TERRA E CINZAS
Autor: Atiq Rahimi
Editora Estação Liberdade Ltda. -
S.Paulo – 2002 (78 páginas)
Resenha em Setembro de 2018
Ma. Virginia de Vasconcellos
O autor Atiq
Rahimi, sem dúvida, entende de guerras. Vivenciou seus
horrores cedo em sua vida. Tinha apenas 17 anos quando a União Soviética
invadiu seu país (1979), o Afeganistão. E durante a guerra, nos anos 80, fugiu
rumo ao Paquistão, numa jornada que durou 8 dias, a pé. No Paquistão permaneceu
durante um tempo e, em seguida, refugiou-se na França onde vive até os dias de
hoje.
A Wikipedia nos conta que ele é nascido
em Cabul, no ano de 1962. Estudou em uma escola franco-afegã e
fala fluentemente o francês, embora seu primeiro romance, publicado em 1999 –
que é este TERRA E CINZAS - tenha sido escrito em Dari, língua falada no norte
e noroeste do Afeganistão.
Não só é formado em Letras, mas também em Cinema. E se
destacou na produção e direção de documentários
e filmes longos. Entre eles, foi diretor de um filme baseado neste conto,
estreado no Brasil, em 2004. [1]
O grande amor aqui é substituído pela grande dor, e o samba curto pelo conto TERRAS E CINZAS.
O enredo é curto sim – mínimo, um fiapo mesmo. Porém denso, e recheado
de pura melancolia e sensibilidade. Rahimi relata o impacto da violência da
guerra na alma e no espírito do ser humano.
Qual é esse enredo? Após a destruição de um vilarejo e de seus
habitantes, um ancião sobrevivente escapa
com seu neto em direção à mina onde trabalha seu filho, pai dessa criança. Dastaguir, o avô, quer contar ao seu filho
Murad sobre as perdas e compartilhar
sua dor.
O narrador apresenta o personagem sofrendo suas angústias da primeira
linha até o final da narrativa. Noite e dia, na vigília ou no sono, sono este
carregado de pesadelos. Apenas pequenas tréguas são permitidas quando Dastaguir masca naswar, o tabaco com narcótico. Pra piorar, o neto ficou surdo,
numa simbologia que parece dizer que a guerra silencia o mundo dos infantes.
Além de padecer com os fatos trágicos ocorridos, Dastaguir teme pela dor que vai causar ao filho ao lhe contar sobre
a desgraça na família.
Na caminhada rumo à mina, ele vai encontrando os outros personagens.
Com exceção da mulher de Murad, que é uma imagem fugaz, é um cenário
onde só aparecem homens. Alguns com atitude solidária como Mirza Kadir, mas
sempre num tom de mágoa contida. No texto não cabe o senso de humor, nem o feminino. É um
ambiente onde “os mortos são mais felizes
que os vivos” (pag. 38); pois, “a guerra
não tem coração” (pag40).
Por fim, surge o contramestre da mina, que com seus dizeres, faz Dastaguir explodir em dor pungente e
avassaladora.[3]
O final do conto fica em aberto. Será que Murad vai ao encontro de Dastaguir?
Ele chora e diz pra si: “Se ele
vier te procurar você reconhece seu filho Murad. Se não, é porque você não tem
mais Murad algum” (pag. 77). E deixa o ancião em perene agonia.O estilo é fluido, poético e de fácil leitura. Sem cair no sentimentalismo. Os detalhes de roupas, objetos e paisagem não importam muito. O que conta é o sofrimento que não desaparece – até o final da narrativa – narrativa esta que o autor parece fazer questão de deixar sem fecho. Pra frisar que é uma dor que não passa - nunca.
Concordo com os que dizem que esse conto é um PANFLETO ANTI-GUERRA.
A mensagem parece evidente e clara, mostrando que a destruição de fora
pode ser monstruosa, mas a de dentro, a devastação no coração e na alma dos
atingidos, pode ser incessante e eterna.[4]
Embora essa mensagem seja valorosa e fundamental, é difícil recomendar
esse livro.
Porque este conto é como SOL DE
INVERNO: “ilumina, mas não aquece”.
[5]
Como explica o dito popular...Não deixa esperança nem leveza. O horror da guerra rouba qualquer possibilidade de diversão.
E inserindo no contexto no qual vivemos, na chamada “sociedade do
espetáculo”, de super- valorização do entretenimento, um texto como esse não me
deixa cantar o samba do Paulinho da Viola até o fim. Um samba que termina
assim:
“Ontem uma rocha fria, hoje assim exposto, deixando sem medo entrar a
vida......
“Rumo ao futuro, certo de meu
coração mais puro.....
Esse conto não permite a vida sem medo e nem meu coração mais puro -
rumo ao futuro.
[1] Em
entrevista à Folha de S.Paulo, em 2004, o autor afirma que “O
livro é íntimo demais, interiorizado. Minha ideia foi ir além dele”.
[2] NUM
SAMBA CURTO – Paulinho da Viola “Quem
quiser que pense um pouco, eu não posso explicar meus encontros. Ninguém pode
explicar a vida num samba curto”
[3]
“A dor se transforma em bomba dentro do peito, uma bomba que
explode num belo dia e te faz explodir também” (pag 30.); “Agora tua tristeza
tomou forma, ela se transformou em bomba, ela vai explodir, ela vai te fazer
explodir” (pag 73).
[4] Associar
com o personagem que se torna terrorista no livro “Cicatriz de David” de Susan ABULHAWA lido pelo grupo em 2015, e
também com o livro do Conrad – “O senhor
das trevas” – que trata do “opressor de plantão” – no caso, o colonizador,
também lido pelo grupo.
[5] Dito
popular: “Conselho de velho é igual a Sol
de inverno, ilumina, mas não aquece”