sexta-feira, 14 de setembro de 2012

ON THE ROAD


A Última Prise - Uma olhada em "Na Estrada" 
de Jack Kerouac

por Oswaldo Pullen

Prise – 1. Posição das engrenagens da caixa de mudança na qual o motor transmite maior velocidade às rodas. 2. Pitada ou dose de cocaína ou de outro entorpecente. (adaptado do Aurélio)

A edição de Na Estrada examinada é a da LP&M de 2005, da série Pocket, com Introdução e Posfácio de Eduardo Bueno.

Os anos de estrada de Kerouac terminaram desembocando nesta obra que talvez não tenha sido a melhor, mas permaneceu como a sua mais conhecida e emblemática. Na Estrada é marcante, porque conta a história de parcela da juventude que se recusou a participar do sonho americano do pós-guerra. Em vez de hipotecar uma casa, arranjar trabalho fixo e chumbar os pés em algum canto pacato, Sal, Dean e seus amigos entenderam que a melhor vida era a do compromisso algum, a do dia a dia, das festas, das drogas e das estradas.
O desejo irreprimível de ir para algum lugar fez com que Sal Paradise repetidamente abandonasse qualquer projeto, como o de cursar universidade ou se casar. Completamente obcecado por Dean Moriarty, era capaz de atravessar a América de costa a costa, para, às vezes, não ficar mais do que sessenta horas na cidade de destino.
A sua visão de seus amigos vivendo dentro “de um único e imenso quintal, fazendo alguma coisa frenética, correndo de um lado para o outro”, transfere a imagem dupla da eufórica viagem de e para lugar nenhum, de um lado, assim como, de outro, a imaturidade e a falta de sentido da atitude absolutamente caótica de todos eles.
O livro é a celebração de uma atitude existencialista desconectada das posições políticas que lhe seria equivalentes, como as de Jean Paul Sartre e sua filosofia.
E nesta celebração não é levantada sequer a própria atitude filosófica, já que os protagonistas, e principalmente Dean, só se preocupam em ser, ser e ser, sendo clara a sua decomposição e desleixo por seu bem estar ou futuro, ao longo de toda a narrativa.
Vejo Kerouac como um sucessor, mesmo que ele não tivesse a menor ideia disto, de Henry Miller, que em 1934 já havia lançado Trópico de Câncer nos EUA, e que tinha características semelhantes em sua obra, como um texto que mistura ficção com autobiografia, escrevendo no estilo comumente conhecido como fluxo de consciência, e com forte crítica social.
Kerouac, no entanto, se mantém mais comportado, no que tange aos aspectos tanto obscenos quanto surrealistas que Henry Miller gostava de trazer para a sua literatura.
Kerouac também permaneceu dentro do cotidiano norte-americano, coisa que não aconteceu com Miller que trouxe a Paris dos anos vinte e trinta para a sua ficção. No entanto é importante afirmar, como registra a Wikipedia.org, que assim como Kerouac, Miller escreveu combinando autobiografia e ficção, com alguns capítulos seguindo uma estrutura de narrativa de alguma espécie e se referindo a amigos reais, colegas e lugares de trabalho; outros são escritos como reflexões em fluxo-de-consciência que ocasionalmente podem ocorrer como epifâncias. O livro é escrito em primeira pessoa (...).
No que tange a critérios de qualidade literária, algumas vezes Kerouac deixa a desejar, principalmente quando se utiliza de adjetivação dupla ou de imagens que primam por sua singeleza, chegando às raias do piegas.
No entanto, na maioria e na essência de sua obra Kerouac é genial, com suas descrições tal como a que faz (na página 243) de um solo de jazz em um saloon vagabundo na rua Folson.
O livro segue em seu crescente até que Sal, Dean e Stan viajam para o México no Ford 37 que Dean comprara. A mistura de decadência, pobreza e inocência que encontram os levam a pensar que (página 334)
“Atrás de nós se derramava a América inteira, e tudo aquilo que Dean e eu sabíamos sobre a vida, e sobre a vida na estrada. Finalmente havíamos descoberto a terra mágica que ficava no final da estrada e ainda não conseguíamos sequer imaginar as dimensões dessa magia.”
Julgo que o espírito de Na Estrada é resumido em seu início (página 45), com o diálogo:
“A gente está indo para Los Angeles”, berraram.
“O que é que vocês vão fazer lá?”
“Porra, a gente não tem a menor idéia. Que diferença faz?”
Para terminar, digo que Kerouac, apesar das farras, das drogas, da apologia ao vagabundo, trás um olhar despido e inocente da realidade dos anos quarenta e cinquenta nos EUA.  Eu recomendo o livro.

Um comentário:

  1. Bela crônica, Oswaldo. Não conhecia sobre o Henry Miller, estava na hora de conhecer algum cabra novo dessa vertente, minha preferida.

    Sobre o Kerouac, duas crônicas (os links estão abaixo) sobre o filme do Walter Sales trouxeram-me boas reflexões. Em alguma medida, ambos os autores sentiam-se apegados ao livro desde a leitura ali no começo dos 20 anos. Identifiquei-me na hora, e ainda que rever a obra depois de uma década tenha um ponto de desencanto, podemos entender melhor a aura que circunda a história. E, porque não, lembrar dos devaneios do início da faculdade.

    Um grande abraço,
    Eduardo Pastore

    http://g1.globo.com/platb/maquinadeescrever/2012/07/22/fumar-beber-viajar-trepar-entao-ser-beat-era-isso/

    http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/1122171-na-estrada.shtml

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