de Ernesto Sábato
Sobre o autor:
Escritor argentino, falecido em 2011, a menos de 2 meses de
completar 100 anos.
Promissor físico quando jovem,
trabalhava no Laboratório Curie de Paris, realizando estudos sobre radiação
atômica. Trocou Paris pelos Estados Unidos, mais precisamente MIT em Boston. Em
1940 retornou à Argentina para ser professor na Universidade de Buenos Aires e,
em 1943 após uma crise existencial troca as ciências exatas pela literatura e
pintura.
Politicamente causou espanto por
ter sido um anti-stalininsta de imediato. Sua posição fez com que fosse atacado
como imperialista pela esquerda e como comunista pela direita.
Após a ditadura na Argentina, em
1980 tornou-se presidente da CONADEP – Comissão Nacional sobre o Desaparecimento
de pessoas, cujo objetivo foi a investigação das violações aos direitos humanos
durante a ditadura – 1976-1983. Responsável por reunir testemunho e
documentação de 8.960 desaparecimentos, assim como da existência de 340 centros
de detenção e tortura.
Em 1945 publicou o primeiro livro
– Nós e o universo, uma série de artigos filosóficos nos quais critica a
neutralidade moral da ciência e alerta sobre os processos de desumanização nas
sociedades tecnológicas.
Em 1948 publicou a novela O túnel
e, o livro Sobre heróis e tumbas (1961) é considerado por muitos como melhor
romance latino-americano do século XX.
Ao final da vida refugiava-se na
pintura.
A obra:
GENERO EXISTENCIAL-POLICIAL
Narrativa em primeira pessoa, o
pintor Juan Pablo Castel inicia seu relato confessando o assassinato de María
Iribarnes, casada com Allende, seu marido cego.
O primeiro encontro ocorre na inauguração
do Salão de Primavera de 1946 onde Juan expõe o quadro Maternidade. Este quadro possui duas cenas, em primeiro plano uma
mulher olha um menino brincar e, no alto à esquerda uma janela que se abre a uma
praia solitária e uma mulher fitando o mar, na opinião de Juan a “cena
essencial”.
Perder de vista aquela que ele
entendeu ter captado a essência do quadro deu início a uma obsessão que
resultou no dito assassinato.
Do relato obsessivo aos apartes
para digressões, o autor vai discorrendo e pensando nas infinitas
possibilidades de cada etapa na construção desta relação. Fala de sua repulsa
aos grupos, dos estratos horizontais e possibilidades de encontros entre
pessoas, de possíveis conversas a serem entabuladas quando encontrasse María, do
“nojo de pessoas amontoadas nas praias (p.47)”, pessoas que dão esmolas a
mendigos (p.56), apenas para mencionar algumas destas digressões.
Acredita que María entende ou
melhor sente como ele e as conversas que acontecem, de forma entrecortada,
muito mais pelo que deixam no ar, vai formando uma teia que aprisiona a ambos.
Outro personagem é Hunter, primo
do marido de María que cuida da fazenda para onde ela se refugia e personagem
fundamental no desencadeamento do assassinato da María que ocorre na fazenda.
Juan possui uma mente atormentada
como é visível em vários trechos da história, dos quais cito alguns:
“Quantas vezes passei horas prostrado num canto escuro do
ateliê, depois de ler uma notícia nas páginas policiais” (p.7)
“Mas agora não tinha tempo para me entregar a esse
sentimento: trataria de me torturar mais tarde, com calma.” (p.30)
“Gritei com brutalidade:
- Estou dizendo que preciso da senhora! Não entende?
Sempre fitando a árvore, sussurrou:
- Para quê?
Não respondi imediatamente. Soltei seu braço e fiquei
pensativo. De fato, para quê?” (p.37)
“ Mas imagine um capitão que a cada instante determina
matematicamente sua posição e segue sua rota rumo ao objetivo com um rigor
implacável. Mas que não sabe por que vai em direção a esse objetivo. Entende?” (p.38)
Também é dotado de expressões sombrias ou impactantes como:
”Tormentosa luz que ilumina um sórdido museu da vergonha”
(p.7)
”...vaidade da modéstia...” (p.9)
“... detesto os grupos, as seitas, as confrarias, os
círculos e em geral esses conjuntos de bichos esquisitos que reúnem por razões
de profissão, gosto ou mania semelhante. Esses conglomerados têm uma série de
atributos grotescos: a repetição do tipo, o jargão, a vaidade de se julgarem
superiores ao resto.” (p.16)
“se pode detestar com mais razão aquilo que se conhece a
fundo” (p.19)
María por outro lado faz um jogo
de sedução com silêncios intencionais, respostas interrompidas, viagens
inesperadas. Alimenta desta forma o pensamento repetitivo, obsessivo de Juan em
torno do tema em que enganchava no momento: um sorriso que não existiu (p.65),
a intenção por trás da primeira carta escrita por María fazendo com que Juan fosse
até sua casa e conhecesse seu marido (p.50), discussão sobre a idade de cada um
(p.67), se gostava ou não ainda de Allende, se ainda ia para cama com ele
(p.77-79).
