Alfaguara, 2011
por Claudine Duarte
“La fuerza de la costumbre es inmensa y acaba por suplir casi
todo, incluso por suplantarlo. Puede suplantar el amor, por ejemplo; pero no el enamoramiento, conviene distinguir
entre los dos, aunque se confundam no son lo mismo... Lo que es muy raro es
sentir debilidad, verdadera debilidad por alguien, y que nos la produzca, que nos haga débiles. Eso es lo determinante, que nos
impida ser objetivos y nos desarme a perpetuidad y nos haga rendirnos en todos
los pleitos.” p.308
O Autor
Javier Marías Franco nasceu em Madrid
em 1951, estudou Filologia e Letras e trabalhou como roteirista e tradutor
antes de publicar seu primeiro romance em 1971, Los Dominios del Lobo.
Atualmente, é membro da Real Academia Espanhola, e um reconhecido colunista na
imprensa espanhola para que, segundo ele, permaneça desperto e possa contribuir
com seu país com a sua visão da realidade. Sua obra – doze romances e vários
livros de contos e de ensaios – foi traduzida em várias línguas e teve cerca de
seis milhões de exemplares vendidos.
A tradução para o espanhol de Hardy,
Yeats, Nabokov, Faulkner, Salinger e Conrad, entre outros, deram a Javier
Marías, bases para sua carreira de escritor: “o tradutor é um leitor
privilegiado. Se você é capaz de reescrever em outro idioma algo que Conrad ou
Sterne escreveram, aprende muito. Eu não me envolvi na indústria da escrita
criativa, mas se eu fundasse um curso de escrita criativa só admitiria pessoas
capazes de traduzir, e as faria traduzir sempre.
O autor é elogiado por escritores
consagrados, tais como Orhan Pamuk, Roberto Bolaño e J. M. Coetzee entre
outros, sendo reconhecido como um dos escritores vivos mais importantes da
língua castelhana.
A Obra
Los Enamoramientos, publicado em 2011, recebeu um
prêmio nacional de literatura na Espanha que o autor, em meio a um rol de
atitudes polêmicas, se recusou a receber. Em 2013, o livro foi finalista do National
Book Critics Circle Award, nos Estados Unidos e, no ano seguinte,
ganhou o prêmio literário internacional Giuseppe Tomasi di Lampedusa, na
Itália.
Javier Marías construiu um romance em torno
de poucos personagens, cujas vozes conhecemos apenas pelo olhar da narradora,
Maria Dolz, numa tentativa de fornecer ao leitor uma perspectiva feminina do
amor – ou do enamoramento – e suas consequências.
O livro é dividido em 4 partes e tem
pouquíssimas cenas – todas na cidade natal de Marías, Madrid. A narradora é
pródiga em fazer suposições e digressões, como também dá voz às observações e
reflexões dos outros personagens – o que não os diferencia e nem lhes confere
profundidade. Como se vivessem apenas na cabeça de Maria e de sua mesa mirante. O autor apresenta a
história utilizando o tempo cronológico, mas talvez ao ponto de vista adotado fica
a incômoda sensação de que, como num sonho - ou pesadelo, as horas foram
esticadas para dar tempo de pensar tanta coisa...
Uma solitária mulher, Maria Dolz, trabalha
numa editora de livros em Madrid. Diariamente, como uma leitora dos romances que
avalia, observa um casal numa cafeteria. Inventa para eles uma história de
amor, os presume casados e os apelida de O Casal Perfeito. Após alguns dias sem
encontra-los, consternada, lê a notícia que o homem – Miguel Deverne –
foi violentamente assassinado por um flanelinha justo no dia em que faria 50
anos.
“No tiene el menor sentido,
precisamente por parecer que lo tiene. Podría no haver sido así, era tan fácil
que no hubiera ocorrido. Podría haber sido cualquier otro día, o no haber sido
ninguno. Lo que tocaba es que no fuera. En absoluto. Que no fuera.” p.55
Novamente na cafeteria, Maria vê a
mulher sozinha e resolve conversar com ela. Descobre que seu nome é Luisa e
conhece um amigo do casal, Díaz-Varela. Por alguns capítulos, “escutamos”
os pensamentos mais íntimos da narradora e, como no poema de Drummond,
assistimos uma Quadrilha onde Maria amava Díaz-Varela que amava Luisa
que amava Deverne que não podia amar mais ninguém...
