terça-feira, 8 de março de 2016

Uma Casa para Sr. Biswas

de V. S Naipaul 
 
 Resenha Ana Luiza Gomes Machado,  em 03/2016

O Autor

 
Naipaul, nasceu em Trinidad e Tobago, em 1932. Em 1950, vai para a Inglaterra estudar. Trabalhou como jornalista para a BBC. Doutor honoris causa pelas universidades de Cambridge, Londres, Oxford e Columbia, foi sagrado cavaleiro britânico pela rainha Elizabeth II em 1990 em 2001 é agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura.



    A Ilha

       Trinidad, ilha de maior extensão territorial (4.800 quilômetros quadrados), abriga a maioria da população, que é constituída principalmente de descendentes de escravos africanos, além de imigrantes indianos e chineses. Tobago, por sua vez, possui cerca de 330 quilômetros quadrados, entretanto, nessa ilha são encontradas as mais belas praias do país. Durante o período colonial, o país se tornou grande produtor de cana-de-açúcar, utilizando mão de obra escrava. Na segunda metade do século XX, foram encontradas grandes reservas detz petróleo e gás natural, passando a ser os principais produtos de exportação e fonte de receitas de Trinidad e Tobago. 

    Estrutura do Livro

     O livro é organizado em primeira e segunda parte. Podemos observar que embora o livro não se atenha diretamente em detalhes históricos, há uma demarcação na divisão do livro entre o mundo rural e o mundo da cidade o que esta diretamente relacionado com a evolução histórica da própria ilha. A estrutura social predominantemente rural e de exploração da cana de açúcar na qual se ambienta a primeira parte da obra e o  universo urbano associado à exploração do petróleo, no qual se passa a segunda parte do livro.
   O narrador é onisciente e acompanha a saga do Sr. Biswas de maneira linear e cronológica (nascimento- vida e morte). A narrativa pode ser considerada circular uma vez que o prólogo do livro antecipa o epílogo, no entanto isso não compromete a linha mestra do livro.
   A narrativa é simples e clara e acompanha toda a trajetória do sr. Biswas na busca de seu maior desejo que é a propriedade. Embora o contexto da ilha sugira uma multiculturalidade o narrador foca apenas na comunidade indiana da qual o protagonista faz parte.
Os demais representantes dessa sociedade existem, mas em caráter marginal como, por exemplo, concubina chinesa de seu tio ou a empregada “pretinha” da matriarca Tulsi.
     A existência desses outros povos fica mais evidente na segunda parte do livro quando o Sr. Biswas observa os negros da cidade e ainda quando mudando para Shorthills observa os colonos francês. Não existem interações maiores e, portanto, ao leitor somente é permitido vislumbrar ecos distantes dessas outras comunidades que habitam espaços comuns mais não interagem.
   A obra se classifica como romance de formação no qual a temática predominante é o conflito gerado pelo deslocamento (ao meu ver, o fenômeno ocorre em dois momentos tanto na saída da Índia para virar mão de obra na Ilha, como na ida para Inglaterra na  busca pelo conhecimento). Outros elementos que caracterizam o romance de formação são a assimilação (observar que muitas vezes os indianos já se comunicam em inglês dentro das famílias, muitos já internalizam o cristianismo; a miscigenação (o casamento do filho da Sra. Tulsi com uma presbiteriana, a moradia. O sonho do anti-herói de ter sua própria casa (a busca pela individualidade).
5        O contexto histórico da obra é o caribe pós-colonial e pós-escravocrata, com o advento da abolição muitos imigrantes indianos são levados para o trabalho nas colônias do império britânico.
O livro foi escrito em período do boom da literatura caribenha que se situa nos anos de 1950 e 1965 quando muitos escritores das colônias vão para Londres. É uma obra de desconstrução do império britânico.

       A posse e a propriedade

       Um tema rico em discussões e debates na área do direito são os conceitos de posse e propriedade, embora a posse tenha a aparência aparência de propriedade, ou seja, é possível por meio dela externalizar prerrogativas de proprietário, aquele que tem a posse de um imóvel e não é seu proprietário ostenta a categoria de detentor.
       O senhor Biswas não pode ser considerado detentor dos espaços que ocupa na casa (ou nas casas) da família Tulsi.  No ambiente e no seio do Clã Tulsi, ele é uma espécie de pária que vaga pelos cômodos, que ocupa espaços a contragosto e que não pode demonstrar o menor impulso de individualidade. No organismo que é o clã da família, materializado pelo Casa Hanuman quaisquer manifestações de individualidade são veemente rechaçadas.
     O conceito de lar e identidade a ele associada somente irá ser brevemente abordado na segunda parte do livro. O narrador destaca em especial a construção da memória. O narrador revela que será ali, na fragilidade de uma casa precária que serão construídos os pilares e a memória dos descendentes de Biswas.

