terça-feira, 9 de junho de 2015

SAMARCANDA

de Amin Maalouf
Editora Brasiliense (1991)
por Mônica Ferreira Dias
Nascido no Líbano em 1949, Amin Maalouf seguiu carreira de jornalista que lhe valeu os conhecimentos sobre Oriente Médio e norte da África, além das formações em economia e sociologia. Foi diretor do jornal An-Nahar International e redator no Jeune Afrique e, desde 1976 vive em Paris. Destina a maior parte do seu tempo à preparação dos seus livros, que quase sempre requerem uma profunda investigação histórica. Já recebeu vários prêmios, como o Prix Maison de La Presse, com a obra “As cruzadas vistas pelos árabes” e o Prémio Goncourt de 1993, com “O rochedo de tanios”.

“Samarcanda é uma muito nobre e enorme cidade, onde se encontram belos jardins e todos os frutos que o homem possa desejar. As suas gentes são cristãs e sarracenas”.
Marco Polo – Descobertas do Mundo, o Livro das Maravilhas (Tomo I)

É uma das mais antigas cidades do mundo, tendo sido fundada, aproximadamente, em 700 a.C. Foi conquistada por Alexandre, o Grande em 329 a.C., quando era conhecida sob o nome de “Marakanda”.
Foi conquistada pelos árabes em 712 e brilhou sob o império dos Samânidas. Samarcanda foi provavelmente a capital da Sogdiana até a invasão chinesa da região então conhecida como Transoxiana. Revoltados com o domínio chinês, uma coligação dos povos árabes, iranianos e turcos derrotou os chineses na batalha de Talas em 751, e capturou artesãos de papel chineses, tornando Samarcanda no primeiro centro de fabricação de papel do mundo islâmico.
O matemático, astrônomo e poeta persa Omar Khayyam (1048-1131) residiu na cidade de 1072 a 1074, antes de se instalar em Ispahan, no Irã, por convite do sultão seljúcida Malik Shah I. Em Samarcanda escreveu um tratado de álgebra.
O exército de Gengis Khan sitiou e destruiu a cidade em 1220. Marco Polo não passou por Samarcanda, pois seu itinerário para a China seguia mais ao sul, pelo Afeganistão, mas o sei pai e tio foram até Bucara pela tradicional Rota da Seda cujo prolongamento natural atravessava Samarcanda antes de chegar às montanhas do Pamir.
A curiosidade por Samarcanda foi despertada em conversas esotéricas com uma amiga que me falou reiteradas vezes desta cidade, rota de caravanas que comercializavam produtos ocidente-oriente. Profundamente interessada pela região do Oriente Médio, as poucas viagens que fiz não saciaram o interesse e mantiveram vívida uma curiosidade deste mundo longínquo que desperta meu imaginário desde a infância. Quando comprei o livro “Por que ler os contemporâneos? ”, coletânea de verbetes de 101 escritores representativos das principais tendências literárias do século 21, deparei com Amin Maalouf e sua obra Sambarcada – escrita em 1988, romance que inicia no século 11 na Pérsia, sobre a saga de um manuscrito desde 1072 até o naufrágio do Titanic em 1912. A leitura tornou-se obrigatória, dentro ou fora de nosso Clube de Leitura. Agradeço a votação que nos trouxe a este encontro.
Benjamin Omar Lesage, é o narrador desta história dividida em duas partes, a primeira protagonizada por três persas que marcaram o início do milênio passado: Omar Khayyan, sábio, poeta, matemático e astrônomo que registrou observação do cotidiano resultando em diversos ensinamentos, Nizam-el-Molk, governante enredado em guerras territoriais e de poder e, Hassan Sabbah, personalidade deturpada que conduziu a criação de um modus operandi terrorista para tomada de poder e instauração de uma nova ordem – fundador da Seita dos Assassinos.
A história destes persas que acontece no século XI, se entrelaçam nas andanças pelas cidades da Pérsia, império russo e Afeganistão. Retrata as aventuras de Omar Khayyam, cujas ideias revolucionárias sobre pensamento livre, o amor, o vinho e a vida, e que foram registradas com esmero no Rubáiyát – único exemplar do famoso Manuscrito de Samarcanda. Quando o grão-vizir Nizam-el-Molk é assassinado e a cidade passa às mãos do sultão Barkyaruk, todos no palácio foram executados pelos soldados do sultão e, o guarda-costas de Nizam, Vartan, é que vai dar a notícia da morte da esposa de Khayyam e informar que foi dado ordem de executá-lo. Vartan se oferece para executá-lo, mas sua verdadeira intenção é fugir com Khayyam tornando-se, a partir deste momento seu discípulo. É Vartan o guardião do manuscrito nas andanças que empreendem pelas cidades da Pérsia ao mesmo tempo que inicia o registro no mesmo Manuscrito da história do mesmo e também de seu autor – a infância de Khayyam em Nichapur, juventude em Samarcanda, fama em Ispahan e seus encontros com personagens: Abu-Taher, Djahane – sua ambiciosa mulher que manipulava os acontecimentos do harém em proveito próprio, Hassan, Nizam e muitos outros.
Por razões diversas, Khayyam e Djahane decidem não deixar descendentes – “ela age por excesso de ambição e ele por excesso de desapego” (pg.99).
