de Doris Lessing
por Mônica Dias
É
uma historia dentro da historia que traz uma protagonista, Sarah, vivida em uma
Inglaterra contemporânea. É um relato de uma vida normal de seres humanos,
casamento, filhos, viuvez, trabalhar, sustentar e, neste sentido desenvolve sua
carreira como escritora/roteirista/diretora de teatro, cuja base não é a
empresa, Green Bird, mas sim a
relação de amizade entre ela e seus 3 outros sócios-fundadores. Várias
passagens descrevem a relação de um amor fraterno porque envolve a compreensão
de uns pelos outros de seus percalços particulares. Não é um amor de entrega
total e, por isto não ameaça. Esse, o amor de entrega total, a protagonista
racionalmente decidiu retirá-lo da lista das experiências a serem vividas; pelo
menos desde 20 anos atrás.
Tem
como pano paralelo sua cruz familiar, a relação com seu irmão, buscando
psicanaliticamente possíveis rastros de uma carência de atenção materna na
infância aliada a uma preferência por seu irmão caçula (revivida na cena da
menina do parque – pg. 424) que vem desaguar na fundamentação da carência
primordial, que no seu olhar já tranquilizado pela passagem da “calamidade” justifica
a busca de paliativos para estancar a angústia. “Apaixonar-se é lembrar que
somos exilados, e por isso é que o sofredor não quer ser curado...”.
Nada
pior para uma decisão racional do que fortes emoções e, neste sentido, Sarah
não acredita que deixou escapar uma brecha para entrada do Amor, de novo.
Descreve diálogos primorosos com citações de personagens de várias obras
literárias em que cada uma das pessoas que formam a sociedade “Julie Vairon” se deixa arrebatar pela
permissividade com que esta personagem, Julie, aceitava amar, fazer suas
escolhas com “convicção”, assumindo suas consequências.
“Podemos
com toda a facilidade entender Julie a partir daquilo que ela recusava” (pg.
55), resume, para mim, o cerne que arrebatou a todos os envolvidos na montagem
da peça. Cada um de uma forma e, Sarah arrebatadoramente quando descobre-se
desnuda de sua fortaleza racional, permitindo que uma pequena rachadura na
estrutura abra a porta para o insidioso sentimento de apaixonar-se novamente,
aos 65 anos. Vive esta onda, porque inicia-se em Bill, depois vai para Henry e,
me parece que só não vai para Andrew porque não tem mais forças para esta
sequencia de altos e baixos, muito mais pela dor do que pelo amor. É tão
profundamente arrasada pelo sentimento e pelas sensações, ... sinais inadequados
de sexualidade (pg.173), travessia de desertos, momentos de ausência mas, acredita
que não se iguala ao sofrimento de seu amigo Stephen que, por fim, acaba
suicidando-se.
Este
grande amigo é o esteio de lucidez em que ela se permite abrir para uma troca
profunda daquilo que vai em sua alma, plenamente correspondida por Stephen.
Assim, apesar dar dor insuportável (pg.381) mantém-se realizando as tarefas
para a estreia da peça primeiramente na França.
De
Julie que escolhe amores pertencentes a classes abastadas a Sarah que vive a
possibilidade da entrega para parceiros mais novos vejo que Doris coloca como
pano de fundo as estruturas socais que contaminam, restringem as possibilidades
que as mulheres poderiam viver, mas que são socialmente inadequadas, cada uma a
seu tempo.
A
autora traz também o tema da velhice, descrito na citação da pg. 18 e, como
envelhecer dói profundamente na alma feminina.
Para
mim, foi uma leitura quase dinâmica porque havia apenas iniciado quando fui
capturada pelo enredo e, assim, passei a noite em claro finalizando no dia
seguinte. O que mais me marcou foi como Sarah identifica apaixonar-se, amar
novamente, com uma dor tão pungente que beira as raias da loucura e das
manifestações físicas que me deixaram “apavorada” em viver um novo amor. Claro
está que todo o quadro desenvolvido por Sarah está no viés do amor conhecido
mas não vivido. Suas restrições, padrões sociais, não importa, o lado mostrado
em seus sentimentos foi da não-experiência, não-realização daquilo que
inadvertidamente deixou brotar.
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