Durante um encontro de Maria e
Díaz-Varela é revelada parte da cadeia de acontecimentos que o levaram a
planejar e dirigir o assassinato de Deverne. Confessando seu amor por Luisa e o
objetivo de passar com ela o resto de sua vida, Díaz-Varela – segundo o olhar
de Maria – comete um crime passional ao encomendar o brutal assassinato de seu
amigo, Miguel Deverne. Na terceira e mais extensa parte da obra, justifica sua
atitude como o atendimento a um pedido expresso por Deverne. Um câncer o
devastava, teria pouco tempo de vida e não queria enfrentar a degradação da
doença e tampouco fazer sofrer sua família. Maria decide não pesquisar sobre a
doença terminal de Deverne e, assim, o autor acena para a possibilidade de ser
uma farsa de Díaz-Varela.
Um salto no tempo. Após dois anos,
a narradora encontra o novo casal, Luisa e Díaz-Varela com aliança nos dedos,
trocam algumas frases e – pronto! – final do livro. Maria Dolz finaliza seu
relato tedioso e onipresente com a incrível afirmação: “Ao fin y al cabo
nadie me va a juzgar, ni hay testigos de mis pensamientos.” Seria uma
ironia do autor? Não é este o risco que os escritores assumem: serem julgados
pelos textos que ousam partilhar?
Comentários
Tenho uma frágil lembrança que gostei
do livro na primeira vez que o li no final de 2012 e até o indiquei para alguns
amigos. Fiquei sensibilizada com as críticas positivas, como por exemplo a do
Estadão que me levou à compra da edição da Companhia das Letras com
o encarte do novela O Coronel Chabert, de Balzac, e insiro o link a seguir: http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,espanhol-javier-marias-volta-ao-romance-com-o-festejado-os-enamoramentos,933922. Mas, como teria
dito Heráclito: “Nenhum homem pode banhar-se
duas vezes no mesmo rio...”, confesso que fiz a releitura com um misto de
solidariedade e frustração.
Com certeza, um dos maiores
benefícios de ler Os Enamoramentos foi ter conhecido a primorosa novela de
Balzac, pois a sua leitura é incentivada pelas inúmeras citações nos diálogos
de Díaz-Varela e Maria. É uma trágica história de um antigo herói napoleônico
que foi dado como morto durante uma batalha e volta para casa após alguns anos
de muito sofrimento. Em seu retorno, encontra sua ‘viúva e herdeira’ casada –
agora Condessa Ferraud - com dois filhos e trava uma luta inglória para
recuperar sua identidade.
“Acredite, senhor, se não mostrei a
gratidão que lhe devo por seus bons ofícios, mesmo assim ela está aqui – e ele
pôs a mão sobre o coração. – sim, está aqui, plena e inteira. Mas o que podem
os infelizes? Eles amam, nada mais.” Coronel Chabert ao advogado Derville, p. 76
Enternecida, Maria compara seu amante
ao infeliz militar: “(...) os dois tinham-se mantido à espera de um gesto,
de uma espécie de milagre, de um alento e um convite, Chabert do quase
impossível reenamoramento de sua mulher e Díaz-Varela do improvável
enamoramento de Luisa, ou pelo menos do seu consolo junto dele. (...) Os dois
eram como espectros fazendo trejeitos e sinais e inclusive alguma gesticulação
inocente, esperando serem vistos e reconhecidos e quem sabe chamados, desejados
de ouvir no fim estas palavras: ‘Sim, está bem, estou te reconhecendo, é
você’, se bem que no caso de Chabert supusessem apenas lhe conceder a
certidão de existência que está sendo negada e no de Díaz-Varela significaram
bastante mais: ‘Quero estar ao seu lado, achegue-se e fique aqui, ocupe o
lugar vazio, venha e me abrace’.”
Além do livro de Balzac Javier Marías
insere outras referencias literárias no enredo de Os Enamoramentos, como
Macbeth, de Shakespeare e Os Três Mosqueteiros, de Alexandre
Dumas. Sempre para reforçar as impressões dos ‘quase’, do que poderia ter sido,
da inexorável passagem do tempo, da presença incômoda da morte e do
conformismo com ‘o que temos para o momento’. Talvez isso tenha estimulado minha
releitura melancólica e frustrante. Um círculo de palavras com gosto de
tempo perdido e buscas inúteis deixam Maria na mesma página, mesma rua, mesmo
trabalho e mesma solidão.