O casal é tragado pelas visitas
de María ao ateliê de Juan, com momentos de prazer e discussões cada vez mais
violentas oriundas de torturantes dúvidas. Juan menciona que durante todo este
período seus “sentimentos oscilavam ente o amor mais puro e o ódio mais desenfreado”
(p.69).
Ao final, cada vez mais
contaminado pelos pensamentos repetitivos, como se fosse uma espiral da qual
não consegue sair, Juan protagoniza a cena da carta postada que, sem o
respectivo recibo resulta no descontrole com a mulher dos correios em seu
processo de resgate da mesma que tardiamente, obviamente após costumeira
digressão, chega à conclusão que não deveria ter sido enviada.
“As cartas importantes devem ser retidas pelo menos um dia...”(p.121).
Assim como, a cena com uma romena
que ao encontrar em um bar, leva-a para seu quarto e acredita ter vislumbrado a
mesma expressão que uma vez pensou haver visto no rosto de María chegando a
conclusão que ambas possuíam expressão semelhante – ambas fingiam prazer
(p.132).
Por fim, resolve ir para a
fazenda onde é espectador da cena do corredor, quando María e Hunter retornam
de seu passeio e, a luz de apenas um quarto de acende. Quando por fim, a luz do
outro quarto acende ele parte para a realização do que viera fazer ali – “tenho
que matar você, María. Você me deixou sozinho (p.147). Sozinho no “túnel,
escuro e solitário” (p.144) que perpassou sua existência.
Sintetizo esta obra de Sabato
como uma narrativa sobre a solidão existencial que procura desesperadamente
algo/alguém que cumpra o papel de salvador. Um simples encontro transforma na
insuportável ideia de novamente conviver com a solidão - “tenho que matar você,
María. Você me deixou sozinho” (p.147).
Leitura que prende em seus
capítulos curtos, sempre com fatos impactantes me fez pensar na complexidade da
mente humana, na vulnerabilidade (que já pode vir de fábrica, ou ser
desenvolvida durante a vida!). A aflição foi um sentimento presente na forma
como Juan ficava dissecando determinados fatos vividos, dando voltas e mais
voltas. Simplesmente agoniante e amedrontador viver uma relação em que
absolutamente tudo que se fale ou se faça, o menor gesto, seja palco de interpretações
intermináveis, como que buscando algo propositalmente oculto. Reconhecer nossas
neuroses é um ganho ao ler este livro cuja analogia é certeira com Memórias do
Subsolo de Dostoievski.
ResponderExcluirO Túnel
Ernesto Sábato
Logo na primeira frase o narrador confessa seu crime de paixão, não deixando dúvidas ou suspense sobre o desfecho do livro, publicado em 1948- e sob esse aspecto lembra o romance “Crônica de uma Morte Anunciada”, de Gabriel Garcia Marques, escrito em 1981 (vice versa, já que a morte anunciada de “O Túnel” precede a de Garcia Marques em 33 anos).
O enredo surpreendeu até o autor: segundo ele, os personagens do livro assumiram vida própria, por assim dizer, e acabaram rumando por caminhos que ele não imaginara de início, e se deixou levar.
É um texto sobre uma mente tortuosa e apaixonada, que num crescendo vai desenvolvendo paranóias, culminando com o assassinato da mulher que ama: Maria Iribarne, a única pessoa que poderia entende-lo, nas palavras de Juan Pablo Castel. A única que poderia entender a sua pintura.
O autor desafia o leitor a desistir da leitura- “Quem quiser deixar de ler esta narração neste ponto ( pag 15) é só fazê-lo: de uma vez por todas pode contar com a minha mais absoluta permissão.”
O texto tem frases primorosas: “Entretanto, de todas as reuniões, detesto particularmente a dos pintores. Em parte, decerto por conhece-las bastante, e é sabido que se pode detestar com maior razão aquilo que se conhece a fundo”.
O personagem Juan Pablo é um pintor solitário para quem a humanidade parece detestável. Intenso, violento, impulsivo, se arrepende das ofensas que faz. A forma lógica como relata o crescendo de sua desdita envolve o leitor, que acaba compreendendo as suas neuroses e agressividades.
Maria Iribarne é um personagem misterioso, fugidio, de poucas palavras, que diz fazer mal “a todos que se aproximam”. Casada com um cego, Allende, e envolvida com um primo, Hunter, acaba conquistando Juan e levando sua mente tortuosa ao desespero.
As palavras em itálico no texto ressaltam momentos dramáticos, inclusive a frase que justifica o título: “em todo o caso existia um só túnel, obscuro e solitário; o meu, o túnel em que tinha transcorrido a minha infância, minha juventude, toda a minha vida”. (pg 117 cap 36)
O Túnel é um romance de poucas páginas com capítulos pequenos, mas intensos.
A maior parte dos textos são reflexões do narrador sobre seus comportamentos, com recriminações por ser tímido, por querer justificar todos os seus atos, por ser hesitante e ficar avaliando várias possibilidades. O texto é envolvente, para um tema nunca sai de moda- a paixão desmesurada , que culmina em tragédia.
Recomendo o livro, com certeza.