terça-feira, 8 de dezembro de 2015

O Reino Deste Mundo


de Alejo Carpentier

comentários por Carlos Guido Azevedo


"O reino deste mundo" conta uma história do sofrimento terrível do povo Haitiano em sua trajetória para a miséria perpétua, suportada por uma fé própria, o Vodu, que recria a realidade na visão do oprimido, dando a ele poderes mágicos para suportar o reino deste mundo sem glorificar a vida no outro mundo como fazem as outras religiões, mas, sim, construindo uma outra narrativa sobre a realidade cruel e transmutando o sofrimento em poder, para os seus heróis martirizados.
Carpentier publicou este livro em 1949 e acho que ele é atual em todos os sentidos para descrever a miséria em que vive o país que primeiro aboliu a escravidão e conseguiu que os antigos escravos tratassem ainda pior os seus semelhantes.
A base narrativa é montada sobre um personagem que permeia todos os ciclos da história do Haiti, o Tim Noel. Ele mesmo padecendo todas as desventuras do seu povo e milagrosamente sobrevivendo a todas as revoluções e martírios.
Dividido em quatro partes. A primeira apresenta Ti Noel jovem escarvo bem tratado por seu patrão Monsieur Lenormand de Mezy, que, no entanto, marca a fogo seus escravos e costuma cortar algum membro de escravos fujões, como é o caso de Mackandal que perde um braço e se esconde em uma gruta e começa a trabalhar com Vodu e, com ervas passa a envenenar os animais mais bonitos e os próprios senhores brancos, criando o mito que se transmuta em animais e está sempre presente nas seções de Vodu, como cobra ou outro ser qualquer, sempre comunicando-se através dos tambores tocados em diferentes lugares e do sopro dos caramujos? que apavora os senhores brancos e os fazem convocar o exército para prender o Mackandal e seus seguidores.
Com todas as rebeliões esta, também é sufocada e Mackandal morto, mas sua morte não é assumida por seus seguidores que atestam sua fuga como um pássaro e criam assim, uma tradição de recriar a realidade através de uma percepção mágica e distorcida da realidade.   
A segunda parte descreve uma nova rebelião, organizada por Boukman, da mesma forma de sempre, de repente as trombetas de caracóis começavam a tocar e outras e outras respondem de toda a parte, como se todos os caracóis que jaziam solitários e petrificados ganhassem vida e determinasse que todas as portas se abrissem, de dentro pra fora, e autorizassem a que todos os patrões fossem arrastados e mortos e suas mulheres e filhas estupradas e mortas. A rebelião é reprimida com violência e seu líder morto, mas parte da população branca sobrevivente emigra para Cuba, incluindo Monsenhor de Mezy e seu escravo Ti Noel, salvo da decapitação pelo seu dono, na última hora.
Na terceira seção do livro Ti Noel, liberto por seu novo dono, ainda na ilha de Cuba, emigra de volta ao Haiti. Mas, não encontra mais o país que deixara, agora um rei negro, que adota a religião católica e todos os seus ritos, em contraposição à religião dos seus, e oprime ainda mais barbaramente os outros negros e os força ao trabalho forçado para construir uma enorme fortaleza. Empareda um bispo católico que o havia desobedecido e em um colapso nervoso o vê entrando na catedral com toda a pompa e em crise fica paralítico e acaba deposto e se suicida, sendo levado par a fortaleza com sua mulher e filhas, que conseguem ser deportadas para a Itália ou França?.
A última parte do livro, a realidade mágica ou “irrealidade” assume um papel mais destacado porque o Ti Noel, volta as ruínas de sua primeira senzala, monta um reinado para sí e passa a conversar com as pedras, pássaros e com quem mais aparecer para contar as muitas coisas que tem vivido e a distribuir comendas a quem encontra em seu reinado e, tenta resistir sem muita consequência aos novos dominadores mulatos que se fazem senhores da terra e do país com índole ainda mais violentas que as gerações anteriores.
Ti Noel, velho, louco e miserável, memória viva das desgraças de seu povo, desaparece nas grutas onde se encontrara com Mackandal e aprendera as técnicas do Vodu para enfrentamento dos primeiros dominadores, os franceses.
Pobre Haiti cuja ausência de lideranças comprometidas com seu povo, escreve ainda hoje uma história de miséria e dor, dando uma aula viva a todas as nações do que acontece quando seus líderes se distanciam do povo para servir aos interesses pessoais.  
Recomendo a leitura do livro, com restrições, porque como abertura de um novo estilo de realidade mágica, o livro tem valor histórico, mas depois de estarmos plenos de realidade mágica acho que ficou ultrapassado em seu desenrolar confuso e sobreposto, com detalhamentos de ambiência exagerados e as vezes fora de contexto, perdendo-se em descrições supérfluas sem significados para o enredo e a estória.

Nenhum comentário:

Postar um comentário