de William Golding
por Priscila F. Costa
O Senhor das Moscas é o primeiro romance do poeta e escritor inglês William Golding. Escrito
em 1953, foi rejeitado por uma série de editoras e depois de publicado, em
1954, não recebeu boa acolhida do público. Mas aos poucos foi ganhando espaço
no universo literário e tornou-se leitura obrigatória entre jovens estudantes
em vários países. Ganhou duas adaptações para o cinema: uma em 1963 e outra em
1990.
O livro e
considerado um thriller psicológico, ou
ainda um romance de caráter subjetivo que tem como tema central o surgimento do
mal no ser humano como algo inerente, independente da idade ou do meio social
onde este vive. A história, contada por um narrador onisciente e onipresente, se
passa durante da Segunda Guerra Mundial - que serve, também, como pano de fundo
para o que virá acontecer - e trata da sobrevivência de um grupo de meninos na
faixa de 6 a 13 anos, alunos de um colégio interno, que se veem presos em uma
ilha deserta no meio do Oceano Pacífico após a queda do avião que os lavaria de
volta pra casa. Passado o susto inicial, tudo parece correr bem e a alegria
predomina entre o grupo: não há aulas, nem professores, nem pais, estão em
plenas férias num paraíso tropical. A ilha oferece em abundância frutas e água,
o que garante em parte a sobrevivência dos meninos, e alguns deles tentam se
organizar para construir abrigos que os protejam das tempestades e lhes deem uma
relativa segurança durante a noite.
A história se desenvolve, principalmente, em
torno de seis personagens: Ralph, Jack, Porquinho, Simon e os gêmeos Sam e Eric.
Ralph é eleito o líder do grupo e por
sugestão de Porquinho convence aos demais da necessidade de se manter sempre
acesa uma fogueira no alto da montanha para avisar os possíveis socorristas de
suas presenças na ilha. Imbuído de um espírito democrático, Ralph preocupa-se
com o bem estar do grupo e procura tomar decisões que sejam melhor para todos.
Divide as tarefas e estabelece objetivos para os demais; Adota a concha como
símbolo de igualdade e de ordem e tenta colocar em prática regras cotidianas,
com comportamentos socialmente esperados e com padrões éticos e morais
aceitáveis. Mas acaba se dando conta que nem todos os elementos do grupo
possuem a mesma motivação. Porquinho, um menino gordinho, inseguro, míope e
asmático, que desde o início é ridicularizado pelos colegas e rejeitado por
Jack, é, de fato, o mais inteligente do grupo. Capaz de agir e pensar de
maneira lógica, se torna a inteligência por trás das decisões de Ralph. Jack, um
garoto belicoso e provocador, logo se mostra um oponente obstinado às decisões
do líder Ralph. Não quer passar o tempo construindo abrigos, pois prefere caçar
os porcos que habitam a ilha para que possam ter carne para se alimentar. Forma
em torno de si o grupo dos caçadores. Simon é um tipo bom companheiro,
prestativo, e que tem necessidade constante de verificar a veracidade dos
fatos; quando se vê tomado por grande tensão psíquica, em função do medo e do alto
grau de agressividade no grupo, desenvolve visões alucinatórias de caráter
místico. Sam e Eric juntos fazem um só. Pensam e agem de maneira idêntica,
seguem à risca as determinações do líder – seja ele Ralph ou Jack; não emitem
opinião própria e tendem a seguir a maioria.
Com o
desenrolar da história a tensão cresce entre os garotos. O grupo se divide: a
maioria segue Jack que então se opõe abertamente à liderança de Ralph e
institui pra si o papel de líder cruel e controlador. Estabelece o rosto
pintado como marca de pertencimento ao grupo; é esta marca que separa os
selvagens dos civilizados. Jack aliena o grupo emocionalmente e diante do medo
que os demais sentem, oferece-se como protetor. Ralph vai ficando cada vez mais
isolado, pois apenas uma minoria fica ao seu lado, até que, finalmente, só pode
contar com a companhia de Porquinho.
O medo toma conta de todos, alguns
tem pesadelos à noite, e surge no grupo uma estranha sensação de estarem sendo
observados por uma figura sinistra e maligna. O imaginado monstro, que nada
mais é que um paraquedista que caiu nas proximidades da ilha, é visto primeiro
saindo do mar e se arrastando pela praia em direção à mata densa. Tempos depois,
está morto no alto da montanha com uma “capa esvoaçante” – o paraquedas inflado
pelo vento - o que leva a limites quase insuportáveis a insegurança e a
sensação de pânico dos meninos, sobretudo dos bem pequenos. Jack, apesar do medo que também sente, já não
acredita na possibilidade de resgate e aproveita-se dessa situação para exercer
mais domínio sobre os companheiros. Tomados pelo sentimento de desamparo e
“protegidos” pela pintura no rosto, só lhes resta seguir o novo líder e reagir
com intensa agressividade contra os “inimigos”, isto é, contra todo aquele que
não está de acordo com o grupo. Atrás das pinturas eles se sentem libertos da
vergonha e das imposições sociais e dão livre expressão ao ódio e à selvageria.
Instituem,
então, a figura do Senhor das Moscas, colocando a cabeça de um porco em uma
estaca de madeira que é enfiada no chão. A cabeça com os dentes arreganhados
num sorriso malévolo e pingando sangue está coberta de moscas. Enquanto
alegoria da figura do diabo, senhor das
moscas é a tradução literal do nome hebraico Ba’al Zebub ou Belzebu. Ba’al Zebub era o deus dos filisteus e foi
transformado em príncipe dos demônios por hebreus e cristãos.
