Judas
Autor: Amós Oz
Sobre o autor
Amós Oz, aos 75 anos, é o mais importante escritor israelense da atualidade, candidato permanente ao Prêmio Nobel de Literatura. Nasceu na cidade de Jerusalém, ainda sob o domínio da Grã-Bretanha. Seus pais eram judeus que fugiram de Odessa, Ucrânia, para Vilnius, na Lituânia e, em seguida, para o Mandato Britânico da Palestina. Ainda criança, viveu a experiência de ser discriminado por ser amigo de um militar inglês, o que para seus vizinhos representava um grave ato de traição.
Em 1954, Amós Klausner entrou para o Kibbutz Hulda e adotou seu nome atual. Publicou seus primeiros contos entre 1960 e 1963. Participou da Guerra dos Seis Dias e da Guerra do Yom-Kippur. Na década de 70, aderiu ao movimento pacifista israelense Paz Agora, que defende a criação de Dois Estados - Israel e Palestina -, motivo pelo qual é visto por muitos dos seus conterrâneos como um traidor da causa israelense.
O tema da traição sempre despertou seu interesse, em especial o enigma de Judas, que era um homem rico e 30 moedas de prata, para entregar Jesus, era um valor irrisório. Além disso, é incompreensível a necessidade de Judas identificá-Lo com um beijo se era uma figura conhecida em Jerusalém.
Sobre o livro
O livro Judas analisa a figura de Judas Iscariotes e sua importância para o cristianismo, ao mesmo tempo em que narra uma história de amizade e amor, envolvendoo três pessoas solitárias, sensíveis, desiludidas e introspectivas - Shmuel Asch, Guershom Wald e Atalia Abravanel.
O enredo tem como cenário Jerusalém, entre o final de 1959 e o início de 1960, dez anos após o primeiro conflito árabe-israelense, quando a cidade ainda estava dividida, com uma parte sob controle da Jordânia.
Shmuel Asch é um jovem estudante, atrapalhado e barbudoa como seus ídolos, Fidel Castro e Che Guevara. Às voltas com uma tese sobre como Jesus Cisto foi visto pelos judeus ao longo dos séculos, o estudante vê sua rotina ser embalada: a tese empaca, a namorada o abandona e perde o sustento dos seus pais, que passam por sérias dificuldades financeiras.
O jovem decide aceitar uma proposta de trabalho para fazer companhia a Guershom Wald, um pensador, idoso e com dificuldades de locomoção, que busca interlocutores para suas longas digressões. Na mesma casa, mora Atalia, uma mulher sensual e misteriosa, viúva do filho de Wald e que é responsável pela administração do local. Cria-se entre os três um elo emotivo e intelectual.
Além desses três personagens, sente-se a presença constante, por meio das lembranças dolorosas, de Shaltiel Abravanel, pai de Atalia, e de Micha Wald, filho de Wald e marido de Atalia. Abravanel foi considerado traidor pelos judeus, por ser contra a criação do estado de Israel e ter vários amigos árabes. Defendia um território sob mandato internacional, onde viveriam, lado a lado. árabes e judeus, morreu no ostracismo. Micha foi assassinado numa escaramuça durante a guerra de 1948, lutando pelo Estado de Israel.
Ao se mudar para a casa de Wald, Shmuel começa a se familiarizar com a argumentação do ancião sobre como todas as crenças e ideologias redentoras são criminosas. Esses argumentos começam a lhe trazer dúvidas em relação às suas crenças, inclusive ao direito sagrado do uso da força pelos judeus para dominarem o território que deveria ser deles e dos palestinos.
No desenrolar do enredo, o autor discute três temas bastante polêmicos:
o papel de Judas - o livro subverte a imagem do Judas bíblico, que ao invés do traidor histórico que vendeu Jesus, ele seria o mais fiel de todos os discípulos. Se não fosse Judas Iscariotes talvez não tivesse havido crucificação e sem curicificação não haveria cristianimo.
Considera Judas o primeiro cristão do mundo e, talvez, o último. Ele não teria vendido Jesus, acreditava que seu mestre era mesmo o Messias e que desceria da cruz, à vista de todos, para instaurar uma novo era de paz sobre a Terra. Judas desabafa "Ele, desde o início, sabia com certeza até onde iam suas forças, e eu não sabia. Eu acreditei nele muito mais do que Ele acreditou em si mesmo" (p. 308).
Segundo o autor, ao longo dos séculos, a figura de Judas foi usada para atacar os judeus. Sua reabilitação é uma forma de desacreditar os antissemitas, que veem em todo judeu um traidor.
Jesus na visão dos Judeus - Jesus se transformou para os judeus de símbolo de perseguido para o de perseguição e opressão, Na visão de Amós, Jesus não queria fundar uma Igreja, mas purificar o judaísmo de sua visão estreita e dos compromissos entre o Templo e o poder temporal, " [...] nunca Jesus cogitou se apresentar como uma divindade" (p. 170).