 O anti-herói em busca de uma casa



 O “remador” não pode ser considerado um herói. Reclamão, irônico, ferino e, por fim, agressor. Agredindo verbal e fisicamente a mulher, desejando veladamente a colega do trabalho no serviço público (atraído pela representação feminina que não conheceu). Não se trata, portanto, de um herói, com qualidades superiores as de seu meio, mas justamente o oposto, é primordialmente um homem de seu meio, e seu único movimento de resistência é remar contra a corrente comunitária e feudal da sociedade indiana e buscar, por meio do desejo de uma casa, sua individualidade.


8  
      Personagens marcantes

      Biswas, Mãe de Biswas, os tios, Casa Hanumam, Shama, a Sra. Tulsi, Seth, Anandi e Savi.

    A mãe do senhor Biswas é uma mulher nula. Não se pode dela esperar nada, ela esmagada pelo peso do destino, sobre ela recaem todo o peso da ancestralidade das castas e dos preconceitos da sociedade indiana.
    Os tios de Biswas representam uma sociedade feudal na qual os parentes são cooptados como vassalos e assumem os papeis que estes determinam. Eles não estão dispostos a dividir, a permitir que os membros de sua família tenho autonomia sobre seu destino ou desenvolvam alguma potencialidade. Na verdade, eles definem os papéis que cada um deve exercer. Embora revestida da aparência de família, a estrutura se assemelha a um feudo.
     A casa Hanumam é um personagem que exprime toda as vicissitudes da sociedade indiana: a submissão das mulheres, a agressão física à mulher como traço de respeito e admiração, o abandona a higiene, o papel da mulher como circunscrito a servir o homem e a educação como privilégio apenas do homem. A casa se revela também como um empreendimento mercantil, tendo em vista seus costumes, as tradições indianas e a falta de autonomia das mulheres, os maridos são cooptados como mão de obra barata.
    Anandi , representa o próprio autor.  Por meio de Savi, no final do livro, é possível observar uma redenção das mulheres um apontamento para o futuro. Observar que a Seth se refere a Savi com “remadorazinha”, o Sr. Biswas não a percebe muito, uma vez que por ser mulher sua figura vai sendo obscurecida pela figura de Anandi, no entanto essa pequena revelação de sua personalidade faz uma boa ligação com o término da história e o papel que é possível vislumbrar para essa personagem.

      Elementos relevantes (o sexo, a dor de estomago)

      Em nenhum momento do livro é mencionado o sexo. Somente se fala dos filhos, imagino que , uma vez que a relação sexual seja um ato de intimidade, o narrador não pode alcança-la, não se é permitido esse tipo de intimidade somente é possível vislumbrarmos a consequência desse ato, que por sua própria natureza é externo e, por que não, comunitário – a gravidez, o filho.
       A violência contra a mulher como um comportamento social e louvável, revela o papel da mulher na sociedade. Interessante mencionar que em algumas dos breves momentos nos quais são mencionadas as sociedades africanas, observa-se que nelas a mulher, aparentemente, tem mais poder.
     A derrota do liberalismo por meio da desistência do Senhor Biswas de ler os livros de Samuel Smiles, a ineficácia de tal leitura naquela sociedade, na qual não seria possível vencer por seus próprios méritos, pelo esforço individual a sociedade era hostil a livre iniciativa, uma sociedade limitadora.
     A comida como um laço de escravidão e subserviência. Imagino que a dor constante de senhor biswas sempre se manifestando na “barriga” seja uma metáfora, uma metáfora para o poder, para a fome, para a miséria e para o vínculo de poder manifestado por aqueles que detém a comida, aqueles que servem (ou permitam que se sirvam os outros).
Por meio da comida é possível também destacar potencialidades e futuros: quem come ameixas e leite, estuda. A comida é um elemento tão poderoso no livro que chegar a selar destinos.


     A avaliação pessoal do livro (indico ou não indico)  x repercussão do Nobel

           A escolha de Naipaul como Nobel foi polêmica. Para o dramaturgo italiano Dario Fo se tratou de uma escolha política em sentido amplo, para Marcel Reich Rani ki critico alemão foi uma oportunidade desperdiçada e considera Naipul “um escritor de viagens” e diz que a academia deveria ter premiado em seu lugar escritores como John Updike e Philip Roth.
      Quando eu li essas criticas fiquei a pensar como se a minha resposta (o meu indico ou não indico) fosse o prêmio Nobel.... pensei em como as histórias das sociedades norte-americanas, por exemplo, são contatas e recontadas e mesmo que boa parte da civilização se esforçasse com rigor em esquece-las  se trataria de uma missão quase impossível, pois suas ideias e relatos estão contidos nos mais diversos meios: cinema, música, teatro e reverberam incessantemente por todo o mundo.
     Por outro lado, quem conta a história da dissolução do império britânico,  em uma parte remota situada em uma ilha no mar do Caribe,  e ainda através do olhar de uma sociedade indiana? Dessa maneira, acho que premiar o livro de Naipaul, indica-lo como uma leitura possível é advogar pela pluralidade em um mundo cada vez mais uníssono. Indico o autor. Não começaria necessariamente por este livro, mas sem dúvida alguma recomendaria sua obra e seu olhar. Ressalto que a indicação do livro não se dá simplesmente por ele narrar um história por vezes pouco contada, mas para além disso, por narra -la com destreza e sem maiores julgamentos, como um atento observador.





