segunda-feira, 10 de novembro de 2014

O Homem que Amava os Cachorros

de Leonardo Padura

comentários por Carlos Guido Azevedo

Seguramente o romance o Homem que amava os cachorros não é uma obra de ficção da literatura cubana é antes de tudo uma análise profunda sobre a evolução das principais utopias que marcaram o século XX.
A tessitura de trançar as três vidas dos principais personagens para construir o romance não é original, mas a forma como o fez Padura é absolutamente ímpar.
É que os personagens e seus destinos são conhecidos desde sempre enquanto os ambientes que a eles envolvem e que são descritos em suas realidades subterrâneas é que ganham corpo com o desenvolvimento do romance.
Neles o leito se banha ao acompanhar a lavagem desses espaços de construções míticas que enlevaram uma geração inteira e que transformou o mundo na realidade em que vivemos.
A água dessa lavagem vai escorrendo com a sujeira de cada sistema de cada luta de grupo, por hegemonia de ideias, de controle do poder, de disputas reais e imaginárias que se formam no contexto da sociedade, de grupos, de famílias e de cada indivíduo em particular.
São realidades que obrigavam as pessoas a tomarem partidos, sem lhes deixar chance de escapar, ou adiar a opção, sendo que cada um dos SIM exigidos representava compromissos para a vida toda, com o certo e com o errado, em nome de um futuro idealizado ou de utopia dominada por poucos, mas que prometia o paraíso e um futuro melhor para muitos.
Assim, cada um dos personagens vai se enredando na trilha das suas opções, o próprio Leon Trotski cujo assassinato serve de fundo para o romance, não se sustenta como o centro para o qual esperei que convergissem todas as atenções e tensões do livro.
O Ramon Mercader sob o qual se desenvolve toda a formação de um assassino, sucumbe em configurar a figura do mal e do erro, para assumir o papel de mais uma vítima da cruel realidade retratada e lavada em seus porões pelo brilhantismo do autor.
A figura que disse o SIM errado, numa circunstância de guerra, onde a vida ou a morte era questão de ocasião, mas que lhe obrigou a renunciar à própria vida, seus valores, sua família, sua vida enfim, para viver diferentes personagens em busca de atingir um alvo, com a justificativa que estaria defendendo objetivos de aparente valor universal, mas que de fato, como descobriu depois, não passava de estratégia de Stalin para reduzir as possiblidades de concorrentes ao poder supremo que sempre aspirou e que deteve pelo tempo de sua vida.
O terceiro personagem, o narrador, é mais interessante do ponto de vista da construção da narrativa, e é construída pela relação de dois jovens escritores cubanos alter ego do  Daniel e David com suas dificuldades para escrever, que vivem em crise de identidade a sofrem as agruras e decepções típicas da juventude cubana e seu atávico sonho insular de escapar da ilha.
O Ivan é quem inicia a história descrevendo o encontro com um home estranho na praia que brincava com dois galgos, ao temo em que descreve o furacão David que assola a ilha.
Ao final, sua morte por soterramento sobre os escombros de sua casa se confunde com a decadência do regime cubano. é descrita pelo seu amigo David, e se confunde como a decadência do regime cubano que complementa a elaboração do livro e faz um Réquiem, outra solução genial do Padura.
Mas, também estes personagens falam mais das polêmicas do dilema da sociedade cubana isolada, não industrializada, boicotada por seus vizinhos do que de si mesmos.
Mais uma vez a maestria do autor revela as dificuldades dos processos de transformação social, valendo-se das vidas dos seus personagens como atalhos inteligentes para mostrar os dilemas sociais do presente e suas formações no passado, demonstrando com clareza quão diferentes são os pontos de chegadas dos caminhos percorridos.
A água suja com que Padura lava a história mostra em sua suspensão como os defeitos humanos corrompem os sonhos e os ideais das utopias perseguidas por qualquer grupamento humano e como esses limitantes levam a produzir resultados inesperados e muito aquém do discurso dos seus idealizadores como atestaram as realidades em que passam a viver cada um dos seus personagens.
Por fim, nada mais certo o título escolhido para o livro, porque eles de fato amavam os cachorros de diferentes maneiras. Difícil seria garantir que estes personagens, fizeram tudo o que o romance descreve e história registra, por puro amor à humanidade, como eles em vida afirmavam, porque cada um à sua maneira acreditava que a vida humana era irrelevante seja a sua própria ou dezenas, centenas e milhares, em razão da sua causa política.
    


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