comentários por Carlos Guido Azevedo
Impressionou-me o desenvolvimento da estória, através de um
narrador falando initerruptamente, o marinheiro Marlowe, em um ambiente de
conforto e segurança de um Iate ao mar, calmo e silencioso, sob a atenção permanente
dos ouvintes.
Fazendo com que o leitor se coloque, automaticamente como um deles,
acomodado, paciente e concentrado na longa estória, que sabe ser de aventura e
perigo do narrador, que pede seu julgamento e avaliação, porque ele mesmo tem
dúvida se agiu sempre da maneira correta, mas quer sua opinião sobre um certo senhor
Kurtz que ele aprendeu a admirar e pode não ter sido uma pessoa muito correta.
A sua específica aventura inicia quando, como marinheiro desempregado,
consegue por indicação de parentes, vir a ser o capitão de uma pequena e velha
embarcação que deve subir o rio que adentra a floresta nativa do Congo, para
resgatar o senhor Kurtz, um funcionário da companhia colonizadora que explora o
marfim da região e, para a qual se tornou um problema, que pode vir a
prejudicar o negócio, por suas práticas pouco ortodoxas.
Impressionou-me a forma como o senhor Kurtz vai sendo
apresentado, aos poucos, por ouvir falar, pela admiração que impõe aos seus
ouvintes, por sua retórica, pelos valores morais e éticos que defende, pelo
sucesso no comércio de marfim e, pouco a pouco vão sendo presumidas suas
práticas, sua insensibilidade e, até o se deixar tratar como um deus, por
algumas tribos.
A viagem, vai sendo relatada em uma situação de permanente risco
e insegurança até o resgate efetivo do Senhor Kurtz, doente e à beira da morte,
mas defendido e adorado pelos nativos quando Marlowe tem acesso a documento escrito por ele, a pedido da
companhia, sobre como civilizar a selva, que julga sua, e onde parece
justificar suas ações de agir como um deus e, supostamente, cometer todas as
espécies de insensatez e desvario para obter o marfim que julga seu, e não da
companhia que o enviou, mas não nos apresenta o documento.
A figura do senhor Kurtz que vai se revelando, aos poucos,
dentro da viagem para resgatá-lo do meio dos nativos, que resistem e o
defendem. Vai sendo construída por frases e indicativos de ouvir dizer, sem
jamais apontar qualquer dado significativo de sua real personalidade. Sempre
descrito como um homem carismático de grande talento na administração de um dos
postos da empresa, sagaz na obtenção do precioso marfim, que alguns acham que
são, na maioria, fósseis, e muito eloquente em seus textos e em suas falas.
Um fato marcante foi seu histórico retorno ao coração da selva,
em uma canoa remada por quatro nativos, uma das vezes que quase retorna à
civilização, abandonando o barco que transportava sua preciosa carga de marfim.
Marlowe assiste a morte do senhor Kurtz que exala suas últimas
palavras: ‘Um horror! um horror!’, que parecem
sintetizar o que se passava no coração da selva, para se conseguir o precioso
marfim. Mas, Marlowe, o admira, o ajuda, apoia e parece querer construir uma
imagem positiva para o símbolo da cruel colonização, da barbárie, da loucura do
poder. Busca ocultar os seus escritos, apaga nota de rodapé que não acha conveniente,
e finalmente compõe um cenário próprio para sua morte junto à pretendente de
Kurtz, mantendo o amor e a admiração desta ao seu amado.
Minha maior surpresa foi perceber que Conrad tinha, na verdade, me
ludibriado, feito um mágico que força a atenção da plateia para um ponto de
fuga, enquanto realiza seu aparente milagre.
Percebi que enquanto o narrador trata das loucuras apontadas e
escandalosamente presumidas para Kurtz, todas, seguramente todas as atitudes
aéticas, escravocratas e brutas da colonização, vão sendo executadas com
naturalidade e expressas com certa simpatia por Marlowe, como sendo a coisa
certa a ser feita naquele momento, sem necessidade de justificativa ou
explicação, raras vezes com uma leve desculpa de que o costume ali, era aquele.
Sob a naturalidade descrita na aventura de Marlowe o leitor vai
sendo anestesiado sem perceber a crueldade intrínseca da aventura colonizadora,
Um Horror! Um Horror! muito além dos limites da perversidade humana e da sua
capacidade de produzir aberrações comportamentais, submeter seus semelhantes as
mais degradantes situações, trabalho escravo, mutilações e até a morte.
A velha relação conquistador / conquistados, colonizadores /
colonizados, dominador / dominados e consequente destruição da cultura e dos costumes
locais para trazer evolução e civilidade aos selvagens, toda ela praticada por
Marlowe e sua empresa, enquanto apontava para Kurtz, e, eu cego olhava para
Kurtz, antecipava suas ações, torcia contra e a favor de Marlowe.
Percebi que enquanto o narrador falava, eu me mantinha
anestesiado para o que se passava alí, imaginando as arbitrariedades e horrores
que se passariam, lá, na tribo de Kurtz.
Em total insensibilidade com os valores humanos, presumindo como
o Marlowe, que o colonizador tem direito natural sobre tudo, como um deus que
merece ser obedecido e adorado, porque controla o Ser da Caldeira e domina o Espírito
do Apito da embarcação que libera os espíritos maus, fazendo os nativos
estremecerem e obedecerem e fugirem da brincadeira de terem suas flechas
revidadas a bala como diversão, ou achando natural o asco do sapato sujo de
sangue do nativo, jogado fora por Marlowe.
Assim, custei a descobrir que Marlowe e Kurtz são a mesma pessoa,
ou têm a mesma cabeça, a minha, que estava capturado também para este mundo de
Horror em que acabei comungando sem perceber o quanto ele me comprometeu ao
partilhar suas ideias, práticas e valores.
Muitos outros aspectos
me impressionaram positivamente no livro e, seguramente não foi o fato dele ter
servido de base para o filme Apocalipse Now, tão comentado.
APRECIEI
E INDICO SEM RESTRIÇÕES.
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