de Machado de Assis
Cresci lendo e admirando a
literatura estrangeira, acho que eram os romances mais bonitos e mais
acessíveis da estante da biblioteca vizinha à minha casa. Quando alcancei a
estante de literatura brasileira, conheci José de Alencar, não digeri, não
compreendi e voltei para as estantes mais baixas, onde moravam Gorki, Dostoievsky,
Leon Tolstoi, Flaubert, Balzac e afins.
Só voltei a ler autores
brasileiros no vestibular, de certa forma através de Jorge Amado, Érico
Veríssimo, e outros. Então Machado foi uma descoberta muito tardia. Não precisei
ler muito para perceber que estava diante de um gênio, sua categoria ultrapassa
a média de escritores brasileiros e constitui mesmo uma matriz que orientou e alicerçou
seu desenvolvimento. Admiro Machado de Assis, incondicionalmente, como aquele
que me ensinou a valorizar a literatura brasileira.
No meu entender, apesar de sua
imensa erudição ele escreve como se fosse uma crônica jornalista, pela leveza e
objetividade de seus textos, por mais simples que sejam estes, sempre trazem uma
mensagem edificante.
Assim, em que pese a importância
do momento que o Brasil estava vivendo na época da proclamação da república,
ele conta em Esaú e Jacó, através da vida de algumas famílias, os eventos da
época, como numa novela atual, em particular a do casal Santos e Natividade que
geraram dois filhos gêmeos que brigam sem motivo aparente, desde o útero até a
vida adulta na política.
O livro Esaú e Jacó fala como
desenvoltura do sentimento de indiferença dos brasileiros, com os destinos da
pátria. A ausência do povo nas grandes decisões, a dificuldade em compreender
como aconteceu a proclamação da república e a indiferença com suas
consequências.
Mais ainda, disseca o sentimento
de egoísmo e de interesses pessoais que sedimentam as grandes decisões da
pátria. Descreve nossa natureza dúbia e
indiferente aos destinos grupais, além dos pessoais e familiares. A ascensão
social é vista como determinante em todos as ações privadas e públicas e a
flexibilidade entre classes é mostrada como fruto do sucesso econômico ou
político, como demonstram todos os seus personagens.
Nenhuma iniciativa em qualquer
dos seus personagens excede os círculos de interesses pessoais, familiares e de
negócios: do “irmão das almas”, de pedinte a empresário, fruto do roubo de uma
esmola generosa. “Quando a sorte ri, toda a natureza ri também, e o coração ri
como tudo o mais”; ao Santos, o pai dos gémeos que “ nasceu pobre e por ocasião
da febre das ações (1855), dizem que revelou grandes qualidades para ganhar
dinheiro depressa. Ganhou logo muito, e fê-lo perder a outros. ” Ou como o Custódio o dono da Confeitaria
Império, querendo mudar a tabuleta no dia da proclamação da república para não
perder cliente. Ou o cargo assumido por Batista o pai de Flora a namorada dos
dois gêmeos que nunca se decidia por nenhum e cuja dubiedade a levou à morte,
quando se maldizia porque a comissão do pai iria lhe tirar da convivência dos
gêmeos: “ Não diga isso, Flora; é comissão de confiança para fins nobremente
políticos. Creio que sim, mas daí a saber o objeto especial e real, ia largo
espaço. ”
Afinal, o livro tem o Brasil, seu
povo e sua alma, como tema. Uma eterna briga de irmãos, sem causa e sem origem,
sem ideal ou ideologia, num esforço rasteiro de buscar vantagens na própria
briga em si. “De noite, na alcova, cada um deles concluiu para si que devia os
obséquios daquela tarde, o doce, os beijos e o carro, à briga que tiveram, e
que outra briga podia render tanto ou mais. ”
Como as coisas pessoais, os
assuntos da pátria são tratados em função das vantagens que podem advir para
quem toma as decisões ou da necessidade primeira de não desagradar nenhum lado
da questão, como o conselheiro Aires.
Afinal, da independência à
república, das eleições aos golpes de estado, dos impeachments aos processos presidenciais,
das propostas de PEC às propostas de lei, praticamente tudo nesse país rende
dividendos, mensalinhos, mensalões, bolsa família, bolsa empresário, um país
que se acostumou desde a sua origem a administrar vantagens para todas as
classes.
Esse traço da personalidade da
pátria, verdadeira falha de caráter, está na origem da pátria, não por culpa
dos colonizadores, mas por nossas características como povo que só briga por
vantagens, de preferência pessoais ou familiares, raramente de grupo e menos
ainda por ideias ou ideais.
Traço cruel de personalidade,
ansiosa por não desagradar a nenhum lado, indiferente como as próprias
opiniões, tão bem caracterizada no diplomata, pacífico de um lado, cruel,
porque indiferente até a si mesmo, de outro.
Assim, acaba a história de
Machado, sem suspense, que nos deixa a esperar uma briga, uma tragédia, um ódio
fervente, uma postura sanguinária como manda a tradição secular de ódio entre
irmãos, que os orientais dizem ser o pior inimigo de todo homem, aquele que
poderia ter sido você e cujo ódio supera fronteiras e ideias a ponto de
caracterizarem a suprema inimizade. “São inimigos? perguntou o transeunte árabe, ao ver dois
homens se digladiarem até a morte. Não, respondeu o observador, não são
inimigos, são irmãos”.
Aqui, no brasil, não haverá isso, a menos que a
polícia chegue, que seja preto e pobre, que seja briga por herança, por
vantagem, por tráfico ou por ciúme. No mais, será resolvido com troca de
favores e vantagens, conta Machado.
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