de Amitav Ghosh
Editora Alfaguara, 2011
Em 1838, as margens do Rio Ganges estão tomadas por plantações de papoulas, que abastecem as fábricas de ópio comandadas pelos ingleses e deixam a população rural da região com pouco o que comer. O destino do ópio é a China e estamos às vésperas da Primeira Guerra do Ópio, declarada pelo Império britânico para forçar o governo chinês a abrir seus portos para os produtos europeus. Este é o cenário geo-político do sexto livro do antropólogo e historiador Amitav Ghosh, primeiro da trilogia da embarcação Ibis, lançado em 2008. Construído para ser um navio de transporte de escravos e degredados, o Ibis veio de Baltimore a Calcutá, passando pela Ilhas Maurício e durante o livro vai empreender uma parte da viagem de volta às ilhas para descarregar mão-de-obra migrante e condenados. O segundo livro da trilogia, Rio de Fumaça, já foi lançado, em 2011.
Em 1838, as margens do Rio Ganges estão tomadas por plantações de papoulas, que abastecem as fábricas de ópio comandadas pelos ingleses e deixam a população rural da região com pouco o que comer. O destino do ópio é a China e estamos às vésperas da Primeira Guerra do Ópio, declarada pelo Império britânico para forçar o governo chinês a abrir seus portos para os produtos europeus. Este é o cenário geo-político do sexto livro do antropólogo e historiador Amitav Ghosh, primeiro da trilogia da embarcação Ibis, lançado em 2008. Construído para ser um navio de transporte de escravos e degredados, o Ibis veio de Baltimore a Calcutá, passando pela Ilhas Maurício e durante o livro vai empreender uma parte da viagem de volta às ilhas para descarregar mão-de-obra migrante e condenados. O segundo livro da trilogia, Rio de Fumaça, já foi lançado, em 2011.
O Ibis é o palco em
que o autor desfila sua rica e diversa fauna de personagens e uma infinidade torturante
de termos náuticos e palavras híbridas do inglês com os dialetos hindus
(bhojpuri, bengali, laskari, hindustani).
Nas três partes em que o livro está estruturado (I – Terra, II – Rio e
III – Oceano), assistimos os personagens (suas histórias, suas premonições,
seus destinos) sendo arrastados em direção ao Ibis, atracado em Calcutá, para
nele se encontrarem para uma viagem incerta e graficamente dolorosa, e que não
acaba neste livro (para nosso desespero e deleite). O autor dá vida e voz a
personagens sem lugar na história oficial, sempre feita pelos poderosos.
Xinguei o tradutor várias vezes durante a jornada, já decidi
que o Rio de Fumaça vou ler em inglês. A notinha do tradutor na página 23, após
várias passagens de termos incompreensíveis, me pareceu completamente
insuficiente para preparar o leitor para a viagem: “Pedimos ao leitor que não
se deixe intimidar pela estranheza do pidgin lascar, que beira o
incompreensível também no original em inglês. No transcorrer do livro, ele se
torna menos frequente, assim como a leitura ocasionará maior familiaridade.
Algumas expressões podem ser elucidadas na Crestomatia, ao final do livro, que
no entanto não deve ser tomada por um mero glossário.” O livro merecia uma nota
mais caprichada do tradutor ou um prefácio que nos introduzisse com mais
suavidade na estratégia do autor.
Somente ao final do livro, quando fui dar maior atenção a
este léxico de termos, a Crestomatia do Ibis, foi que compreendi a profunda
pesquisa que o autor empreendeu e que as passagens incompreensíveis (e não
passíveis de tradução) foram o recurso que ele empregou para imergir o leitor
nesta babel, o que me levou a Riobaldo e
suas palavras inventadas. Na Crestomatia, ficamos sabendo que esse registro de certas
palavras migrantes (‘...que zarparam de águas orientais rumo às geladas costas
da língua inglesa’) era a obsessão do avô da avó do autor (Neel Halder, o
ex-raja de Raskhali), que se entregou a prática, por anos a fio, de vaticinar
sobre os destino destas palavras e pretendeu colaborar com a construção do que
ele denominava ‘Oráculo’ (Oxford English Dictionary), que estava sendo
elaborado no final do século XIX. Mais
que o negócio do ópio, a palavras utilizadas na interface de culturas tão
diferentes e essa obsessão de Neel por seus usos e destinos, são a inspiração
maior do livro, sendo Amitav Ghosh agora o guardador da tradição familiar.
A narrativa é, na maior parte do tempo, linear, vai
avançando no tempo e no espaço, com alguns resgates de passado e alguns vislumbres
de futuro, tudo muito bem costurado pelo ponto de vista de um narrador
onisciente. Os personagens principais (Deeti, Kalua, Zachary, Paulette e Neel) são
bem construídos, com brilho próprio, e os personagens secundários (Jodu, Babboo
Nob Kissin, Ah Fatt), terciários e o próprio coletivo do Ibis são também essenciais e dão vida ao tecido
que vai sendo composto pelas fibras da história de cada um.
É uma escrita muito gráfica, com passagens muito intensas em
sensações: tive náuseas nas cenas em que Deeti caminha pelo fábrica de ópio a
procura de seu marido moribundo (p.96-97); senti os fedores indescritíveis dos
ambientes sufocantes do Ibis, nas várias vezes que o autor os descreve com
maestria (ver página 180, quando Jodu se deita em um dos jhulis, no dormitório
dos lascares); nojo e compaixão no banho que Neel dá em Ah Fatt na prisão (p.
