de V. S Naipaul
Resenha Ana Luiza Gomes Machado, em 03/2016
O Autor
Naipaul, nasceu em Trinidad e Tobago, em 1932. Em 1950, vai para a Inglaterra estudar. Trabalhou como jornalista para a BBC. Doutor honoris causa pelas universidades de Cambridge, Londres, Oxford e Columbia, foi sagrado cavaleiro britânico pela rainha Elizabeth II em 1990 em 2001 é agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura.
A Ilha
Trinidad, ilha de maior extensão territorial (4.800 quilômetros quadrados), abriga a maioria da população, que é constituída principalmente de descendentes de escravos africanos, além de imigrantes indianos e chineses. Tobago, por sua vez, possui cerca de 330 quilômetros quadrados, entretanto, nessa ilha são encontradas as mais belas praias do país. Durante o período colonial, o país se tornou grande produtor de cana-de-açúcar, utilizando mão de obra escrava. Na segunda metade do século XX, foram encontradas grandes reservas detz petróleo e gás natural, passando a ser os principais produtos de exportação e fonte de receitas de Trinidad e Tobago.
Estrutura do Livro
Estrutura do Livro
O livro é
organizado em primeira e segunda parte. Podemos observar que embora o livro não
se atenha diretamente em detalhes históricos, há uma demarcação na divisão do
livro entre o mundo rural e o mundo da cidade o que esta diretamente
relacionado com a evolução histórica da própria ilha. A estrutura social
predominantemente rural e de exploração da cana de açúcar na qual se ambienta a primeira parte da obra e o universo urbano associado à exploração do petróleo, no qual se passa a segunda parte do livro.
O narrador é onisciente e acompanha a saga do
Sr. Biswas de maneira linear e cronológica (nascimento- vida e morte). A narrativa pode ser considerada circular uma vez que o prólogo do livro antecipa o epílogo, no entanto isso não compromete a linha mestra do livro.
A
narrativa é simples e clara e acompanha toda a trajetória do sr. Biswas na
busca de seu maior desejo que é a propriedade. Embora o contexto da ilha sugira
uma multiculturalidade o narrador foca apenas na comunidade indiana da qual o protagonista
faz parte.
Os demais
representantes dessa sociedade existem, mas em caráter marginal como, por exemplo, concubina chinesa de seu tio ou a empregada “pretinha” da matriarca Tulsi.
A existência
desses outros povos fica mais evidente na segunda parte do livro quando o Sr.
Biswas observa os negros da cidade e ainda quando mudando para Shorthills
observa os colonos francês. Não existem interações maiores e, portanto, ao
leitor somente é permitido vislumbrar ecos distantes dessas outras comunidades
que habitam espaços comuns mais não interagem.
5 O
contexto histórico da obra é o caribe pós-colonial e pós-escravocrata, com o
advento da abolição muitos imigrantes indianos são levados para o trabalho nas colônias
do império britânico.
O livro foi
escrito em período do boom da literatura caribenha que se situa nos anos de
1950 e 1965 quando muitos escritores das colônias vão para Londres. É uma obra
de desconstrução do império britânico.
A
posse e a propriedade
Um tema rico em
discussões e debates na área do direito são os conceitos de posse e
propriedade, embora a posse tenha a aparência aparência de
propriedade, ou seja, é possível por meio dela externalizar prerrogativas de proprietário, aquele que tem a posse de um imóvel e não é seu proprietário ostenta a
categoria de detentor.
O senhor Biswas não
pode ser considerado detentor dos espaços que ocupa na casa (ou nas casas) da
família Tulsi. No ambiente e no seio do Clã Tulsi, ele é uma espécie de pária que vaga pelos cômodos, que ocupa espaços a
contragosto e que não pode demonstrar o menor impulso de individualidade. No
organismo que é o clã da família, materializado pelo Casa Hanuman quaisquer
manifestações de individualidade são veemente rechaçadas.
O conceito de lar
e identidade a ele associada somente irá ser brevemente abordado na segunda
parte do livro. O narrador destaca em especial a construção da memória. O
narrador revela que será ali, na fragilidade de uma casa precária que serão
construídos os pilares e a memória dos descendentes de Biswas.
O anti-herói
em busca de uma casa
O “remador” não pode ser considerado um
herói. Reclamão, irônico, ferino e, por fim, agressor. Agredindo verbal e
fisicamente a mulher, desejando veladamente a colega do trabalho no serviço
público (atraído pela representação feminina que não conheceu). Não se trata,
portanto, de um herói, com qualidades superiores as de seu meio, mas justamente
o oposto, é primordialmente um homem de seu meio, e seu único movimento de
resistência é remar contra a corrente comunitária e feudal da sociedade indiana
e buscar, por meio do desejo de uma casa, sua individualidade.
