JON FOSSE nasceu em 1959 na costa oeste da Noruega e é considerado um dos grandes autores de sua geração, com uma obra que inclui prosa, poesia, ensaios, contos, livros infantis e peças teatrais. Sua estreia literária se dá em 1981, com a publicação do conto "Han" em um jornal estudantil. Dois anos mais tarde, lança Raudt, svart, seu primeiro romance. Seus livros já foram traduzidos para mais de cinquenta idiomas. Em 2023, recebeu o prêmio Nobel de literatura ( Companhia das Letras).
Na juventude era ateu e comunista, pois, acredita que naquele tempo o artista só tinha essa forma politica de existir no mundo. Na maturidade, após sérios problemas com álcool, se converteu ao catolicismo, frequentando inclusive comunidades quackers. Professor de escrita criativa, foi professor do proeminente escritor Karl Ove Knausgard.
Neste breve romance ambientado nos fiordes noruegueses, a narrativa se inicia em 2002, quando observamos Signe, na casa denomina "antiga casa" elucubrar sobre o desaparecimento de seu marido, Asle. Nesse devaneio, Signe vê a si mesma, no passado, olhando pela janela a espera de seu companheiro que saiu em um dia de clima adverso para navegar em seu pequeno barco nas proximidades de um fiorde. Seus pensamentos e memórias nos apresentam um pouco de sua vida com Asle e também nos conduzem a uma viagem por gerações que habitaram aquela mesma casa.
O romance nos permite transitar entre a mente de Signe e Asle e também dispõe de um narrador onisciente. A obra raramente inclui pontuação, desse modo os parágrafos se estendem por vezes em diversas páginas, ampliando a sensação de imersão na mente dos personagens.
Asle, nos é revelado, desapareceu naquela visita ao fiorde, em 1979.
A medida que o romance se desenvolve o leitor é levado através das mentes de Signe e Asle, pela qual é possível percorrer um viagem geracional que remonta os ancestrais de Asle, até sua trisavó, Ales, no ano de 1897, quando um menino, seu parente distante, também de nome nome Asle, desapareceu nas águas geladas do fiorde, aos sete anos de idade. Essa heterogeneidade temporal, somada ao efeito reflexo de duas pessoas de mesmo nome e mesma sina em uma família, causam um efeito hipnótico na trama, evocando a presença do passado no presente e ampliando a sensação de conexão entre o mundo dos mortos e o mundo do vivos.
Nesse tocante, é relevante mencionar que JON FOSSE teve como inspiração para o livro o seguinte soneto 18 de Shakespeare do qual se destaca : Enquanto o homem possa respirar ou os olhos possam ver, viva este canto dar-te a vida é o seu dever. Depreende-se, portanto, que enquanto houver memória, enquanto houve lembrança haverá existência.
Por fim, se destaca a construção experimental não somente pelo entrelaçamento de histórias em momentos históricos distintos, mas também pela escolha da linguagem original do romance, todo ele construído em nynorky ou neonoruegues um dos dois idiomas oficiais da Noruega, o que se presume conferiu naturalidade aos diálogos, especialmente entre o casal. A prosa de Fosse não se propõe a dar soluções ou catarses. Trata-se de um livro que transita entre os espelhamentos geracionais e as lembranças criando uma atmosférica quase onírica na qual os personagens podem não estar dividindo o mesmo tempo , mas dividem o mesmo espaço, especialmente o mar esse sim, é história.
Por fim, é possível ainda estabelecer uma conexão entre a obra de Fosse e o conto a Terceira Margem do Rio de Guimarães Rosa, assim como na obra de Fosse a aparente simplicidade da trama guarda um complexidade metafísica e existência que pode ter relação com o que exprime o conto de Rosa, no qual as margens do rio simbolizam a vida visível, terrena, cotidiana. A terceira margem seria aquela que não é vista, que sai do cotidiano, do lógico, é a transcendência diante do dado, do rotineiro. Portanto, o fiorde seria uma especie de paisagem, palco metafísico que guarda os segredos entre a vida e a morte.
Leitura desafiadora mas que revela surpresas!
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