310-311).
O autor semeia, aqui e ali, pistas dos próximos capítulos
(referências ao santuário de Deeti, ou aos descendentes de Kalua ou Maddow
Colver, p.272 – “Mais tarde, dentro da dinastia que reinvidicou sua
ascendência, muitas histórias seriam inventadas sobre o sobrenome do ancestral
fundador e os motivos pelos quais ‘Maddow’ ocorria com tanta frequência entre
seus descendentes. Embora muitos decidissem remodelar suas origens, inventando
linhagens importantes e fantasiosas para si mesmos, sempre haveria uns poucos
que se agarrariam com unhas e dentes à verdade: qual seja, a de que aqueles
nomes sagrados eram resultado da língua atrapalhada de um gomusta aflito e da
audição imperfeita de um piloto inglês que estava um pouquinho mais do que
ressacado”). Dá a entender que a trilogia está toda mapeada, como uma carta
náutica, e nos deixa, pasmos e parados naquele convés do Ibis vendo alguns dos
personagens principais se afastarem no longboat, com seus destinos em suspenso.
Alguns comentários sobre Mar de Papoulas, de Amitav Ghosh
ResponderExcluir1-Trata-se de uma trilogia sendo este o primeiro volume desse autor corajoso: já começa com um livro de 530 páginas. Resultado de quatro anos de trabalho.
2-Se foi trabalhoso para escrever, é trabalhoso para a leitura, também.
No texto, Ghosh mistura gírias, dialetos, idiomas diferentes, usando um vocabulário onde nem tudo é compreensível para o leitor. Embora exista um “glossário (Crestomatia) no final do romance, preferi tentar imaginar o sentido das palavras, porque parar a todo instante para verificar tornaria a leitura maçante. Claro que às vezes imaginava errado - muslin não tem a ver com muçulmano, e sim, com o tecido musseline...
Achei interessante o entremeio de palavras em francês pela personagem Paulette, ( ótimo para quem já conhece francês) que deixam o texto leve e divertido. Já no caso de palavras indianas, a leitura fica lenta e cansativa. Logo na primeira página ( e não sei se isso é falha do livro ou da tradução), temos palavras como- estender o “dhoti e o kameez”, preparar “rotis”, fazer um “puja”.
O significado de cada uma dessas palavras deveria constar no rodapé da página, para facilitar a compreensão e a leitura.
3- Os temas centrais desta novela épica são o ópio, cultivado na India para o mercado chinês, que toma conta da primeira parte, e a viagem no navio IBIS, - um navio negreiro reformado - que encerra o livro. A história se passa no norte Índia, na Baía de Bengala, retrata a substituição forçada da cultura do arroz e vegetais de subsistência por papoulas/ópio, arrasando assim com a agricultura do pais.
4- Os personagens giram em torno desses dois temas, e são muitos. Ainda bem que os capítulos são curtos, o que vai nos dando fôlego para seguir o périplo das vidas envolvidas. A personagem central é Deeti, a heroína do livro, que colhe papoulas, casada com um empregado da fábrica de ópio, fica viúva e se casa com o gigantesco Kalua, um homem de casta inferior com quem foge e embarca no IBIS.
5-O enredo trata da basicamente da vida e fuga de Deeti da perseguição de seu cunhado, que deseja mata-la para honrar o nome da família; para isso ela se afasta da filha, troca de nome e segue com Kalua pela “Água Negra”, o Kala-Pani, para uma nova vida nas Ilhas Mauritius, local onde o Rajá Neel também cumprirá sua pena na prisão. Neste navio, todos se afastaram de suas famílias, e graças ao espírito generoso de Deeti, os viajantes acabam criando laços afetivos entre si.
O autor nos apresenta uma visão da Índia no século19 – roupas, culinária, agricultura, ritos funerários, sexo, mobiliário, o sistema de castas, costumes familiares, funcionamento do judiciário, a brutalidade das relações dos poderosos com os humildes. Essa realidade violenta e opressora, que permeia boa parte do romance, incomoda na leitura, tamanha a agressividade de alguns personagens, descritas as vezes em detalhes penosos.
Redime essa impressão a transformação de Neel na prisão, quando ele se despe da sua condição de nobre e se humaniza ao cuidar de seu companheiro de cela, Aafat, um homem decadente, imundo e alucinado que é resgatado por Neel com banhos de limpeza e solidariedade, gerando uma estranha amizade entre um Rajá indiano e um viciado deportado.
6- Mar de Papoulas é um grande livro, e só um grande autor seria capaz de escrevê-lo. Eu recomendo a leitura, com dois reparos:
O primeiro é o vocabulário que permeia o livro em idiomas que desconhecemos e que dificultam a leitura.
O segundo é o desfecho. Mesmo em se tratando do primeiro de uma trilogia, cada livro deveria ter seu fecho. O último capítulo parece uma chantagem, como se o autor quisesse nos obrigar a comprar o segundo tomo.
Eu estou tentando não me deixar vencer. Estou com dificuldades de avançar na história já que aparentemente a narrativa ganha força da metade do livro adiante. Enfim, coragem.
ResponderExcluirAlguem tem o link para poder baixar?
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