2 comentários:

  1. UMA CASA PARA O SR. BISWAS

    Um livro intrigante. Custoso de ler. Longo. Engraçado na chatice da vida que descreve, a dos imigrantes indianos da colônia britânica de Trinidad. Às vezes dramático, às vezes tragi-cômico. Uma crítica feroz ao sistema de castas, às crendices, à ignorância, à prepotência que vivenciou na sua infância e que descreve no livro.
    O pai do autor inspirou o personagem central, Sr Biswas, um homem corajoso- à sua moda, na desgraça, no desafio. É covarde também. Às vezes irrita pela medo de reagir nos embates, e pelas constantes hesitações. Espanta pela força do caráter, comove na ternura com os filhos, na inabilidade com que lida com os negócios, na ingenuidade com que se deixa enganar.
    O sr B não se encaixa em nenhum dos círculos que frequenta. Não ama e não é amado pela esposa, é distante dos filhos. Vagueia de casa em casa, de emprego em emprego. A cada pequena conquista se segue um fracasso. Um perdedor crônico. Por vezes dá a impressão de que, de tão deslocado, vai enlouquecer.
    É uma vida desgraçada que tem como única esperanca o sonho de ser proprietário de uma casa- ele, que morou de favor em tantas.
    O autor exagera nas descrições que tomam longos parágrafos, a ponto de deixar o leitor impaciente, ansiando por um pouco de ação. E a tão ansiada casa de Mr B só se delineia na metade do romance! Ufa!
    Tentei parar a leitura mas näo consegui. Parecia estar atraída e imersa naquela imundície, miséria, violência, subnutrição, comida ruim, prepotência, crueldade e doenças de pele que cercavam o Sr B naquela pequena sociedade de famílias divididas em castas.
    E afinal, a casa conquistada depois de tantos esforços tem a medida da vida do Sr B. É cheia de remendos, defeitos, hesitações, concessões. Pixe cai do teto, a madeira do piso empena. Mas é dele, seu pequeno triunfo.
    Trata-se de uma violenta e bem humorada crítica à vida colonial da sua infância e, sendo sua 1a obra,um portento! Recomendo para pessoas que gostam de livros longos e descrições espetacularmente minuciosas


    ResponderExcluir
  2. UMA CASA PARA SR. BISWAS
    V.S. Naipaul
    (Trinidad & Tobago)

    Editora: Cia. Das Letras
    Tradução: Paulo Henrique xxxx

    NOTAS EM 8 DE MARÇO DE 2016

    O autor parece fazer um acerto de contas com seu passado; e quer purgar suas emoções para que tenha o gosto, como ele próprio diz, de evocar este passado sem trazer associado o sentimento de alegria ou angústia.

    O livro é um relato da saga de um anti-herói, inspirado na figura de seu pai.

    O estilo agarra o leitor e os diálogos são carregados de irreverências e zombarias, lembrando o irlandês Bernard Shaw. Tem humor, é divertido, mas não chega a ser cômico, a meu ver.
    Os personagens e os grupos familiares são muito bem modelados e caracterizados com esmero.

    O texto não é separado por capítulos: apresenta a vida fluindo, mostrando um cenário de cada vez, em casas diferentes. A 1ª. Etapa em Hunaman, seguida de Greenville (comércio), depois no Acampamento (onde tenta construir uma casa que, frágil, é derrubada pela chuva), depois no interior do país - novas terras dos Tulsi (nova tentativa de possuir sua casa que, afinal, é incendiada), e novamente o retorno à residência dos Tulsi em Port of Spain (em duas diferentes fases).

    Finalmente, sua verdadeira casa - na Sikkim Street – adquirida por meio de péssimo negócio: pagou-se caro por uma casa muito mal feita. Embora atordoado pelas dívidas, a casa própria foi o grito de liberdade – o sonho realizado - para Sr. Biswas e seus familiares.
    Interessante notar que o prólogo já revela o final do livro – trata dos mesmos fatos.

    Temas subjacentes:
    - a questão da liderança familiar (mulher no papel de líder e ao mesmo tempo no papel de vítima);
    - os costumes hinduístas (alimentação coletiva e com as mãos- violência com crianças... por ex.);
    - a religião hinduísta, que aparece muito menos na mídia do que o islamismo, judaísmo e cristianismo;
    - a permanente “ganância” do ser humano concretizada nos pequenos saques;
    - as questiúnculas que provocam rivalidade e inveja entre os membros da família (estas me fizeram lembrar de uma frase da minha avó – “As grandes brigas de família são sempre sobre um detalhe – um vasinho na janela – a tampa da privada – a cueca amarelada – ou o pijama amarrotado”;
    - as encenações (vitimização, choros);
    - a constante violência entre homens e contra as mulheres e crianças;

    Conclusão:
    Recomendo, especialmente por ser um romance de “costumes” e que envolve o leitor do início ao fim.

    Ma. Virginia de Vasconcellos em março de 2016

    ResponderExcluir