de Amin Maalouf
Editora Brasiliense (1991)
por Mônica Ferreira Dias
Nascido no Líbano em 1949, Amin Maalouf seguiu carreira de jornalista que lhe valeu os conhecimentos sobre Oriente Médio e norte da África, além das formações em economia e sociologia. Foi diretor do jornal An-Nahar International e redator no Jeune Afrique e, desde 1976 vive em Paris. Destina a maior parte do seu tempo à preparação dos seus livros, que quase sempre requerem uma profunda investigação histórica. Já recebeu vários prêmios, como o Prix Maison de La Presse, com a obra “As cruzadas vistas pelos árabes” e o Prémio Goncourt de 1993, com “O rochedo de tanios”.
“Samarcanda é uma muito nobre e enorme cidade, onde se encontram belos jardins e todos os frutos que o homem possa desejar. As suas gentes são cristãs e sarracenas”.
Marco Polo – Descobertas do Mundo, o Livro das Maravilhas (Tomo I)
É uma das mais antigas cidades do mundo, tendo sido fundada, aproximadamente, em 700 a.C. Foi conquistada por Alexandre, o Grande em 329 a.C., quando era conhecida sob o nome de “Marakanda”.
Foi conquistada pelos árabes em 712 e brilhou sob o império dos Samânidas. Samarcanda foi provavelmente a capital da Sogdiana até a invasão chinesa da região então conhecida como Transoxiana. Revoltados com o domínio chinês, uma coligação dos povos árabes, iranianos e turcos derrotou os chineses na batalha de Talas em 751, e capturou artesãos de papel chineses, tornando Samarcanda no primeiro centro de fabricação de papel do mundo islâmico.
O matemático, astrônomo e poeta persa Omar Khayyam (1048-1131) residiu na cidade de 1072 a 1074, antes de se instalar em Ispahan, no Irã, por convite do sultão seljúcida Malik Shah I. Em Samarcanda escreveu um tratado de álgebra.
O exército de Gengis Khan sitiou e destruiu a cidade em 1220. Marco Polo não passou por Samarcanda, pois seu itinerário para a China seguia mais ao sul, pelo Afeganistão, mas o sei pai e tio foram até Bucara pela tradicional Rota da Seda cujo prolongamento natural atravessava Samarcanda antes de chegar às montanhas do Pamir.
A curiosidade por Samarcanda foi despertada em conversas esotéricas com uma amiga que me falou reiteradas vezes desta cidade, rota de caravanas que comercializavam produtos ocidente-oriente. Profundamente interessada pela região do Oriente Médio, as poucas viagens que fiz não saciaram o interesse e mantiveram vívida uma curiosidade deste mundo longínquo que desperta meu imaginário desde a infância. Quando comprei o livro “Por que ler os contemporâneos? ”, coletânea de verbetes de 101 escritores representativos das principais tendências literárias do século 21, deparei com Amin Maalouf e sua obra Sambarcada – escrita em 1988, romance que inicia no século 11 na Pérsia, sobre a saga de um manuscrito desde 1072 até o naufrágio do Titanic em 1912. A leitura tornou-se obrigatória, dentro ou fora de nosso Clube de Leitura. Agradeço a votação que nos trouxe a este encontro.
Benjamin Omar Lesage, é o narrador desta história dividida em duas partes, a primeira protagonizada por três persas que marcaram o início do milênio passado: Omar Khayyan, sábio, poeta, matemático e astrônomo que registrou observação do cotidiano resultando em diversos ensinamentos, Nizam-el-Molk, governante enredado em guerras territoriais e de poder e, Hassan Sabbah, personalidade deturpada que conduziu a criação de um modus operandi terrorista para tomada de poder e instauração de uma nova ordem – fundador da Seita dos Assassinos.
A história destes persas que acontece no século XI, se entrelaçam nas andanças pelas cidades da Pérsia, império russo e Afeganistão. Retrata as aventuras de Omar Khayyam, cujas ideias revolucionárias sobre pensamento livre, o amor, o vinho e a vida, e que foram registradas com esmero no Rubáiyát – único exemplar do famoso Manuscrito de Samarcanda. Quando o grão-vizir Nizam-el-Molk é assassinado e a cidade passa às mãos do sultão Barkyaruk, todos no palácio foram executados pelos soldados do sultão e, o guarda-costas de Nizam, Vartan, é que vai dar a notícia da morte da esposa de Khayyam e informar que foi dado ordem de executá-lo. Vartan se oferece para executá-lo, mas sua verdadeira intenção é fugir com Khayyam tornando-se, a partir deste momento seu discípulo. É Vartan o guardião do manuscrito nas andanças que empreendem pelas cidades da Pérsia ao mesmo tempo que inicia o registro no mesmo Manuscrito da história do mesmo e também de seu autor – a infância de Khayyam em Nichapur, juventude em Samarcanda, fama em Ispahan e seus encontros com personagens: Abu-Taher, Djahane – sua ambiciosa mulher que manipulava os acontecimentos do harém em proveito próprio, Hassan, Nizam e muitos outros.
