segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Esaú e Jacó

    de Machado de Assis

por Carlos Guido Azevedo

Cresci lendo e admirando a literatura estrangeira, acho que eram os romances mais bonitos e mais acessíveis da estante da biblioteca vizinha à minha casa. Quando alcancei a estante de literatura brasileira, conheci José de Alencar, não digeri, não compreendi e voltei para as estantes mais baixas, onde moravam Gorki, Dostoievsky, Leon Tolstoi, Flaubert, Balzac e afins.
Só voltei a ler autores brasileiros no vestibular, de certa forma através de Jorge Amado, Érico Veríssimo, e outros. Então Machado foi uma descoberta muito tardia. Não precisei ler muito para perceber que estava diante de um gênio, sua categoria ultrapassa a média de escritores brasileiros e constitui mesmo uma matriz que orientou e alicerçou seu desenvolvimento. Admiro Machado de Assis, incondicionalmente, como aquele que me ensinou a valorizar a literatura brasileira.
No meu entender, apesar de sua imensa erudição ele escreve como se fosse uma crônica jornalista, pela leveza e objetividade de seus textos, por mais simples que sejam estes, sempre trazem uma mensagem edificante.
Assim, em que pese a importância do momento que o Brasil estava vivendo na época da proclamação da república, ele conta em Esaú e Jacó, através da vida de algumas famílias, os eventos da época, como numa novela atual, em particular a do casal Santos e Natividade que geraram dois filhos gêmeos que brigam sem motivo aparente, desde o útero até a vida adulta na política.
O livro Esaú e Jacó fala como desenvoltura do sentimento de indiferença dos brasileiros, com os destinos da pátria. A ausência do povo nas grandes decisões, a dificuldade em compreender como aconteceu a proclamação da república e a indiferença com suas consequências.
Mais ainda, disseca o sentimento de egoísmo e de interesses pessoais que sedimentam as grandes decisões da pátria.  Descreve nossa natureza dúbia e indiferente aos destinos grupais, além dos pessoais e familiares. A ascensão social é vista como determinante em todos as ações privadas e públicas e a flexibilidade entre classes é mostrada como fruto do sucesso econômico ou político, como demonstram todos os seus personagens.
Nenhuma iniciativa em qualquer dos seus personagens excede os círculos de interesses pessoais, familiares e de negócios: do “irmão das almas”, de pedinte a empresário, fruto do roubo de uma esmola generosa. “Quando a sorte ri, toda a natureza ri também, e o coração ri como tudo o mais”; ao Santos, o pai dos gémeos que “ nasceu pobre e por ocasião da febre das ações (1855), dizem que revelou grandes qualidades para ganhar dinheiro depressa. Ganhou logo muito, e fê-lo perder a outros. ”  Ou como o Custódio o dono da Confeitaria Império, querendo mudar a tabuleta no dia da proclamação da república para não perder cliente. Ou o cargo assumido por Batista o pai de Flora a namorada dos dois gêmeos que nunca se decidia por nenhum e cuja dubiedade a levou à morte, quando se maldizia porque a comissão do pai iria lhe tirar da convivência dos gêmeos: “ Não diga isso, Flora; é comissão de confiança para fins nobremente políticos. Creio que sim, mas daí a saber o objeto especial e real, ia largo espaço. ”
Afinal, o livro tem o Brasil, seu povo e sua alma, como tema. Uma eterna briga de irmãos, sem causa e sem origem, sem ideal ou ideologia, num esforço rasteiro de buscar vantagens na própria briga em si. “De noite, na alcova, cada um deles concluiu para si que devia os obséquios daquela tarde, o doce, os beijos e o carro, à briga que tiveram, e que outra briga podia render tanto ou mais. ” 
Como as coisas pessoais, os assuntos da pátria são tratados em função das vantagens que podem advir para quem toma as decisões ou da necessidade primeira de não desagradar nenhum lado da questão, como o conselheiro Aires.
Afinal, da independência à república, das eleições aos golpes de estado, dos impeachments aos processos presidenciais, das propostas de PEC às propostas de lei, praticamente tudo nesse país rende dividendos, mensalinhos, mensalões, bolsa família, bolsa empresário, um país que se acostumou desde a sua origem a administrar vantagens para todas as classes.   
Esse traço da personalidade da pátria, verdadeira falha de caráter, está na origem da pátria, não por culpa dos colonizadores, mas por nossas características como povo que só briga por vantagens, de preferência pessoais ou familiares, raramente de grupo e menos ainda por ideias ou ideais.
Traço cruel de personalidade, ansiosa por não desagradar a nenhum lado, indiferente como as próprias opiniões, tão bem caracterizada no diplomata, pacífico de um lado, cruel, porque indiferente até a si mesmo, de outro.
Assim, acaba a história de Machado, sem suspense, que nos deixa a esperar uma briga, uma tragédia, um ódio fervente, uma postura sanguinária como manda a tradição secular de ódio entre irmãos, que os orientais dizem ser o pior inimigo de todo homem, aquele que poderia ter sido você e cujo ódio supera fronteiras e ideias a ponto de caracterizarem a suprema inimizade. “São inimigos?  perguntou o transeunte árabe, ao ver dois homens se digladiarem até a morte. Não, respondeu o observador, não são inimigos, são irmãos”.
Aqui, no brasil, não haverá isso, a menos que a polícia chegue, que seja preto e pobre, que seja briga por herança, por vantagem, por tráfico ou por ciúme. No mais, será resolvido com troca de favores e vantagens, conta Machado.

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