8
Personagens
marcantes
Biswas, Mãe de Biswas, os tios, Casa Hanumam, Shama, a Sra. Tulsi,
Seth, Anandi e Savi.
A mãe do senhor Biswas
é uma mulher nula. Não se pode dela esperar nada, ela esmagada pelo peso do
destino, sobre ela recaem todo o peso da ancestralidade das castas e dos
preconceitos da sociedade indiana.
Os tios de Biswas
representam uma sociedade feudal na qual os parentes são cooptados como
vassalos e assumem os papeis que estes determinam. Eles não estão dispostos a
dividir, a permitir que os membros de sua família tenho autonomia sobre seu
destino ou desenvolvam alguma potencialidade. Na verdade, eles definem os papéis
que cada um deve exercer. Embora revestida da aparência de família, a estrutura
se assemelha a um feudo.
A casa Hanumam é um personagem que exprime
toda as vicissitudes da sociedade indiana: a submissão das mulheres, a agressão
física à mulher como traço de respeito e admiração, o abandona a higiene, o
papel da mulher como circunscrito a servir o homem e a educação como privilégio
apenas do homem. A casa se revela também como um empreendimento mercantil,
tendo em vista seus costumes, as tradições indianas e a falta de autonomia das mulheres,
os maridos são cooptados como mão de obra barata.
Anandi ,
representa o próprio autor. Por meio de
Savi, no final do livro, é possível observar uma redenção das mulheres um apontamento
para o futuro. Observar que a Seth se refere a Savi com “remadorazinha”, o Sr.
Biswas não a percebe muito, uma vez que por ser mulher sua figura vai sendo
obscurecida pela figura de Anandi, no entanto essa pequena revelação de sua personalidade
faz uma boa ligação com o término da história e o papel que é possível
vislumbrar para essa personagem.
Elementos
relevantes (o sexo, a dor de estomago)
Em nenhum momento
do livro é mencionado o sexo. Somente se fala dos filhos, imagino que , uma vez
que a relação sexual seja um ato de intimidade, o narrador não pode alcança-la,
não se é permitido esse tipo de intimidade somente é possível vislumbrarmos a consequência
desse ato, que por sua própria natureza é externo e, por que não, comunitário –
a gravidez, o filho.
A violência contra
a mulher como um comportamento social e louvável, revela o papel da mulher na
sociedade. Interessante mencionar que em algumas dos breves momentos nos quais
são mencionadas as sociedades africanas, observa-se que nelas a mulher,
aparentemente, tem mais poder.
A derrota do
liberalismo por meio da desistência do Senhor Biswas de ler os livros de Samuel
Smiles, a ineficácia de tal leitura naquela sociedade, na qual não seria
possível vencer por seus próprios méritos, pelo esforço individual a sociedade
era hostil a livre iniciativa, uma sociedade limitadora.
A comida como um
laço de escravidão e subserviência. Imagino que a dor constante de senhor
biswas sempre se manifestando na “barriga” seja uma metáfora, uma metáfora para
o poder, para a fome, para a miséria e para o vínculo de poder manifestado por
aqueles que detém a comida, aqueles que servem (ou permitam que se sirvam os
outros).
Por meio da comida é possível também
destacar potencialidades e futuros: quem come ameixas e leite, estuda. A comida
é um elemento tão poderoso no livro que chegar a selar destinos.
A avaliação pessoal do livro (indico ou
não indico) x repercussão do Nobel
A escolha de
Naipaul como Nobel foi polêmica. Para o dramaturgo italiano Dario Fo se tratou
de uma escolha política em sentido amplo, para Marcel Reich Rani ki critico
alemão foi uma oportunidade desperdiçada e considera Naipul “um escritor de
viagens” e diz que a academia deveria ter premiado em seu lugar escritores como
John Updike e Philip Roth.
Quando eu li essas
criticas fiquei a pensar como se a minha resposta (o meu indico ou não indico)
fosse o prêmio Nobel.... pensei
em como as histórias das sociedades norte-americanas, por exemplo, são contatas e recontadas
e mesmo que boa parte da civilização se esforçasse com rigor em esquece-las se trataria de uma missão quase impossível, pois suas ideias e relatos estão
contidos nos mais diversos meios: cinema, música, teatro e reverberam
incessantemente por todo o mundo.
Por outro lado, quem conta a
história da dissolução do império britânico, em uma parte remota situada em uma ilha no mar
do Caribe, e ainda através do olhar de uma sociedade indiana? Dessa maneira,
acho que premiar o livro de Naipaul, indica-lo como uma leitura possível é
advogar pela pluralidade em um mundo cada vez mais uníssono. Indico o autor. Não
começaria necessariamente por este livro, mas sem dúvida alguma
recomendaria sua obra e seu olhar. Ressalto que a indicação do livro não se dá simplesmente por ele narrar um história por vezes pouco contada, mas para além disso, por narra -la com destreza e sem maiores julgamentos, como um atento observador.