Esse ídolo macabro provoca no bando de Ralf um
transe tal que eles passam a girar em torno da cabeça numa espécie de dança ritualística,
repetindo de maneira ritmada: Mata o
monstro! Corta a goela! Espalha o sangue! Um impulso assassino parece tomar
conta dos garotos. O primeiro a ser morto pelo grupo de caçadores é Simon, que
é confundido com o monstro que teria descido da montanha. Depois, Porquinho é
morto e perseguem Ralph, também com o intuito de eliminá-lo. Tentam
encurralá-lo e para tanto colocam fogo na mata, o que provoca uma grande
queimada que chama a atenção de um navio que passava nas proximidades. Ralph
consegue chegar à praia e cai aos pés de um oficial que veio ver o que estava
provocando o incêndio. Porquinho tinha razão, o fogo e a fumaça eram a única
forma de conseguir resgate. Ralph olha para o oficial sem dizer nada. “Por um instante teve a visão passageira
do estranho encanto que sentiu naquelas praias num primeiro momento. Mas a ilha
estava toda chamuscada como um pedaço de madeira morta – Simon tinha morrido –
e Jack... As lágrimas começaram a correr, e Ralph foi sacudido por soluços.
Entregou-se a eles pela primeira vez na ilha; espasmos violentos, trêmulos, de
dor, que pareciam retorcer todo o seu corpo. Sua voz se elevava debaixo da
fumaça negra diante da ruína calcinada da ilha; e, contagiados por aquela
emoção, os outros meninos também começaram a soluçar sacudindo o corpo. E no
meio deles, com o corpo imundo, o cabelo emaranhado e o nariz precisando ser
assoado, Ralph chorava o fim da inocência, as trevas do coração humano, e a
queda no abismo do amigo sincero e ajuizado chamado Porquinho.”
O livro de Golding foi escrito num
momento em que o mundo ainda tentava exorcizar os horrores da Segunda Guerra
Mundial. Ao relatar a selvageria que toma conta de um grupo de crianças bem
nascidas e educadas segundo os finos padrões éticos e morais ingleses, o autor demonstra
sua descrença na bondade humana e no senso de solidariedade com o semelhante, e
desenha um retrato profundo do caráter humano e da relação entre o indivíduo e
a sociedade, apontando para o aspecto maligno inerente aos homens. O mal não
nasce no homem em função das condições impostos pela vida, mas faz parte de sua
essência e se manifesta quando as circunstâncias assim o permitem. O mal no
coração do homem faz parte de sua natureza, é-lhe natural, o que faz com que
nas situações limite, sejamos todos bárbaros; o primitivismo aflora e as
paixões predominam. Como diz Saramago, o homem é o único animal que mata o seu semelhante
com requintes de crueldade.
Inúmeros comentários sobre o livro
foram feitos com base nas teses de Thomas Hobbes, que considera que o que
organiza as paixões humanas é o medo da morte. Segundo este autor, sem a
presença do estado que vem ocupar o
lugar de autoridade organizadora, os homens não conseguiriam ordenar a vida
social e viveriam na mais profunda barbárie – Homo homini lúpus, o
homem é o lobo do homem. Daí a necessidade do Contrato Social, de um pacto que
tem por objetivo proteger os mais fracos. Desta maneira surge, então, o
Estado.
Estado.
Para Freud, o processo civilizatório
do homem começa com um assassinato – o do pai primordial. Isto dá aos filhos a
consciência de que possuem força para fazer qualquer coisa com o seu semelhante
e consequentemente que cada um deles é um possível tirano. Surge, então, a
necessidade de leis que permitam que a comunidade se organize e que evitem que
os irmãos matem uns aos outros. As leis – simbólicas e outras – vêm regular
toda a impulsividade humana – lembremo-nos dos dez mandamentos – e com isso
interdita, também aquilo que é considerado o propósito da vida, a saber, a
busca da felicidade, que, de certa forma, estaria relacionada com o livre
realização dos desejos. Os impulsos primitivos, selvagens e maus da humanidade
não desaparecem do indivíduo, mas persistem, embora em estado reprimido, no
inconsciente e aguardam as oportunidades para se tornarem ativos mais uma vez.
Além disso, Freud considera que nosso intelecto é algo débil e dependente de
nossos instintos e afetos, e que todos nós somos compelidos a nos comportar
inteligente ou estupidamente, de acordo com as ordens de nossas atitudes
(emocionais) e resistências internas.
À medida que a lei falha ou deixa de
existir, tais impulsos têm toda a chance de vir à tona. É isso que vemos
acontecer na ilha. Ali não existem adultos, estão longe de normas, regulamentos
e leis. A isto vem associar-se o medo do desconhecido e a falta de perspectiva
de voltar à vida de antes. Então a violência toma corpo.
Notemos que há um paralelismo com o que
acontece nos períodos de guerra, quando a lei é, igualmente, posta de lado. As
crueldades e as injustiças praticadas, bem como a manipulação dos povos são
agora da alçada do Estado. Na história
da humanidade o poder é conquistado e mantido com a violência. A finalidade é
subjugar o adversário, tirando-lhe a vida ou dominando-o pela escravidão. A
disputa pelo poder é um dos estopins da desordem que se instala, tanto na ilha,
quanto nos conflitos entre as nações. Só nos resta, então, encarar a dura
verdade de que a violência é coisa humana; por mais hedionda e animalesca que
seja, continua sendo humana.
O livro ilustra, ainda, todo o
universo masculino. Só posso então repetir, então, o nome de um site que
encontrei na internet: É LIVRO PRA MACHO. (Felipe Laredo).
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