quinta-feira, 16 de agosto de 2018

O País das Neves

de Yasunari Kawabata



Comentários de Guido Azevedo

O País das Neves é uma leitura que não exige paciência de monge ou sensibilidade de poeta, mesmo sem elas, o leitor vai se deliciar com um mergulho na emoção do feminino. Não nego que seriam características interessantes para uma análise mais profunda da obra, daí essa minha análise, tão superficial.

Deu para perceber o  vão esforço de Kawabata, em compreender e explicar o comportamento e as emoções do feminino através da relação de Shimamura, um alter ego do escritor, no livro, “bon vivant” e pesquisador das tradições japonesas que busca se aprofundar na compreensão do comportamento de Komako uma gueixa real, que o encantou por algum tempo e o fez retornar repetidas vezes a uma região do Japão, caracterizada como o País das Neves.

Shimamura é especialista na cultura japonesa antiga, teatro, música, trajes e costumes, o que dá ao autor, espaço para explicar tópicos das tradições japonesas do alimento aos trajes, das canções à fabricação de tecidos como ceda e linho da neve, numa riqueza de detalhes que glorifica a sua origem e qualifica a complexidade das relações e tradições nipônicas.

A essência do livro, no entanto, é o mergulho nas relações humanas, nas sutilezas da vida de gueixa, nas facilidades e restrições que lhe são impostas pela profissão que, em nada se parece com as profissionais do sexo ocidental.

Assim, acessamos o País das Neves por um longo túnel, na sequência das viagens de Shimamura para encontrar Komako e tentar compreender seus sentimentos, literalmente lembrados pelo seu dedo indicador esquerdo, como um testemunho de suas andanças pelas mais sensíveis e profundas regiões dessa terra fria.

Comovente é a capacidade do autor de integrar as descrições do ambiente, do clima e das paisagens com clarezas de neve nova e escuros de noites sombrias, concatenando essas imagens com as emoções dos personagens, em cada ação o ambiente, o clima, o lugar sintonizam com as pessoas, as tradições ou as emoções e refletem tonalidades semelhantes.

“Talvez pelo raiar do sol, o brilho da neve no espelho era mais intenso, como se ela queimasse gelada. Acompanhando esse movimento, o cabelo da mulher que sobressaía no reflexo da neve também intensificou o preto, que brilhava lilás.”

A natureza, as montanhas e a neve se integram as emoções, aos sentimentos dos personagens para a construção das cenas em uma dança sutil que rivaliza em beleza e contrastes com o jogo de sedução e recusa, negação e entrega de Komako.

A natureza e o desejo se equivalem, se complementam se ajudam: “Shimamura ... descobriu que tendia a perde naturalmente a seriedade, por isso caminhava sozinho pelas montanhas, achando que era o lugar ideal para recuperá-la. Naquela noite havida descido para essas termas e solicitado uma gueixa, depois de passar sete dias pelas montanhas fronteiriças.”  Quando conheceu Komako “Shimamura chegou a duvidar de seus olhos, achando aquilo era efeito do início do verão nas montanhas, que o enganava”.

A inglória tentativa de entender o comportamento feminino e buscar um mínimo de lógica nessa relação está a todo momento sendo posta à prova. Shimamura pede a Komako que lhe arranje uma gueixa, porque ele simpatizou com ela e não quer manter relações que lhe impossibilitem de uma convivência mais familiar no futuro. Demanda natural e até elogiosa para ele, que é recebida com repulsa, raiva e incompreensão por Komako.

Desse ponto em diante se desenvolve a trama do livro, num enredo mais ou menos previsível, sem grandes alterações numa sequência de invernos com mais ou menos neve, onde a tradição japonesa de esconder os sentimentos, respeitar o coletivo e buscar a satisfação individual, encontra a resistência, a incompreensão e o jogo de sedução até o desenlace esperado. “Desde então, quando passava a noite com Shimamura, Komako não tentava ir embora antes do amanhecer.”

A tradição japonesa é introduzida como um dos personagens das cenas construídas por Kawabata, cada oportunidade é explorada para explicar, apreciar e louvar a tradição das vestes, dos costumes, dos alimentos, das residências e assim por diante.

O culto às gueixas é explorado e explicado de forma respeitosa e seus costumes, formação, valores e vestes são descritos em todas as oportunidades com admiração e respeito pelo profissionalismo, competência nas artes da dança, do canto, da prosa e, finalmente, no relacionamento financeiro explícito entre os donos das pousadas e os hóspedes, numa contabilidade bem profissional e cronometrada.

Concluindo, a temática principal e O País das Neves é o esforço vão em busca do entendimento da mulher, em seu jogo de sedução. Além dos dois personagens centrais, as paisagens e a tradição japonesa recebem tratamento importante, enquanto os demais personagens são secundarizados em relação à importância dos sentimentos e da busca pelo entendimento da complexidade da relação entre o masculino e o feminino, na tradição japonesa.

Gostei muito, mas me falta coragem para uma indicação mais geral. Indico seletivamente.

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