Comentários de Carlos Guido Azevedo
Gostei do livro.
Meu mentor dizia que temos um pendor para a análise
literária quando descobrimos que muitas vezes “não lemos e, gostamos ou não
gostamos, em função de uma imagem anterior” e citava livros muito elogiados que
poucos leram e todos gostaram, como Guerra e Paz, Lusíadas, Comédia Humana e
outros. Por ser arriscado dizer que não gostou, já que o senso comum elogia.
No caso de Os Beijos de Lênin, não tinha qualquer
informação anterior e, realmente fiz uma leitura dinâmica das suas 488 páginas,
porque seria humanamente impossível ler em detalhe nos 4 dias que tive para a
leitura.
No entanto, pude perceber o desenrolar de uma
estória dentro da história da China. Me surpreendeu, negativamente no início a
excessiva preocupação do autor em contextualizar os personagens, mesmo sendo
fictícios e as ações do romance e apresentar um dicionário de expressões do
dialeto usado.
Só depois é que pude compreender que era uma
estratégia de um contador de estórias que não podia colocar seus personagens
reais muito perto das ocorrências contraditórias e pavorosas de sua realidade
histórica.
Foi assim, que entendi a magnífica estória de uma aldeia
Avivada composta por cerca de 200 pessoas
com deficiência, sem expressar que essa era uma solução socialista de eugenia,
dirigida por uma velha líder Vovó Mao Zhi, posto que essa não era a única
aldeia só de deficientes.
A vila vive cada época da revolução chinesa,
sofrendo as políticas sociais vigentes. Assim, na falta de energia queimaram
todas as árvores, quando os pássaros prejudicaram a colheita, mataram todos os
pássaros, na época do ferro para o progresso, recolheram todas as dobradiças de
porta e até as panelas de fazer a comida. Pelo livrinho vermelho morreram
milhares, pelo livrinho preto, outro tanto.
Assim, nós vamos compreendendo como o sistema
comunista chinês opera no sistema capitalista mais cruel e desumano no seu
interior e usa a roupagem socialista na estrutura de poder para reduzir os
espaços de liberdade e facilitar a implementação das políticas públicas.
Bom, e a estória da vila Avivada?
É uma fábula muito edificante. A vila formada pela
escória da sociedade chinesa, onde todos são deficientes, vive uma vida normal
com todos seus habitantes atuando com a melhor de sua forma para sobreviver.
Lá, ninguém é dado usufruir de sua deficiência e todos trabalham e produzem com
naturalidade de inteiro, como são chamados por eles os não deficientes.
Até que o Chefe Liu tem uma ideia magnífica, trazer
turismo para a comunidade central, fazer um grande investimento na região que
atraia turistas do mundo todo. A primeira e mais factível ideia é aceita por
todos e posta em execução foi comprar o túmulo de Lenin que estava em
semiabandono no Kremlin, pela carência financeira da Rússia e trazer para a
região. Não, sem antes construir um grande Mausoléu digno do grande líder.
Então, inicia-se uma grande construção de ideias
sobre como será o futuro da região e a venda de ilusão sobre ilusão aponta o
modus operandi socialista de viver para um futuro de leite e mel, enquanto se
rala em um presente sofrido e tirânico.
A genial solução para a fonte de recursos para o
ambicioso projeto, a ser tocado sem a autorização da unidade central, com o
nível de liberdade efetiva do atual modelo chinês, no qual os chefes locais devem
dar soluções para os problemas de sua região, foi montar uma trupe de artistas
com os deficientes de Avivada para que eles demonstrem no palco suas
capacidades diferenciadas adquiridas na árdua luta pela sobrevivência, quando
tiveram suas habilidades aguçadas para suprir as próprias deficiências e
sobreviver em um mundo sem pessoas inteiras.
O genial, vaidoso e autoritário Chefe Liu entrou em
conflito com Vovó Mao Zhi que não aceitava a formação da trupe, mas foi
convencida com a promessa de que a Vila Avivada, depois disso sairia da
jurisdição do Condado de Boshuzi.
Assim fizeram, as duas trupes foram um sucesso,
recolheram um bom dinheiro e na última apresentação, na inauguração do Mausoléu
de Lenin, o desfecho.
A viagem para negociação do corpo de Lenin foi
bloqueada pelo estamento superior. Chefe Liu foi despedido do cargo e
ridicularizado pela iniciativa, além de descobrir que há tempos era traído por
seu auxiliar que amava sua mulher.
As trupes foram trancadas no mausoléu e todo
dinheiro lhe foi roubado pelos inteiros para que lhes dessem água e comida na
prisão que se tornou a grande construção.
Chefe Liu foi reverenciado por todo o povo, antes
de chegarem as notícias de sua demissão, porque seu assistente provando sua
capacidade de enganar a população, espalhou promessas de leite e mel para a
vida de todos providenciados pelo Chefe Liu.
Sabendo o que lhe esperava, o Chefe Liu fez a
assembleia aprovar a carta de desfiliação da aldeia Avivada do sistema comunal.
Então, se jogou na frente de um carro, ficou deficiente e se mudou para Avivada,
onde afinal, embora deficientes, seus moradores viviam felizes porque cuidavam
de suas vidas, sem sentimento de discriminação pelas limitações físicas comuns.
A carta de liberação do sistema que era o grande
sonho da Vovó Mao Zhi, finalmente chegou a Avivada, trazendo muita alegria
porque afinal se libertavam dos pesados impostos, da gestão temerária e podiam
viver em paz, longe das políticas sociais do sistema.
Vovó Mao Zhi pode então morrer em paz e ceder o seu
lugar para o Chefe Liu que chegava para exercer seu domínio sobre Avivada,
agora como mais um deficiente.
RECOMENDO COM RESTRIÇÕES. Há que haver algum interesse preliminar sobre
as coisas da China, para encarar o livro.
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