TRADUÇÃO: Paula Souza Dias Nogueira
Editora : Malê – Rio de Janeiro / 2017
de Marilia Klotz
Sobre o Autor
Alain Mabanckou, nasceu em 24 de
fevereiro de 1966 (52 anos) na África , especificamente na República do
Congo. Estudou direito em Brazzaville e aos 22 anos imigrou para a França ,
onde fez uma pós graduação em Paris. Possui uma dupla nacionalidade Franco –
Congolês que acompanhou toda sua trajetória de vida e suas produções
literárias. Na França trabalhou em várias multinacionais antes de se consagrar
na literatura. Sua formação passa pelas letras, pela filosofia e pelo direito. Atualmente,
mora nos USA e desde de 2002 atua como professor convidado, inicialmente de
literatura e escrita criativa na Universidade de Michigan, e posteriormente na
Universidade da Califórnia com disciplinas de literatura francófona.
É autor de 5 romances, 6 livros
de poesias e vários relatos publicados em diferentes periódicos como o “Le
Figaro ” de Paris e “Le soir” de Bruxelas.
Entre os prêmios mais importantes
destaca-se em 1999 o Grande prêmio
Literário da África Negra e em 2006 o prêmio Renaudot com o livro Memórias do
Porco-Espinho.
Este ano, 2018, participou da
FLIP em Paraty – RJ/Brasil, onde falou sobre literatura e linguagem, mas também
sobre as tradições da África, da Europa e da América.
Mabanckou escreveu um livro
infantil que conta a história de um menino de 10 anos de idade, cuja vida é
marcada por grandes dificuldades, mas sobretudo por um enorme aprendizado sobre
a morte. Ele obtém esse ensinamento através da relação que estabelece com uma estrela.
Suas obras são traduzidas em 15
idiomas e, segundo o próprio autor “Memórias de Porco-espinho” é seu romance
mais africano, onde homenageia as crenças, lendas e tradições africanas. Para
ele o que interessa é “a face invisível das coisas, pois a realidade só está
completa, quando se leva em consideração aquilo que não vemos”. Amplia desta maneira
o conceito de realidade para além de uma palpável e objetiva.
Alain Mabanckou , inova as formas
tradicionais dos contos africanos, fazendo uma narrativa criativa e irônica ao
mesmo tempo o que faz dele, segundo os especialistas, um dos maiores expoentes da literatura
francófona atual. Faz parte de uma geração de escritores africanos que reflete
criticamente sobre seu passado, sua herança cultural e, principalmente sobre a
questão da identidade , através dos temas do exílio, da imigração, da
sexualidade entre outros.
Em geral , os países africanos
são vistos no ocidente como iguais e de uma única cultura. Mabanckou,
entretanto, através de seus escritos tenta recuperar e resgatar as diferentes
culturas existentes , bem como reconstruir
a identidade de cada povo e de cada tribo.
Para além de tudo isso sua
narrativa possui toda uma originalidade que vem das línguas orais africanas
faladas no Congo que transparece na construção da história , cujo único sinal
de pontuação é a vírgula.
Sobre a História
Memórias de Porco-Espinho é a
paródia de uma lenda popular africana de que todo ser humano possui um duplo
animal, pacífico ou nocivo. Toda história é narrada por um porco-espinho que
conviveu intimamente com os seres humanos de onde se autoriza a
criticá-los em seus hábitos e
comportamentos, mas sobretudo na mania que todo o ser humano tem de se colocar
como o umbigo do mundo, o centro e a auto referência para a busca de suas
satisfações e de seus desejos mais obscuros.
No caso, o porco-espinho, que
sòmente no final do livro descobrimos que possui um nome – NGUMBÁ , dado por
seu mestre, era o duplo de um humano Kibandí a quem devia submissão e servidão
inquestionável. Kibandí e o porco-espinho tem o mesmo corpo e só podem existir
juntos. Quando o mestre Kibandí morre, o bichano usa o pouco tempo que lhe
resta para fazer uma avaliação de sua própria conduta e tentar uma reparação
quanto a sua fama de mal. O
porco-espinho executa os sinistros desejos de seu mestre e realiza uma série de
assassinatos de todos aqueles que atravessam o caminho de seu senhor. O faz com
a ajuda de seus perigosos espinhos. Depois da morte de Kibandí e completamente
triste pelo ocorrido, o porco-espinho senta-se aos pés do BAOBÁ ( árvore
grandiosa e milenar típica do continente africano) e passa a contar-lhe sua
história pessoal. Essa narrativa parece ter uma dupla função, não apenas
reparar sua fama de mal, como encontrar sua própria identidade diferente
daquela colada em Kibandí. Parece buscar
uma possível diferenciação. O EU e o OUTRO até então misturados, com o advento
da morte e consequente separação, ocorre um corte neste prolongamento
imaginário. Na prática de 100
homicídios exercidos pelo animal
porco-espinho à mando do humano Kibandí, cabe a pergunta : “Quem entre
o homem e o animal é verdadeiramente a besta? ”
Não é demais lembrar que o Porco
– espinho nascido como duplo nocivo de seu mestre Kibandí, morre como duplo pacífico na busca da
realização dos sonhos mais comuns ligados à sexualidade, a afinidade com um
outro par, com sua descendência e com a transmissão de valores éticos e morais.
(pg 126).
A história é rica em metáforas e
significados o que nos permite uma série de leituras e interpretações.
Gostaria de acrescentar a
propósito do “ duplo “ que no desenvolvimento infantil existe um momento, onde
não raro a criança inventa um amigo imaginário com quem dialoga, mas só ele vê,
pois é invisível aos outros. É o duplo
de si- mesmo que surge para realizar no imaginário, na fantasia, tudo aquilo
que a criança, não pode ou não consegue fazer na realidade.
Da mesma forma que no livro o
duplo nocivo de Kibandí só aparece aos 10 anos de idade e mediante um processo
particular (espécie de ritual) no desenvolvimento infantil esse duplo também
não está presente de saída. Faz parte de uma construção subjetiva humana e dos
processos de recalcamento inconsciente. Alguns desejos que não podem ser
satisfeitos na realidade são deslocados para esse outro lugar simbólico,
digamos para esse duplo de si mesmo , conhecido e desconhecido de todos nós ao
mesmo tempo.
A importância das leis encarnadas
nas figuras parentais e de autoridade, sejam no mundo humano ou animal são
extremamente importantes e determinantes para o aparecimento desses outros
“duplos”. A Bíblia, por exemplo é uma
referência à essas leis sagradas que aparece na história como a representação
daquilo que se pode e o que não se pode fazer. (pg 15).
Finalmente, dentre as inúmeras associações
que se pode fazer nessa história, a questão da morte, para mim, coroa toda a
busca de sentido para a vida, sendo que é nesse momento da morte de Kibandí que
o porco-espinho realiza seu processo de significação e de sentido missionário
acerca da sua vida.” A palavra diz ele, nos salva do medo da morte ! “
Extraímos , portanto a importância da fala do porco espinho e da escuta
acolhedora e silenciosa do Baobá tal qual de um psicanalista num processo
analítico com seu analisando.
Gostei e recomendo a leitura!!!