Companhia das Letras-
2006
COMENTÁRIOS por Maria Virginia de Vasconcellos
Brasília, abril de 2012
Parte I
Resisti a escrever estas
palavras que volteavam pela minha cabeça até ler a página 164 do livro da
Muriel Barbery. Foi nessa página que me defrontei com a visão da própria autora
sobre texto literário:
“é para ser lido e provocar
emoções no leitor” - a pergunta chave é “gostaram deste texto?”
Pois então: no meio do livro
decidi começar a dizer se gostei do texto.
Já de início, notei um quê de
dissertação acadêmica com dezenas de citações e menções de outros autores,
artistas, filmes e personagens da literatura, num tom meio professoral. Cacoete
de professora universitária, pensei com meus botões. Pode até parecer ok
dissertar sobre fenomenologia, considerando que a autora lecionou filosofia. Mas,
para mim foi enjoado. (Não esta buscando isso no livro). Mais enjoado ainda foi
apresentar um veredicto apressado sobre Marx: me trouxe uma emoção irritante
(lembrando que sou Socióloga de primeira formação).
Por outro lado, temos o senso
de humor. Huumm... O humor que se pretende no texto não faz meu gênero: é mais
jogo de palavras do que relatos de fatos anedóticos... Trabalha-se muito com
estereótipos e imagens preconcebidas: “quem gosta de açúcar mascavo é gente de
esquerda”, “cão tal é para classe social xis”, “concierge tem que ser percebida assim”... e por aí vai...
Até a página 164, portanto, as
emoções que o texto me causou foram meio de ‘enjoança’, para usar um bom
mineirês... um misto de ‘resistência’ à leitura associada a certa ‘preguiça’...(Consequência:
quase sempre tinha vontade de voltar ao Agosto de Rubem Fonseca).
E mais ainda: não curto descrição
de animais domésticos desde que saí da fazenda aos oito anos de idade. Veja
bem: como não sou politicamente correta neste quesito, as muitas descrições de
cachorros e gatos não me trazem
sentimentos de sonhos e emoções intrigantes. (Consequência: neste tema saltei
parágrafos inteiros na leitura...)
Por último, comento o
estilo:
“O feliz parêntese aberto na crueza do mundo pela camélia sobre o musgo
do templo fechou-se sem esperança, e a negrura de todas essas quedas corrói meu
coração amargo” (Pag. 112)
Ai! que frase mais enjoada.
Diz a autora que: “Pobre de espírito quem
não conhece a trama nem a beleza da língua” (pag. 170). Pois é. Eu me sinto
taxada como uma pobre de espírito, mas continuo a ler.
Aspectos positivos:
Gostei mais dos “Pensamentos Profundos” e dos “Diários do Movimento do Mundo” – especialmente,
quando expressam a falta de sentido da vida, a visão nihilista da existência...vindos de um personagem de apenas 12
anos. Sai do estereótipo...
Bom. Agora apareceu o OZU.
Será que a chegada do OZU,
outro estereótipo acabado de japonês, oriental, rico e inteligente vai me
trazer emoções novas??? É a grande expectativa.
PAUSA – Parte II
Comentário final:
Sim. A ‘pegada’ desse livro,
para mim, veio com a chegada do OZU. Foi seu personagem e sua atuação que
modificou a vizinhança, alterou a Sra. Michel, e a mim como leitor. Provocou a
curiosidade pelo próximo capítulo. E, por último, valeu a pena o final da
história que por ser imprevisto, fechou bem a narrativa. Foi um fechamento
real, que encaixou com os comentários filosóficos sobre o tempo e a vida, da
qual faz parte a própria morte.
Afinal o livro valeu a pena.
Recomendaria, mas com restrições.
ResponderExcluirLi pela segunda vez a Elegância do Ouriço e quanto mais leio, mais aprecio o romance;
É um livro que eu gostaria de ter escrito.
-Aprecio a forma despretenciosa com que Muriel Barbery coloca o eixo do livro: a desigualdade social, que ela resume no relacionamento entre moradores de um edificio nobre em Paris. Ela cita Marx 8 vezes no início do livro.
-Aprecio a construção nítida dos personagens ao longo da narrativa, especialmente a transformação que acontece paralelamente entre Renée e a adolescente- uma descobrindo o valor da vida, a outra descobrindo o amor.
-Aprecio o humor irônico da narrativa, que me faz rir sozinha com o jeito desajeitado de Renée e a narrativa rebelde e sarcástica de Paloma.
-Aprecio a forma como os dois narradores- a concierge Renée e a adolescente Paloma que planeja suicídio, disfarçam, cada uma a seu modo, por razões distintas, sua grande inteligência e senso crítico diante da hipocrisia social
-Aprecio a forma com que a adolescente percebe a elegância do ouriço em Renée, ao mesmo tempo em que Ozu, o japonês, com sua delicadeza oriental, com sua cultura e valores diferentes, se vincula a Renée pela admiração por Anna Karenina.
-Aprecio a ideia de introduzir gatos e cães como elementos de ligação entre personagens do prédio.
-Aprecio a forma despretenciosa como a escritora, que é filósofa, introduz conceitos importantes de forma casual- a “questão da mesa” de Guillaume, ( pag 267-existem universos ou coisas singulares?), o “idealismo de Kant”, a possibilidade de se “mudar o destino” ( pag 309), o efêmero da beleza “O que é bonito é o que captamos enquanto passa”( pag 293), e por fim, a associação entre medicina e literatura - afinal, as duas “curam”( pag 312), a vida e a morte “Uma vida se passa num tempinho à-toa”.( pag 138)
-Gosto da ideia de usar tipos de letra diferentes para Paloma e Renée, facilitando a identificação das narradoras.
-Achei primorosa a tradução de Rosa Freire d’Aguiar
Ana Studart