quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Os Beijos de Lênin

de Yan Lianke


Comentários de Carlos Guido Azevedo


Gostei do livro.
Meu mentor dizia que temos um pendor para a análise literária quando descobrimos que muitas vezes “não lemos e, gostamos ou não gostamos, em função de uma imagem anterior” e citava livros muito elogiados que poucos leram e todos gostaram, como Guerra e Paz, Lusíadas, Comédia Humana e outros. Por ser arriscado dizer que não gostou, já que o senso comum elogia.
No caso de Os Beijos de Lênin, não tinha qualquer informação anterior e, realmente fiz uma leitura dinâmica das suas 488 páginas, porque seria humanamente impossível ler em detalhe nos 4 dias que tive para a leitura.
No entanto, pude perceber o desenrolar de uma estória dentro da história da China. Me surpreendeu, negativamente no início a excessiva preocupação do autor em contextualizar os personagens, mesmo sendo fictícios e as ações do romance e apresentar um dicionário de expressões do dialeto usado.
Só depois é que pude compreender que era uma estratégia de um contador de estórias que não podia colocar seus personagens reais muito perto das ocorrências contraditórias e pavorosas de sua realidade histórica.
Foi assim, que entendi a magnífica estória de uma aldeia  Avivada composta por cerca de 200 pessoas com deficiência, sem expressar que essa era uma solução socialista de eugenia, dirigida por uma velha líder Vovó Mao Zhi, posto que essa não era a única aldeia só de deficientes.
A vila vive cada época da revolução chinesa, sofrendo as políticas sociais vigentes. Assim, na falta de energia queimaram todas as árvores, quando os pássaros prejudicaram a colheita, mataram todos os pássaros, na época do ferro para o progresso, recolheram todas as dobradiças de porta e até as panelas de fazer a comida. Pelo livrinho vermelho morreram milhares, pelo livrinho preto, outro tanto.
Assim, nós vamos compreendendo como o sistema comunista chinês opera no sistema capitalista mais cruel e desumano no seu interior e usa a roupagem socialista na estrutura de poder para reduzir os espaços de liberdade e facilitar a implementação das políticas públicas.
Bom, e a estória da vila Avivada?
É uma fábula muito edificante. A vila formada pela escória da sociedade chinesa, onde todos são deficientes, vive uma vida normal com todos seus habitantes atuando com a melhor de sua forma para sobreviver. Lá, ninguém é dado usufruir de sua deficiência e todos trabalham e produzem com naturalidade de inteiro, como são chamados por eles os não deficientes.
Até que o Chefe Liu tem uma ideia magnífica, trazer turismo para a comunidade central, fazer um grande investimento na região que atraia turistas do mundo todo. A primeira e mais factível ideia é aceita por todos e posta em execução foi comprar o túmulo de Lenin que estava em semiabandono no Kremlin, pela carência financeira da Rússia e trazer para a região. Não, sem antes construir um grande Mausoléu digno do grande líder.
Então, inicia-se uma grande construção de ideias sobre como será o futuro da região e a venda de ilusão sobre ilusão aponta o modus operandi socialista de viver para um futuro de leite e mel, enquanto se rala em um presente sofrido e tirânico.
A genial solução para a fonte de recursos para o ambicioso projeto, a ser tocado sem a autorização da unidade central, com o nível de liberdade efetiva do atual modelo chinês, no qual os chefes locais devem dar soluções para os problemas de sua região, foi montar uma trupe de artistas com os deficientes de Avivada para que eles demonstrem no palco suas capacidades diferenciadas adquiridas na árdua luta pela sobrevivência, quando tiveram suas habilidades aguçadas para suprir as próprias deficiências e sobreviver em um mundo sem pessoas inteiras.
O genial, vaidoso e autoritário Chefe Liu entrou em conflito com Vovó Mao Zhi que não aceitava a formação da trupe, mas foi convencida com a promessa de que a Vila Avivada, depois disso sairia da jurisdição do Condado de Boshuzi.
Assim fizeram, as duas trupes foram um sucesso, recolheram um bom dinheiro e na última apresentação, na inauguração do Mausoléu de Lenin, o desfecho.
A viagem para negociação do corpo de Lenin foi bloqueada pelo estamento superior. Chefe Liu foi despedido do cargo e ridicularizado pela iniciativa, além de descobrir que há tempos era traído por seu auxiliar que amava sua mulher.
As trupes foram trancadas no mausoléu e todo dinheiro lhe foi roubado pelos inteiros para que lhes dessem água e comida na prisão que se tornou a grande construção.
Chefe Liu foi reverenciado por todo o povo, antes de chegarem as notícias de sua demissão, porque seu assistente provando sua capacidade de enganar a população, espalhou promessas de leite e mel para a vida de todos providenciados pelo Chefe Liu.
Sabendo o que lhe esperava, o Chefe Liu fez a assembleia aprovar a carta de desfiliação da aldeia Avivada do sistema comunal. Então, se jogou na frente de um carro, ficou deficiente e se mudou para Avivada, onde afinal, embora deficientes, seus moradores viviam felizes porque cuidavam de suas vidas, sem sentimento de discriminação pelas limitações físicas comuns.
A carta de liberação do sistema que era o grande sonho da Vovó Mao Zhi, finalmente chegou a Avivada, trazendo muita alegria porque afinal se libertavam dos pesados impostos, da gestão temerária e podiam viver em paz, longe das políticas sociais do sistema.
Vovó Mao Zhi pode então morrer em paz e ceder o seu lugar para o Chefe Liu que chegava para exercer seu domínio sobre Avivada, agora como mais um deficiente.
RECOMENDO COM RESTRIÇÕES.  Há que haver algum interesse preliminar sobre as coisas da China, para encarar o livro.

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