quarta-feira, 9 de maio de 2012

Órfãos do Eldorado

de Milton Hatoum

Companhia das Letras, 2008


por Daniela Lopes

Primeiro contato com o texto do Milton Hatoum. História comprida, de frases curtas, ‘falada’ em primeira pessoa. É a história de vida do narrador, Arminto Cordovil, prisioneiro de sua cidade amazônica e de suas paixões. Narrativa colorida de mitos, árvores, pássaros e cheiros da região.

‘Órfãos do Eldorado’ se passa no início do século passado, no interior da região amazônica, nos arredores de Manaus, onde também nasceu e viveu parte de sua vida o autor, Milton Hatoum. O mito da Cidade Encantada ou Eldorado, que atiçava tanto europeus em busca de ouro, quanto os selvagens, em busca de beleza, liberdade e harmonia em uma cidade submersa, é o pano de fundo desta narrativa. Violência, ódios, culpa, ciúmes e desejos também são personagens principais, como em toda boa história, seja na literatura como na vida.

Arminto Cordovil, neto e filho de figuras proeminentes na sociedade local, nasceu e cresceu ouvindo os mitos dos povos da região, incorporados naturalmente em sua linguagem e visão de mundo. A mãe morreu ao pari-lo, o que trouxe para sua vida culpa e o ódio que o pai lhe tinha. Totalmente órfão aos vinte e poucos anos, sem ter se reconciliado com o pai, devolveu-lhe o ódio, dilapidando a fortuna herdada. Sem rumo na vida, parece buscar sentido para a existência na paixão e obsessão de vida inteira por Dinaura, mulher selvagem, de uma inconstância, mistério e silêncio que intrigam e capturam a alma de Arminto.

A história vai e vem no tempo, mareando a gente com as frases curtas, o que reforça a oralidade da narrativa. Os personagens ao redor de Arminto, seu pai, Dinaura, Florita, Estiliano, a madre espanhola, são apresentados apenas da ótica do contador, que muitas vezes não consegue perceber suas motivações ou sentimentos. 
‘A gente quer entender uma pessoa, só encontra silêncio’. 

Já se disse que os seres humanos sempre foram criadores de mitos, os quais nos auxiliam a lidar com as dificuldades, angústias e incertezas, ampliam os horizontes e promovem o reequilíbrio do homem. Ajudam a lidar com o horror, crueza, violência e falta de significado da vida. A mente humana sai em busca de significados, ela só consegue funcionar se conhecer (ou inventar) um conjunto de regras (Campbell, 2008). No caso desta narrativa, as lendas que o narrador ouvia do povo parecem ser a forma como se lida, ali, com a violência dos desejos do corpo (que não poupa nem brancos nem índios), com as perdas da vida, com as injustiças sociais, com os desmandos do poder. Alguns lidam, alguns fogem da vida, como a índia que se suicida carregada para o fundo das águas, ou como Dinaura, que foge de não-sei-o-quê indo viver no Eldorado de uma colônia de leprosos.

Arminto não foge, fica. Fica esperando a fortuna acabar, fica esperando Dinaura voltar, fica esperando a morte chegar, de mãos dadas com as lembranças do seu mito particular e com as raízes fincadas na sua cidade. 
‘Espero o macucauá cantar no fim da tarde. Ouve só esse canto. Aí nossa noite começa.’

*** 

3 comentários:

  1. Arminto disputa com seu pai Florita e Dinaura, mesmo que sem saber até o final a respeito da última, num arquétipo bem Freudiano. No fundo, a estória toda acontece em torno deste amor/ódio por seu pai.
    Gostei muito da resenha, assim como gostei muito de reler o Hatoum. Sou muito mais ele do que o Mia Couto.

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  2. Tem três "muito" no último parágrafo. Deveria ter prestado mais atenção...

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  3. Encontrei no livro quatro Eldorados: Manaus, que por muito tempo foi sinônimo de Eldorado; o navio da família, batizado de Eldorado, que naufraga; a ilha de leprosos para onde vai Dinaura e depois Arminto, à sua procura; e a Cidade Submersa, encantada. Apenas o último não representa uma tragédia, por ser mito.
    O livro mostra a decadência de uma região pela saga de Arminto, que de rico morreu pobre, procurando encontrar o seu Eldorado pessoal, sua paixão. O ocaso da opulência do Amazonas, coincide com a decadência de Arminto que, por não deixar descendentes, representa, também, o fim de uma era.
    Achei interessante a falta de a capítulos estruturados e a narrativa de frases curtas, coloquial, de um contador de histórias. Os personagens foram bem construídos, mas não me identifiquei com nenhum deles.
    É um livro que transpira tristeza e desalento.
    Gostei imensamente da resenha de Daniela.

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