de Pascal Mercier
por Daniela Lopes
O Trem Noturno para Lisboa traz temas que têm me
interessado: processos/viagens de introspecção/autoconhecimento; dificuldades de
acesso ao inconsciente e por consequência no entendimento do mundo interior e o
mundo exterior à pessoa; o outro como espelho; as situações de arrebatamento ou
escolhas da vida em que a gente não opina; além, é claro do amor pela palavra e
do passeio por Lisboa, cidade que adoro. “Se é verdade que apenas podemos viver
uma pequena parte daquilo que há dentro de nós, o que acontece com o resto?”
Como outsider da vida de Prado, Gregorius torna-se capaz de
uma visão do todo desta vida, mais completa do que a visão possível que o
próprio Prado ou os personagens que conviveram com ele puderam ter, uma visão
que une o seu mundo interior e o exterior, e que alimentam o processo de
autoconhecimento e transformação de Gregorius. Pegando o trem para Lisboa,
Gregorius foge de sua vida para mergulhar na vida de outro e poder achar seu
caminho, estabelecer relações significativas e se reconhecer em sua própria
vida.
O inusitado da história de Gregorius e as reflexões
filosóficas de Prado, a la Livro do Desassossego me prenderam a atenção o tempo
todo, apesar de deslizes percebidos no enredo, que comento mais abaixo. O livro
dentro do livro tem elaborações interessantes
que ecoam na nossa vida diária, como a da página 397 (O Veneno Ardente
do Desgosto), do mesmo modo que vimos n’A Elegância do Ouriço’. As cartas de
Prado para o pai e para mãe, e a carta do pai, que não foram trocadas, são bem
dolorosas e tocantes.
Os personagens, principais e secundários , são na maioria
consistentes mas alguns são claramente desnecessários para a trama (Natalie
Rubin, moça no trem de volta, professora de português), assim como algumas
passagens (porque a volta à Berna?, por exemplo). A divisão em partes também
não me convenceu: a terceira parte é entitulada "A Tentativa", mas não achei bem
colocado (tentativa de quê?). Há pontas soltas que frustram um pouco (e a
portuguesa da ponte, com seu número de telefone?), mas que talvez estejam lá
para lembrar que a vida não é um enredo bem costurado, ma maioria das vezes.
É claro que fui atrás para ver se Prado seria um personagem
verdadeiro, fiquei aliviada em saber que não pois isso tiraria um pouco o
brilho do livro, na minha opinião. Achei blog bem interessante de um
português, que traz informações sobre o processo de criação do livro a partir
de entrevista com o autor. (http://bibliotecariodebabel.com/geral/lisbon-story/)
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