Por razões diversas, Khayyam e Djahane decidem não deixar descendentes – “ela age por excesso de ambição e ele por excesso de desapego” (pg.99).
É em 1114 quando se encontra vivendo na cidade de Merv, sob os auspícios do soberano local que seu manuscrito é roubado por enviados de Hassan e permanecerá por 100 anos em Alamut – fortaleza sobre um rochedo, reduto inacessível, onde recruta e treina seus enviados que devem executar os escolhidos dentro dos preceitos estabelecidos – “não somos assassinos, mas executores, devemos agir em público, para dar exemplo. Matamos um homem, com isso aterrorizamos cem mil” (pg. 127).
Institui uma hierarquia rígida de papéis e conduta: no topo Hassan, o grande mestre; em seguida dos dai – missionários-propagandistas; na sequencia os rafik – confrades que recebem os ensinamentos e habilitados a comandar uma fortaleza ou dirigir a organização dentro de uma cidade ou província; seguem-se os mujib – os noviços que recebem os ensinamentos e, de acordo com suas habilidades poderão se tornar confrades ou fidai – são os que se sacrificam pela causa, cujo perfil é ter grande habilidade e resistência e pouca aptidão para os ensinamentos – estes tornar-se-iam os missionários da causa. Como resistência os assassiyun[1] uma outra ordem se instaurou – Nizamiya em lealdade ao vizir assassinado Nizam, para espalhar o terror como método mas insidiosos.
Não deixa de ser um registro histórico das cidades por onde passaram os personagens – a dicotomia da população que vivia e circulava por bairros pobres e poeirentos com os emires em seus palácios suntuosos, comida farta e noitadas, das caravanas de camelos que circulavam pela Rota da Seda e dos caravançarai – local de descanso destas caravanas nas cidades do percurso da rota. As intrigas, emboscadas, guerras que parecem perpetuar-se nesta região. Esta dicotomia que insiste em permanecer até os dias atuais.
Quando Alamut é saqueada pelo exército de Gengis Khan pensou-se que o manuscrito tinha sido queimado junto com a imensa biblioteca que Hassan mantinha no local. Gengis em suas ondas de invasão arrasa as grandes cidades como Merv, Balkh, Nichapur e Rayy – berço da medicina oriental, Samarcanda, que se reergue para se tornar a capital do império de Tamerlão, Pequin, Bucara, Bagdá, Damasco, Cracóvia, dentre outras.
Do nome do narrador da história, “Omar” é uma homenagem de seus pais à Omar Khayyam, de quem são admiradores quando nos anos 1870 a onda Khayyam se alastrou de Paris para Londres. A peregrinação de Lesage que mora em Maryland/EUA inicia em 1895 quando viaja ao velho continente para passar uns dias com seu avô Charles-Hubert de Luçay em Paris, que acaba apresentando-o ao primo Victor-Henri de Rochefort-Luçay, ex-deputado, ex-ministro, personagem ilustre na comunidade política. Ele será o elo que estimulará Lesage a sair pelo mundo tentando localizar o manuscrito perdido, mantendo contato com diversos personagens como Djamaleddin, Mirza Reza, Fazel. Neste percurso, quando está em Trebizonda para encontrar-se com Mirza Reza, única pista do manuscrito, acontece o assassinato do Xá com a incriminação de Reza e, consequentemente Lesage que havia sido visto conversando com Reza. Sua fuga da Pérsia é patrocinada por Chirine que é quem acaba recuperando o manuscrito que fica em sua mesinha de cabeceira no palácio que ocupa em Tabriz.
Nesta segunda parte do livro existem diversas passagens registrando o uso das riquezas da região pelas potências europeias e russa. Os acordos perniciosos à população que não permitem a empreitada de Morgan Shuster – tesoureiro-geral da Pérsia, americano escolhido para colocar as finanças da Pérsia em dia, primeiro passo para a recuperação da independência do país. Teve dificuldades com o status quo estabelecido, pois apesar de contar com plenos poderes confiado pelo Parlamento persa, ao não se curvar aos interesses ingleses, russos, belgas e austríacos começou a instigar a ira principalmente do Czar russo que empreitou diversas missões visando retomar as relações seculares que saquearam os cofres públicos.
No meio desta intriga, Lesage e Chirine – neta do Xá do Irã, resolvem empreender uma vida conjunta nos Estados Unidos levando consigo o manuscrito. O retorno dá-se em grande estilo para a América no Titanic. Conseguem salvar suas vidas do naufrágio, mas não seu tesouro.
Não pesquisei se Hassan e sua seita existiram de fato ou são apenas uma ficção histórica. Sua estrutura de terror faz crer numa visão futurista desta última década onde o terror esteve presente em diversos locais do planeta.
Existem muitos personagens, o que exige atenção do leitor, mas este estilo que mistura registros históricos com a trama muito me agrada. Recomendo.
Concordo com o que diz Victor Necchi escreve no livro – “há uma permanente adoração não apenas à poesia e à sabedoria de Khayyam, mas ao livro como emblema do conhecimento e da preservação da cultura”.
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