Por ocasião do lançamento do livro,
Javier Marías afirmou ao The Guardian que “amar e se apaixonar têm
boa reputação. E isso tem justificativa em certos momentos; mas às vezes é o
oposto. Já vi pessoas muito nobres e generosas se comportarem muito mal porque
estão apaixonadas. Há também essa ideia de destino. As pessoas se lembram de
como se conheceram e imaginam o que teria acontecido se não tivesse ido àquele
bar ou àquele jantar. Mas na realidade estamos muito limitados em nossa escolha
de parceiros, por localização, classe, história, e pela disposição da pessoa a
aceitar a nossa sedução. Quantas vezes não somos a primeira escolha? Ou mesmo a
segunda, a terceira?” Assim, o autor
defende – convence? – a triste e patética afirmação de Maria:
“A ninguno debe ofendernos que
alguien se conforme con nosotros, a falta de quien fue mejor”. p.190
Hoje, não consigo recomendar a
leitura. Considero um livro para esquecer. No entanto, pretendo ler outros
textos de Javier Marías. Atravessar outros rios... quem sabe?
“Lo que pasó es el de menos. Es una
novela, y lo que ocorre en ellas da lo mismo y se olvida, una vez terminadas.”
p.166
ResponderExcluirOs Enamoramentos
Javier Marias
O romance trata de enamoramentos, como diz o título. Do encantamento que vem com a paixão. De início relata o enamoramento sólido e cúmplice do casal Luiza e Deverne; depois o enamoramento não correspondido da narradora, María, por Javier Dias Varela; em seguida o enamoramento violento de Javier Dias Varela por Luiza, que envolve crime de morte; e, finalmente, o de Ruiberriz de Torres - um galanteador contumaz - por María.
O que parecia uma história romântica clássica se transforma em suspense, a partir da metade do livro. Trata-se de um crime praticado por um flanelinha desequilibrado, que se transforma em morte encomendada, depois se explica como suicídio em razão de doença terminal, e que, por fim, volta a ser crime, e em nome do amor. A partir daí, os personagens, todos enamorados e não correspondidos, vão nos revelando sua miséria, por boca própria ou por considerações de María.
O autor usa María, um personagem feminino, de personalidade tímida e solitária, para narrar a história, e o faz muito bem . Os diálogos com travessões são raros. As frases são longas e cheias de vírgulas, dando um ritmo agradável à leitura, e a maior parte do texto é formada por conjeturas elocubradas por María Dolz, em grandes parágrafos, - o que nos dá a noção de pensamentos torrenciais. Esses pensamentos - os dela e os que ela atribui a outros- são mergulhos na alma humana, mostrando dúvidas, receios, certezas, medos, todos colocados de forma muito convincente..
O encadeamento do texto é maestral, entrelaçando o fio da história a trechos de Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas; a MacBeth, de Shakespeare; e, principalmente, O Coronel Chabert, de Honoré de Balzac - aquele que, ao sobreviver à morte dada como certa, trouxe desgraça a si e à família, ao ressurgir vivo.
O autor tem excelentes insights sobre a viuvez, com todas as suas etapas, desde o sofrimento inicial ao enevoamento e esquecimento provocado por novo enamoramento. Também examina a morte a partir do assassinato de Miguel Deverne, tecendo considerações sobre os seus pensamentos ao ser atacado, até perder os sentidos; sobre as razões que justificariam essa morte; sobre os inconvenientes de um " falecido" voltar à vida. E ainda sobre Javier, um homem que, padecendo de um câncer deformante no rosto, não teria coragem para se suicidar, nem para encomendar a própria morte, já que não suportava a angústia de conhecer as circunsntâncias por antecedência. Por isso, pede ao amigo que o mate, mas usando o fator surpresa. As dúvidas de María sobre acreditar ou não nas duas versões do crime – se solicitado pelo morto ou engendrado pelo amigo – são extremamente bem colocadas no texto, e permanecem até quase o final do romance.
Embora não se trate de romance policial, o suspense segue até o fim, prendendo a atenção do leitor. Quem afinal engendrou o crime? Por que razão? O autor seria revelado e punido? Esse suspense só termina quando María, finalmente convencida de que Javier é mesmo o responsável pela morte de seu melhor amigo, desiste de denunciá-lo à viúva para lhe evitar novo sofrimento, já que casara com o assassino do marido. E, como o Coronel Chabert, o morto redivivo de Dumas, María deixa a vida seguir seu caminho - ainda enamorada de Javier.
É um livro leve de se ler, apesar do tema, muito bem redigido e relatado, embora cansativo em algumas poucas passagens. O autor é profundo conhecedor da alma humana e, especialmente, da alma feminina.
Recomendo sem restrições.