de Alejo Carpentier
comentários por Carlos Guido Azevedo
"O reino deste mundo"
conta uma história do sofrimento terrível do povo Haitiano em sua trajetória
para a miséria perpétua, suportada por uma fé própria, o Vodu, que recria a realidade
na visão do oprimido, dando a ele poderes mágicos para suportar o reino deste
mundo sem glorificar a vida no outro mundo como fazem as outras religiões, mas,
sim, construindo uma outra narrativa sobre a realidade cruel e transmutando o
sofrimento em poder, para os seus heróis martirizados.
Carpentier publicou este livro em
1949 e acho que ele é atual em todos os sentidos para descrever a miséria em
que vive o país que primeiro aboliu a escravidão e conseguiu que os antigos
escravos tratassem ainda pior os seus semelhantes.
A base narrativa é montada sobre
um personagem que permeia todos os ciclos da história do Haiti, o Tim Noel. Ele
mesmo padecendo todas as desventuras do seu povo e milagrosamente sobrevivendo
a todas as revoluções e martírios.
Dividido em quatro partes. A
primeira apresenta Ti Noel jovem escarvo bem tratado por seu patrão Monsieur
Lenormand de Mezy, que, no entanto, marca a fogo seus escravos e costuma cortar
algum membro de escravos fujões, como é o caso de Mackandal que perde um braço
e se esconde em uma gruta e começa a trabalhar com Vodu e, com ervas passa a
envenenar os animais mais bonitos e os próprios senhores brancos, criando o
mito que se transmuta em animais e está sempre presente nas seções de Vodu,
como cobra ou outro ser qualquer, sempre comunicando-se através dos tambores
tocados em diferentes lugares e do sopro dos caramujos? que apavora os senhores
brancos e os fazem convocar o exército para prender o Mackandal e seus
seguidores.
Com todas as rebeliões esta,
também é sufocada e Mackandal morto, mas sua morte não é assumida por seus
seguidores que atestam sua fuga como um pássaro e criam assim, uma tradição de
recriar a realidade através de uma percepção mágica e distorcida da realidade.
A segunda parte descreve uma nova
rebelião, organizada por Boukman, da mesma forma de sempre, de repente as
trombetas de caracóis começavam a tocar e outras e outras respondem de toda a
parte, como se todos os caracóis que jaziam solitários e petrificados ganhassem
vida e determinasse que todas as portas se abrissem, de dentro pra fora, e autorizassem
a que todos os patrões fossem arrastados e mortos e suas mulheres e filhas
estupradas e mortas. A rebelião é reprimida com violência e seu líder morto,
mas parte da população branca sobrevivente emigra para Cuba, incluindo
Monsenhor de Mezy e seu escravo Ti Noel, salvo da decapitação pelo seu dono, na
última hora.
Na terceira seção do livro Ti
Noel, liberto por seu novo dono, ainda na ilha de Cuba, emigra de volta ao
Haiti. Mas, não encontra mais o país que deixara, agora um rei negro, que adota
a religião católica e todos os seus ritos, em contraposição à religião dos
seus, e oprime ainda mais barbaramente os outros negros e os força ao trabalho
forçado para construir uma enorme fortaleza. Empareda um bispo católico que o
havia desobedecido e em um colapso nervoso o vê entrando na catedral com toda a
pompa e em crise fica paralítico e acaba deposto e se suicida, sendo levado par
a fortaleza com sua mulher e filhas, que conseguem ser deportadas para a Itália
ou França?.
A última parte do livro, a
realidade mágica ou “irrealidade” assume um papel mais destacado porque o Ti
Noel, volta as ruínas de sua primeira senzala, monta um reinado para sí e passa
a conversar com as pedras, pássaros e com quem mais aparecer para contar as
muitas coisas que tem vivido e a distribuir comendas a quem encontra em seu
reinado e, tenta resistir sem muita consequência aos novos dominadores mulatos
que se fazem senhores da terra e do país com índole ainda mais violentas que as
gerações anteriores.
Ti Noel, velho, louco e miserável,
memória viva das desgraças de seu povo, desaparece nas grutas onde se
encontrara com Mackandal e aprendera as técnicas do Vodu para enfrentamento dos
primeiros dominadores, os franceses.
Pobre Haiti cuja ausência de
lideranças comprometidas com seu povo, escreve ainda hoje uma história de
miséria e dor, dando uma aula viva a todas as nações do que acontece quando
seus líderes se distanciam do povo para servir aos interesses pessoais.
Recomendo a leitura do livro, com
restrições, porque como abertura de um novo estilo de realidade mágica, o livro
tem valor histórico, mas depois de estarmos plenos de realidade mágica acho que
ficou ultrapassado em seu desenrolar confuso e sobreposto, com detalhamentos de
ambiência exagerados e as vezes fora de contexto, perdendo-se em descrições
supérfluas sem significados para o enredo e a estória.
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