UMA CASA PARA O SR. BISWAS
ResponderExcluirUm livro intrigante. Custoso de ler. Longo. Engraçado na chatice da vida que descreve, a dos imigrantes indianos da colônia britânica de Trinidad. Às vezes dramático, às vezes tragi-cômico. Uma crítica feroz ao sistema de castas, às crendices, à ignorância, à prepotência que vivenciou na sua infância e que descreve no livro.
O pai do autor inspirou o personagem central, Sr Biswas, um homem corajoso- à sua moda, na desgraça, no desafio. É covarde também. Às vezes irrita pela medo de reagir nos embates, e pelas constantes hesitações. Espanta pela força do caráter, comove na ternura com os filhos, na inabilidade com que lida com os negócios, na ingenuidade com que se deixa enganar.
O sr B não se encaixa em nenhum dos círculos que frequenta. Não ama e não é amado pela esposa, é distante dos filhos. Vagueia de casa em casa, de emprego em emprego. A cada pequena conquista se segue um fracasso. Um perdedor crônico. Por vezes dá a impressão de que, de tão deslocado, vai enlouquecer.
É uma vida desgraçada que tem como única esperanca o sonho de ser proprietário de uma casa- ele, que morou de favor em tantas.
O autor exagera nas descrições que tomam longos parágrafos, a ponto de deixar o leitor impaciente, ansiando por um pouco de ação. E a tão ansiada casa de Mr B só se delineia na metade do romance! Ufa!
Tentei parar a leitura mas näo consegui. Parecia estar atraída e imersa naquela imundície, miséria, violência, subnutrição, comida ruim, prepotência, crueldade e doenças de pele que cercavam o Sr B naquela pequena sociedade de famílias divididas em castas.
E afinal, a casa conquistada depois de tantos esforços tem a medida da vida do Sr B. É cheia de remendos, defeitos, hesitações, concessões. Pixe cai do teto, a madeira do piso empena. Mas é dele, seu pequeno triunfo.
Trata-se de uma violenta e bem humorada crítica à vida colonial da sua infância e, sendo sua 1a obra,um portento! Recomendo para pessoas que gostam de livros longos e descrições espetacularmente minuciosas
UMA CASA PARA SR. BISWAS
ResponderExcluirV.S. Naipaul
(Trinidad & Tobago)
Editora: Cia. Das Letras
Tradução: Paulo Henrique xxxx
NOTAS EM 8 DE MARÇO DE 2016
O autor parece fazer um acerto de contas com seu passado; e quer purgar suas emoções para que tenha o gosto, como ele próprio diz, de evocar este passado sem trazer associado o sentimento de alegria ou angústia.
O livro é um relato da saga de um anti-herói, inspirado na figura de seu pai.
O estilo agarra o leitor e os diálogos são carregados de irreverências e zombarias, lembrando o irlandês Bernard Shaw. Tem humor, é divertido, mas não chega a ser cômico, a meu ver.
Os personagens e os grupos familiares são muito bem modelados e caracterizados com esmero.
O texto não é separado por capítulos: apresenta a vida fluindo, mostrando um cenário de cada vez, em casas diferentes. A 1ª. Etapa em Hunaman, seguida de Greenville (comércio), depois no Acampamento (onde tenta construir uma casa que, frágil, é derrubada pela chuva), depois no interior do país - novas terras dos Tulsi (nova tentativa de possuir sua casa que, afinal, é incendiada), e novamente o retorno à residência dos Tulsi em Port of Spain (em duas diferentes fases).
Finalmente, sua verdadeira casa - na Sikkim Street – adquirida por meio de péssimo negócio: pagou-se caro por uma casa muito mal feita. Embora atordoado pelas dívidas, a casa própria foi o grito de liberdade – o sonho realizado - para Sr. Biswas e seus familiares.
Interessante notar que o prólogo já revela o final do livro – trata dos mesmos fatos.
Temas subjacentes:
- a questão da liderança familiar (mulher no papel de líder e ao mesmo tempo no papel de vítima);
- os costumes hinduístas (alimentação coletiva e com as mãos- violência com crianças... por ex.);
- a religião hinduísta, que aparece muito menos na mídia do que o islamismo, judaísmo e cristianismo;
- a permanente “ganância” do ser humano concretizada nos pequenos saques;
- as questiúnculas que provocam rivalidade e inveja entre os membros da família (estas me fizeram lembrar de uma frase da minha avó – “As grandes brigas de família são sempre sobre um detalhe – um vasinho na janela – a tampa da privada – a cueca amarelada – ou o pijama amarrotado”;
- as encenações (vitimização, choros);
- a constante violência entre homens e contra as mulheres e crianças;
Conclusão:
Recomendo, especialmente por ser um romance de “costumes” e que envolve o leitor do início ao fim.
Ma. Virginia de Vasconcellos em março de 2016