Se os judeus da época tivessem aceitado Jesus, se o tivessem escutado ao invés de persegui-Lo, talvez não existisse a posterior perseguição que culminou no Holocausto. E a Igreja Católica atual, ou não existiria ou teria sido totalmente diferente.
a Questão Palestina - o direito dos judeus voltarem à Terra Prometida (Erets Israel) é um ponto sobre o qual existe coincidência entre todos os personagens, exceto talvez Atalia para a qual "toda a permanência dos judeus em Erets Israel está baseada numa injustiça" (p.236).
As diferenças aparecem quando se trata da forma como essa ocupação vem ocorrendo e as consequências resultantes dos constantes conflitos com os vizinhos árabes. Fica claro o preço que o povo judeu paga pelo retorno à terra dos seus ancestrais, Wald perdeu o filho e o pai de Atalia morreu em completo ostracismo.
Wald, recordando o pensamento de Abravanel, afirma que "O grande mal é que os oprimidos anseiam secretamente em se tornar opressores de seus opressores. Os perseguidos sonham em ser perseguidores. Os escravos sonham em ser senhores" (p. 266).
Sobre o estilo
A linguagem que o autor usa para fazer algumas comparações não me soaram agradável, o que pode ser resultado da tradução, como por exemplo: "Lá se postou uma das mãos na cintura, como uma camponesa enérgica à espera de uma cabra retardatária" (p.35) ou "Tem vezes que a marcha da vida se reduz, gaguejante como água que escorre da calha e vai correndo e abrindo um pequeno sulco na terra do quintal" (p.39).
Existem muitas descrições repetidas, por exemplo, sobre a bengala que Shmuel encontrou na casa, como também sobre a forma como ele caminha.
No capítulo 47, o leitor se depara com uma abordagem diferente, Judas aparece como personagem, o que parece ser parte do trabalho a que se dedica Shmuel, um artifício interessante..
Considerações finais
Judas é um livro autobiográfico, no qual Amós trata da traição, um rótulo que ele carrega desde criança, pela amizade com um soldado inglês, e continua até os dias atuais pode defender a criação de dois estados: Israel e Palestina. Trazendo uma outra interpretação de Judas, o autor pretende retirar dos judeus a responsabilidade pela morte de Jesus Cristo, e em consequência, livrar o povo judeu de uma perseguição permanente, da qual ele também foi vítima. Finalmnete, Amós deixa claro sua crença de que Jesus Cristo não era filho de Deus, mas somente um reformador da religião judaica.
Recomendo a leitura do livro, principalmente pela visão controversa sobre o papel de Judas e a natureza de Jesus Cristo.
JUDAS
ResponderExcluirde Amós Oz
Judas é um romance que fala de traição e devoção, referindo-se a Judas, no plano religioso, e ao Estado de Israel, no plano politico.
Judas é visto comumente como um traidor (e assim personificando o judeu), mas ao mesmo tempo o primeiro cristão, o maior devoto de Jesus Cristo, aquele que ao ver o seu senhor morto no crucifixo, sem ser salvo pelo esperado milagre, escolheu o suicídio.
Uma questão interessante colocada pelo autor: se Judas não tivesse vendido Jesus por 30 moedas e ele não tivesse sido crucificado, existiria o cristianismo? Não seria Jesus esquecido em meio aos muitos curandeiros, pregadores e milagreiros que existiam na Galiléia? (capítulo38)
No plano político, o romance trata de traição e devocão relativas à terra prometida. Quem teria traído o destino do povo judeu? Ben Gurion, que ao optar por dividir Jerusalem iniciou uma guerra interminável, ou Abravanel e seus seguidores, considerados traidores na época, por defender a coexistência entre árabes e judeus sem limites de fronteiras? Aquele que foi criticado por conviver bem com o povo árabe, ou aquele que pregou a divisão?
São perguntas que o livro deixa sem resposta.
Na verdade, a meu ver o romance gira em torno desses dois pontos, todo o resto é apenas uma moldura para introduzir esses temas no debate.
Os personagens são apenas três e não são extraordinários- Shmuel, o estudante que repetidamente anda com cabeça na frente e pernas atrás, como se se preparasse para um mergulho na piscina; a Atalia misteriosa, mulher que possuía um sulco sensual entre o nariz e o lábio superior e que Shmuel não se cansava de observar; e seu polêmico sogro, Wald, que perdeu o filho na Guerra.
O centro mesmo do romance, e o que é interessante nele, são os debates travados sobre a questão de Judas e a criação do Estado de Israel entre esses três personagens.
