terça-feira, 13 de maio de 2014

AMOR, DE NOVO


de Doris Lessing


por Mônica Dias

É uma historia dentro da historia que traz uma protagonista, Sarah, vivida em uma Inglaterra contemporânea. É um relato de uma vida normal de seres humanos, casamento, filhos, viuvez, trabalhar, sustentar e, neste sentido desenvolve sua carreira como escritora/roteirista/diretora de teatro, cuja base não é a empresa, Green Bird, mas sim a relação de amizade entre ela e seus 3 outros sócios-fundadores. Várias passagens descrevem a relação de um amor fraterno porque envolve a compreensão de uns pelos outros de seus percalços particulares. Não é um amor de entrega total e, por isto não ameaça. Esse, o amor de entrega total, a protagonista racionalmente decidiu retirá-lo da lista das experiências a serem vividas; pelo menos desde 20 anos atrás.

Tem como pano paralelo sua cruz familiar, a relação com seu irmão, buscando psicanaliticamente possíveis rastros de uma carência de atenção materna na infância aliada a uma preferência por seu irmão caçula (revivida na cena da menina do parque – pg. 424) que vem desaguar na fundamentação da carência primordial, que no seu olhar já tranquilizado pela passagem da “calamidade” justifica a busca de paliativos para estancar a angústia. “Apaixonar-se é lembrar que somos exilados, e por isso é que o sofredor não quer ser curado...”.

Nada pior para uma decisão racional do que fortes emoções e, neste sentido, Sarah não acredita que deixou escapar uma brecha para entrada do Amor, de novo. Descreve diálogos primorosos com citações de personagens de várias obras literárias em que cada uma das pessoas que formam a sociedade “Julie Vairon” se deixa arrebatar pela permissividade com que esta personagem, Julie, aceitava amar, fazer suas escolhas com “convicção”, assumindo suas consequências.

“Podemos com toda a facilidade entender Julie a partir daquilo que ela recusava” (pg. 55), resume, para mim, o cerne que arrebatou a todos os envolvidos na montagem da peça. Cada um de uma forma e, Sarah arrebatadoramente quando descobre-se desnuda de sua fortaleza racional, permitindo que uma pequena rachadura na estrutura abra a porta para o insidioso sentimento de apaixonar-se novamente, aos 65 anos. Vive esta onda, porque inicia-se em Bill, depois vai para Henry e, me parece que só não vai para Andrew porque não tem mais forças para esta sequencia de altos e baixos, muito mais pela dor do que pelo amor. É tão profundamente arrasada pelo sentimento e pelas sensações, ... sinais inadequados de sexualidade (pg.173), travessia de desertos, momentos de ausência mas, acredita que não se iguala ao sofrimento de seu amigo Stephen que, por fim, acaba suicidando-se.
Este grande amigo é o esteio de lucidez em que ela se permite abrir para uma troca profunda daquilo que vai em sua alma, plenamente correspondida por Stephen. Assim, apesar dar dor insuportável (pg.381) mantém-se realizando as tarefas para a estreia da peça primeiramente na França.

De Julie que escolhe amores pertencentes a classes abastadas a Sarah que vive a possibilidade da entrega para parceiros mais novos vejo que Doris coloca como pano de fundo as estruturas socais que contaminam, restringem as possibilidades que as mulheres poderiam viver, mas que são socialmente inadequadas, cada uma a seu tempo.

A autora traz também o tema da velhice, descrito na citação da pg. 18 e, como envelhecer dói profundamente na alma feminina.

Para mim, foi uma leitura quase dinâmica porque havia apenas iniciado quando fui capturada pelo enredo e, assim, passei a noite em claro finalizando no dia seguinte. O que mais me marcou foi como Sarah identifica apaixonar-se, amar novamente, com uma dor tão pungente que beira as raias da loucura e das manifestações físicas que me deixaram “apavorada” em viver um novo amor. Claro está que todo o quadro desenvolvido por Sarah está no viés do amor conhecido mas não vivido. Suas restrições, padrões sociais, não importa, o lado mostrado em seus sentimentos foi da não-experiência, não-realização daquilo que inadvertidamente deixou brotar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário