrínseco argumento do regime
vigente, mas pelos altos custos que não
podiam continuar a suportar mais o contínuo crescimento das despesas da casa
real (pg. 83). Sua alteza fez chegar ao primeiro-ministro a convocação para
um particular sem qualquer testemunha, que aos tantos assuntos argumentados
chega ao entendimento que o tráfico de nauseabundos ficou encarregado de uma organização benemérita (pg. 85) e as
demais questões principalmente do levante republicano foi pelo então primeiro-ministro
desqualificado, ficando então o coração real tranquilizado, ao que sua alteza
se põe a matutar Não percebo o que é que
deu na cabeça dessa gente, disse, o país afundado na mais terrível crise da sua
história e eles a falar de mudança do regime (pg. 84), e aqui devemos
considerar que esta situação não é privilégio deste país por assim dizer possuidor do elixir da imortalidade (pg. 75).
É neste momento que a história
entorna o caldo, quando um misterioso bilhete com toque inquietante da cor violeta do papel (pg. 95), que passou a
ser a mais execrada de todas as cores
(pg. 125), aparece na mesa do diretor-geral da televisão que imediatamente
ao primeiro-ministro uma audiência solicita e, mancomunados, um comunicado
oficial resolvem realizar em cadeia nacional três horas antes do fatídico
acontecimento amplamente explicado no famoso bilhete, gérmen do tratamento
indelicado com a secretária que aos prantos pensou
enquanto procurava um lenço para enxugar as lágrimas (pg. 88), pois o
diretor é uma pessoa no geral
bem-educada, não é de seu costume fazer das secretárias gato-sapato (pg. 88).
A morte resolveu se pronunciar, avisa em cadeia nacional, que ao trabalho
retornará, à ultima badalada da meia-noite do dia em questão, ou seja em três
horas, após verificar lamentáveis
resultados da experiência (pg. 99) que ocorreu com a interrupção de sua
atividade, dando uma pequena mostra do que seria viver na eternidade por meio
de uma prova de resistência...do período
de alguns meses (pg. 99), toma a decisão
irrevogável... de devolver o supremo medo ao coração dos homens (pg. 100),
mas reconhece que tirar a vida das pessoas sem aviso prévio trata-se de uma indecente brutalidade (pg.
100), muito embora deixe claro, que não foi de todo sem aviso, uma vez que na maior parte dos casos lhes mandava uma
doença para abrir caminho (pg. 100) ao que os humanos não estava claro o
que viria a seguir, pois verificou que os
seres humanos sempre esperavam safar-se dela (pg. 100). Tal comunicado ao
final boa notícia iria apresentar, a morte declara que a metodologia iria
mudar, anunciando que a partir de agora
toda a gente passará a ser prevenida por igual e terá um prazo de uma semana
para pôr em ordem o que ainda lhe resta de vida (pg. 100), desnecessário
dizer que tal comunicado chegaria pelo correio local, naquele papel de cor
execrada anteriormente mencionado.
Novamente entra em cena o
primeiro-ministro que aos membros do governo decide convocar para as
necessidades que iriam se apresentar, fato também analisado por vários setores
profissionais que novas mudanças teriam que providenciar, as empresas
funerárias e as carpintarias foram as primeiras a se mobilizarem uma vez que
levantamento feito, apresentou-se uma lista
de espera de sessenta e dois mil moribundos (pg. 107), hospitais e as casas
de terceira e quarta idade também às famílias convocaram para que os corpos
fossem buscar e a máfia, o setor mais prejudicado ao seu negócio milenar retornou,
o que significa vender proteção para a comunidade, e a mais satisfeita de todas
foi a icar (igreja católica, apostólica e romana), que também ao seu negócio
milenar retornou, acalentar o coração dos aflitos e garantir um lugar no
paraíso celestial (pg. 133). O fato é que a
rescisão do contrato temporário a que chamamos vida ou existência (pg. 126) agora
por comunicado oficial restabelecido, causou comoção nacional, porque, por
óbvio ninguém conseguia suas pendências finalizar, dos carteiros passaram a
fugir e uma caçada à morte resolveram empreender.
Como em tal confusão ninguém fica
de fora, até a morte seus perrengues teve que enfrentar quando aconteceu que uma carta de cor violeta foi
devolvida à procedência (pg.135), não uma, mas três vezes, o que significa
dizer que não foi um simples acidente de
percurso (pg. 140), e para pura aflição da morte se defronta com tal
situação que em tantos milhares de
séculos de contínua atividade nunca havia tido uma falha operacional (pg. 142),
resolve tirar satisfações daquele que já
deveria estar morto há dois dias (pg.141), um violoncelista que, aos olhos
da morte, nada de excepcional possui que justifique a devolução tripla, mas
diga-se de passagem, da morte liquidou a licença
para matar zero zero sete (pg. 156). Por isto, ela, a morte, resolve
procedimentos excepcionais adotar, mesmo que se for necessário chegar a tanto, uma ação de legalidade duvidosa (pg. 160) executar.
Altera registro, resolve em público e, no particular aparecer, para de perto
averiguar, ao mesmo tempo que começa a confabular se toda esta história de
greve e aviso prévio à hierarquia superior deveria consultar. Com seu plano
ousado, em mulher se transformou, e à gadanha seus afazeres recomendou o envio
diário das cartas para os escolhidos se prepararem e foi à cidade, toda
vistosa, para o problema com o violoncelista resolver, e ficou trançando de
táxi para baixo e para cima, de lugar nenhum para o hotel para o teatro, para o
hotel, para casa do violoncelista, para o hotel, para o parque. Parece que esta
maratona foi instilando determinado sentimento que viria a comprometer a tarefa
milenar de tal senhora. Diálogos dúbios e meios-sorrisos também ao
violoncelista trouxeram lembranças de tempos idos de haver dormido no regaço de uma mulher (pg. 200), e, do entrevero
acontecido chegaram até ao fato em que não
tiverem mais nada que dizer ou quando as palavras começarem a ir por um lado e
os pensamentos por outro (pg. 201) e, como já dissemos, apenas uma única
cousa poderia à morte dar uma rasteira, e foi nos braços daquele violoncelista
sem graça que a dona morte veio o amor experimentar. Em um só instante a carta
queimou, o amor encontrou, o sono dormiu e
no dia seguinte ninguém morreu (pg. 207).
Saramago que executa uma escrita
de vai e vem, de abrir novas digressões, de escolher um caminho alternativo e
depois retornar ao inicial, nos remete ao funcionamento de nosso cérebro que
fica macaqueando de um lado para outro. Como exímio conhecedor da palavra
desenvolve um texto em que observa, fala com leitor, pergunta, responde, sem
parágrafos, travessões... fazendo com que a leitura para mim, aconteça mais ou
menos de fôlego em fôlego. Uma parada no meio do caminho é como perder o fio da
meada, exatamente como a impressão que causa àqueles leitores que não estão
acostumados com o estilo.
Recomendo e leitura deste que
para mim é um grande escritor, ressalvando que outras obras de sua autoria me
mobilizaram mais do que esta.
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