A Última Prise - Uma olhada em "Na Estrada"
de Jack Kerouac
Prise – 1. Posição das engrenagens da caixa de mudança na qual o motor transmite maior velocidade às rodas. 2. Pitada ou dose de cocaína ou de outro entorpecente. (adaptado do Aurélio)
de Jack Kerouac
por Oswaldo Pullen
Prise – 1. Posição das engrenagens da caixa de mudança na qual o motor transmite maior velocidade às rodas. 2. Pitada ou dose de cocaína ou de outro entorpecente. (adaptado do Aurélio)
A edição de Na Estrada examinada é a da LP&M de
2005, da série Pocket, com Introdução e Posfácio de Eduardo Bueno.
Os anos de estrada de Kerouac terminaram
desembocando nesta obra que talvez não tenha sido a melhor, mas permaneceu como
a sua mais conhecida e emblemática. Na
Estrada é marcante, porque conta a história de parcela da juventude que se
recusou a participar do sonho americano do pós-guerra. Em vez de hipotecar uma
casa, arranjar trabalho fixo e chumbar os pés em algum canto pacato, Sal, Dean
e seus amigos entenderam que a melhor vida era a do compromisso algum, a do dia
a dia, das festas, das drogas e das estradas.
O desejo irreprimível de ir para algum
lugar fez com que Sal Paradise repetidamente abandonasse qualquer projeto, como
o de cursar universidade ou se casar. Completamente obcecado por Dean Moriarty,
era capaz de atravessar a América de costa a costa, para, às vezes, não ficar
mais do que sessenta horas na cidade de destino.
A sua visão de seus amigos vivendo dentro
“de um único e imenso quintal, fazendo alguma coisa frenética, correndo de um
lado para o outro”, transfere a imagem dupla da eufórica viagem de e para lugar
nenhum, de um lado, assim como, de outro, a imaturidade e a falta de sentido da
atitude absolutamente caótica de todos eles.
O livro é a celebração de uma atitude
existencialista desconectada das posições políticas que lhe seria equivalentes,
como as de Jean Paul Sartre e sua filosofia.
E nesta celebração não é levantada sequer a
própria atitude filosófica, já que os protagonistas, e principalmente Dean, só
se preocupam em ser, ser e ser, sendo clara a sua decomposição e desleixo por
seu bem estar ou futuro, ao longo de toda a narrativa.
Vejo Kerouac como um sucessor, mesmo que
ele não tivesse a menor ideia disto, de Henry Miller, que em 1934 já havia
lançado Trópico de Câncer nos EUA, e que tinha características semelhantes em
sua obra, como um texto que mistura ficção com autobiografia, escrevendo no
estilo comumente conhecido como fluxo de consciência, e com forte crítica
social.
Kerouac, no entanto, se mantém mais
comportado, no que tange aos aspectos tanto obscenos quanto surrealistas que
Henry Miller gostava de trazer para a sua literatura.
Kerouac também permaneceu dentro do
cotidiano norte-americano, coisa que não aconteceu com Miller que trouxe a
Paris dos anos vinte e trinta para a sua ficção. No entanto é importante
afirmar, como registra a Wikipedia.org, que assim como Kerouac, Miller escreveu
combinando autobiografia e ficção, com
alguns capítulos seguindo uma estrutura de narrativa de alguma espécie e se
referindo a amigos reais, colegas e lugares de trabalho; outros são escritos
como reflexões em fluxo-de-consciência que ocasionalmente podem ocorrer como
epifâncias. O livro é escrito em primeira pessoa (...).
No que tange a critérios de qualidade
literária, algumas vezes Kerouac deixa a desejar, principalmente quando se
utiliza de adjetivação dupla ou de imagens que primam por sua singeleza,
chegando às raias do piegas.
No entanto, na maioria e na essência de sua
obra Kerouac é genial, com suas descrições tal como a que faz (na
página 243) de um solo de jazz em um saloon vagabundo na rua Folson.
O livro segue em seu crescente até que Sal,
Dean e Stan viajam para o México no Ford 37 que Dean comprara. A mistura de
decadência, pobreza e inocência que encontram os levam a pensar que (página
334)
“Atrás de nós se
derramava a América inteira, e tudo aquilo que Dean e eu sabíamos sobre a vida,
e sobre a vida na estrada. Finalmente havíamos descoberto a terra mágica que
ficava no final da estrada e ainda não conseguíamos sequer imaginar as
dimensões dessa magia.”
Julgo que o espírito de Na Estrada é resumido em seu início
(página 45), com o diálogo:
“A gente está
indo para Los Angeles”, berraram.
“O que é que
vocês vão fazer lá?”
“Porra, a gente
não tem a menor idéia. Que diferença faz?”
Para terminar, digo que Kerouac, apesar das
farras, das drogas, da apologia ao vagabundo, trás um olhar despido e inocente
da realidade dos anos quarenta e cinquenta nos EUA. Eu recomendo o livro.
Bela crônica, Oswaldo. Não conhecia sobre o Henry Miller, estava na hora de conhecer algum cabra novo dessa vertente, minha preferida.
ResponderExcluirSobre o Kerouac, duas crônicas (os links estão abaixo) sobre o filme do Walter Sales trouxeram-me boas reflexões. Em alguma medida, ambos os autores sentiam-se apegados ao livro desde a leitura ali no começo dos 20 anos. Identifiquei-me na hora, e ainda que rever a obra depois de uma década tenha um ponto de desencanto, podemos entender melhor a aura que circunda a história. E, porque não, lembrar dos devaneios do início da faculdade.
Um grande abraço,
Eduardo Pastore
http://g1.globo.com/platb/maquinadeescrever/2012/07/22/fumar-beber-viajar-trepar-entao-ser-beat-era-isso/
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/1122171-na-estrada.shtml