É em 1114 quando se encontra vivendo na cidade de Merv, sob os auspícios do soberano local que seu manuscrito é roubado por enviados de Hassan e permanecerá por 100 anos em Alamut – fortaleza sobre um rochedo, reduto inacessível, onde recruta e treina seus enviados que devem executar os escolhidos dentro dos preceitos estabelecidos – “não somos assassinos, mas executores, devemos agir em público, para dar exemplo. Matamos um homem, com isso aterrorizamos cem mil” (pg. 127).
Institui uma hierarquia rígida de papéis e conduta: no topo Hassan, o grande mestre; em seguida dos dai – missionários-propagandistas; na sequencia os rafik – confrades que recebem os ensinamentos e habilitados a comandar uma fortaleza ou dirigir a organização dentro de uma cidade ou província; seguem-se os mujib – os noviços que recebem os ensinamentos e, de acordo com suas habilidades poderão se tornar confrades ou fidai – são os que se sacrificam pela causa, cujo perfil é ter grande habilidade e resistência e pouca aptidão para os ensinamentos – estes tornar-se-iam os missionários da causa. Como resistência os assassiyun[1] uma outra ordem se instaurou – Nizamiya em lealdade ao vizir assassinado Nizam, para espalhar o terror como método mas insidiosos.
Não deixa de ser um registro histórico das cidades por onde passaram os personagens – a dicotomia da população que vivia e circulava por bairros pobres e poeirentos com os emires em seus palácios suntuosos, comida farta e noitadas, das caravanas de camelos que circulavam pela Rota da Seda e dos caravançarai – local de descanso destas caravanas nas cidades do percurso da rota. As intrigas, emboscadas, guerras que parecem perpetuar-se nesta região. Esta dicotomia que insiste em permanecer até os dias atuais.
Quando Alamut é saqueada pelo exército de Gengis Khan pensou-se que o manuscrito tinha sido queimado junto com a imensa biblioteca que Hassan mantinha no local. Gengis em suas ondas de invasão arrasa as grandes cidades como Merv, Balkh, Nichapur e Rayy – berço da medicina oriental, Samarcanda, que se reergue para se tornar a capital do império de Tamerlão, Pequin, Bucara, Bagdá, Damasco, Cracóvia, dentre outras.
Do nome do narrador da história, “Omar” é uma homenagem de seus pais à Omar Khayyam, de quem são admiradores quando nos anos 1870 a onda Khayyam se alastrou de Paris para Londres. A peregrinação de Lesage que mora em Maryland/EUA inicia em 1895 quando viaja ao velho continente para passar uns dias com seu avô Charles-Hubert de Luçay em Paris, que acaba apresentando-o ao primo Victor-Henri de Rochefort-Luçay, ex-deputado, ex-ministro, personagem ilustre na comunidade política. Ele será o elo que estimulará Lesage a sair pelo mundo tentando localizar o manuscrito perdido, mantendo contato com diversos personagens como Djamaleddin, Mirza Reza, Fazel. Neste percurso, quando está em Trebizonda para encontrar-se com Mirza Reza, única pista do manuscrito, acontece o assassinato do Xá com a incriminação de Reza e, consequentemente Lesage que havia sido visto conversando com Reza. Sua fuga da Pérsia é patrocinada por Chirine que é quem acaba recuperando o manuscrito que fica em sua mesinha de cabeceira no palácio que ocupa em Tabriz.
Nesta segunda parte do livro existem diversas passagens registrando o uso das riquezas da região pelas potências europeias e russa. Os acordos perniciosos à população que não permitem a empreitada de Morgan Shuster – tesoureiro-geral da Pérsia, americano escolhido para colocar as finanças da Pérsia em dia, primeiro passo para a recuperação da independência do país. Teve dificuldades com o status quo estabelecido, pois apesar de contar com plenos poderes confiado pelo Parlamento persa, ao não se curvar aos interesses ingleses, russos, belgas e austríacos começou a instigar a ira principalmente do Czar russo que empreitou diversas missões visando retomar as relações seculares que saquearam os cofres públicos.
No meio desta intriga, Lesage e Chirine – neta do Xá do Irã, resolvem empreender uma vida conjunta nos Estados Unidos levando consigo o manuscrito. O retorno dá-se em grande estilo para a América no Titanic. Conseguem salvar suas vidas do naufrágio, mas não seu tesouro.
Não pesquisei se Hassan e sua seita existiram de fato ou são apenas uma ficção histórica. Sua estrutura de terror faz crer numa visão futurista desta última década onde o terror esteve presente em diversos locais do planeta.
Existem muitos personagens, o que exige atenção do leitor, mas este estilo que mistura registros históricos com a trama muito me agrada. Recomendo.
Concordo com o que diz Victor Necchi escreve no livro – “há uma permanente adoração não apenas à poesia e à sabedoria de Khayyam, mas ao livro como emblema do conhecimento e da preservação da cultura”.


[1] Os assassiyun são os fiéis ao Assass – fundamento da fé.

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