de Milton Hatoum
Companhia das Letras, 2008
‘Órfãos
do Eldorado’ se passa no início do século passado, no interior da região
amazônica, nos arredores de Manaus, onde também nasceu e viveu parte de sua
vida o autor, Milton Hatoum. O mito da Cidade Encantada ou Eldorado, que
atiçava tanto europeus em busca de ouro, quanto os selvagens, em busca de
beleza, liberdade e harmonia em uma cidade submersa, é o pano de fundo desta
narrativa. Violência, ódios, culpa, ciúmes e desejos também são personagens
principais, como em toda boa história, seja na literatura como na vida.
Arminto
Cordovil, neto e filho de figuras proeminentes na sociedade local, nasceu e
cresceu ouvindo os mitos dos povos da região, incorporados naturalmente em sua
linguagem e visão de mundo. A mãe morreu ao pari-lo, o que trouxe para sua vida
culpa e o ódio que o pai lhe tinha. Totalmente órfão aos vinte e poucos anos,
sem ter se reconciliado com o pai, devolveu-lhe o ódio, dilapidando a fortuna
herdada. Sem rumo na vida, parece buscar sentido para a existência na paixão e
obsessão de vida inteira por Dinaura, mulher selvagem, de uma inconstância, mistério
e silêncio que intrigam e capturam a alma de Arminto.
A
história vai e vem no tempo, mareando a gente com as frases curtas, o que
reforça a oralidade da narrativa. Os personagens ao redor de Arminto, seu pai,
Dinaura, Florita, Estiliano, a madre espanhola, são apresentados apenas da
ótica do contador, que muitas vezes não consegue perceber suas motivações ou
sentimentos.
‘A gente quer entender uma pessoa, só encontra silêncio’.
Já
se disse que os seres humanos sempre foram criadores de mitos, os quais nos
auxiliam a lidar com as dificuldades, angústias e incertezas, ampliam os
horizontes e promovem o reequilíbrio do homem. Ajudam a lidar com o horror,
crueza, violência e falta de significado da vida. A mente humana sai em busca
de significados, ela só consegue funcionar se conhecer (ou inventar) um
conjunto de regras (Campbell, 2008). No caso desta narrativa, as lendas que o
narrador ouvia do povo parecem ser a forma como se lida, ali, com a violência
dos desejos do corpo (que não poupa nem brancos nem índios), com as perdas da
vida, com as injustiças sociais, com os desmandos do poder. Alguns lidam,
alguns fogem da vida, como a índia que se suicida carregada para o fundo das
águas, ou como Dinaura, que foge de não-sei-o-quê indo viver no Eldorado de uma
colônia de leprosos.
Arminto
não foge, fica. Fica esperando a fortuna acabar, fica esperando Dinaura voltar,
fica esperando a morte chegar, de mãos dadas com as lembranças do seu mito
particular e com as raízes fincadas na sua cidade.
‘Espero o macucauá cantar no fim da tarde. Ouve só esse canto. Aí nossa noite começa.’
***
Arminto disputa com seu pai Florita e Dinaura, mesmo que sem saber até o final a respeito da última, num arquétipo bem Freudiano. No fundo, a estória toda acontece em torno deste amor/ódio por seu pai.
ResponderExcluirGostei muito da resenha, assim como gostei muito de reler o Hatoum. Sou muito mais ele do que o Mia Couto.
Tem três "muito" no último parágrafo. Deveria ter prestado mais atenção...
ResponderExcluirEncontrei no livro quatro Eldorados: Manaus, que por muito tempo foi sinônimo de Eldorado; o navio da família, batizado de Eldorado, que naufraga; a ilha de leprosos para onde vai Dinaura e depois Arminto, à sua procura; e a Cidade Submersa, encantada. Apenas o último não representa uma tragédia, por ser mito.
ResponderExcluirO livro mostra a decadência de uma região pela saga de Arminto, que de rico morreu pobre, procurando encontrar o seu Eldorado pessoal, sua paixão. O ocaso da opulência do Amazonas, coincide com a decadência de Arminto que, por não deixar descendentes, representa, também, o fim de uma era.
Achei interessante a falta de a capítulos estruturados e a narrativa de frases curtas, coloquial, de um contador de histórias. Os personagens foram bem construídos, mas não me identifiquei com nenhum deles.
É um livro que transpira tristeza e desalento.
Gostei imensamente da resenha de Daniela.