Ressalto:
O capítulo 25, com rico diálogo com Shmuel e Wald sobre a criação de Israel
O capítulo 27, onde Shmuel lembra que Jesus era judeu e não pretendia criar uma nova religião, propunha apenas uma reforma. Seria, assim, um judeu fundamentalista e não apresentava ameaça ao status quo. “Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas”, ele disse. Se os judeus tivessem aceito Jesus, não haveria diáspora, perseguições, nem o holocausto.
O capítulo 46, que é poesia pura, em que Shmuel discute em pensamento com Abravanel e lembra que um terço do povo judeu foi aniquilado por não ter casa nem porta com fechadura, e um pedacinho de chão que lhe pertencesse.
Acho importante ainda lembrar a utopia bonita do livro, a de Abravanel: um mundo só, todos irmãos, sem fronteiras- o que nos reporta a John Lennon, com seu “Imagine” . Para Abravanel, um mundo dividido em estados, arames farpados, passaportes, exércitos, era algo arcaico, desumano, superado. Em seu otimismo, acreditava que em breve os estados do mundo desapareceriam e surgiriam comunidades convivendo harmoniosas. Então haveria árabes e os judeus vivendo um ao lado do outro, bem como cristaos e muçulmanos, gregos, católicos e armênios….( capítulo 42).
Amós Oz introduz e ilumina questões interessantes. Eu o recomendo não como um romance, mas como um olhar renovado sobre questões já muito debatidas.
Em uma resenha sobre outro livro de Amós Oz, “A Tale of Love and Darkness” (http://forward.com/articles/4385/amos-oz-on-himself/#ixzz3S21eb9VM), com viés autobiográfico, aprendo que o autor, nascido Amos Klausner em 1939, é filho de judeus poloneses que chegaram a Israel em 1933. Sua mãe suicidou-se quando ele tinha 12 anos (o que virou questão central de sua vida: porque?), e com 18 anos ele abandonou a família, trocou o nome para Oz e foi viver em um kibutz. Ativista da paz e um dos primeiros defensores da proposta de coexistência de dois estados na região da Palestina, Oz é um dos mais respeitados intelectuais israelenses da atualidade.
ResponderExcluirMeu pai me falou de ‘Judas’ como sendo um livro que tinha como questão central uma discussão sobre a traição, explorada nos personagens Judas e Abravanel. Formulei um pouco diferente: Será que se Judas fosse visto como o primeiro verdadeiro cristão ou se o caminho apontado por Abravanel fosse considerado viável, estaríamos vivendo essa história triste e sem fim, que é a tragédia palestina? Ainda que a abordagem seja bastante provocadora, fico pensando, sem muito ânimo, o quanto pensar caminhos alternativos para a história que já aconteceu ajuda a pensar em saídas para os impasses de hoje. Consta que Eistein dizia que não podemos resolver nossos problemas com o mesmo tipo de pensamento que utilizamos para criá-los.
Estas questões são o pano de fundo em que são costuradas as três vidas que se encontram em uma casa em Jerusalem, durante um inverno no início dos anos 60: Shmuel, Atalia e o Sr. Wald, todos expressões das opiniões, visão e questões vitais do autor. Antes de pesquisar um pouco pensei que Shlatiel Abravanel fosse um personagem real, que havia convivido com Ben Gurion; fico imaginando se Abravanel cristaliza uma opinião vencida entre os sionistas da época pré-guerra, se essa discussão realmente ocorreu.
Considero que o narrador, em terceira pessoa, não é onisciente: ele parece pairar sobre a cabeça de Shmuel, sabe o que ele está pensando, mas não entra na cabeça dos demais personagens, só os inclui pelas suas falas, quando interagem com Shmuel.
A construção dos personagens, da dinâmica entre eles e do ambiente em que estão é lenta e vai se fazendo pela repetição de cenas e imagens (o modo de Shmuel andar, sempre com a testa se projetando para frente em relação ao corpo; as cenas na cozinha, as descrições da casa e seu pátio; o goulash diário de Shmuel; o mingau da vizinha Sra. Sara de Toledo; a obsessão com a descrição dos cabelos de todos os personagens, etc...). Pareceu-me recurso bem sucedido para que o leitor vá penetrando a narrativa, até sentir o entorno, o frio, o cheiro das pessoas, como se também estivesse na casa ou nas ruas de Jerusalem. Esse recurso às repetições também parece querer mostrar o quanto os personagens estão estanques em suas vidas e espaços, sem rumo, condenadas a uma repetição de expectativas (ou falta delas) sobre os acontecimentos.
Se pensarmos no passado, não há porta de saída visível para a questão palestina. O autor não refresca, também não tem resposta a oferecer. Por teimosia, quero acreditar que talvez, o final surpreendentemente frustrante, em aberto, pretende falar do abismo, do limite, do treshold, de um futuro que quer emergir : onde ir, a partir daqui? “E perguntou a si mesmo.” Perguntar não é, ainda, uma forma de esperança?
Em suma, gostei muito do livro e recomendo sem restrição.