Autor: Machado de Assis
Editora: Nova Fronteira, 2016
Resenha por Maria Virginia de Vasconcellos em
setembro de 2017
Para o Grupo Contemporâneo de Leitura
Introdução
Comentar qualquer obra de Machado de Assis exige coragem e
humildade. A coragem é pra enfrentar um autor considerado por muitos como o
maior escritor brasileiro de todos os tempos. E a humildade é para que o
resenhista se coloque no exato papel de amador em literatura.
Sobretudo quando não se tem pretensão de pesquisa alguma, e
menos ainda pesquisa acadêmica. Quanto a essa, há muitos ensaios e teses
publicados sobre a obra Machadiana, que aqui, vale dizer, não foram intencionalmente
procurados; os poucos mencionados simplesmente, por acaso, “caíram do céu”.
Feita essa observação, podemos nos aventurar na
espontaneidade liberal e registrar
impressões e emoções estritamente pessoais suscitadas pela leitura.
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em 1839
(21 de junho) no Rio de Janeiro e cruzou o século XIX e veio a falecer em 1908,
com 69 anos.
(Por curioso, vale
mencionar que neste ano de 1908 nasce o grande Guimarães Rosa)
Com os pais em
condições de pobreza, Machado de Assis frequentou apenas a escola primária e
trabalhou desde antes dos 18 anos. Dados documentais sobre a meninice do autor
são escassos. Porém, sabe-se que embora seus ancestrais fossem pessoas livres
(não escravos), dependeram de
“padrinhos” de classe mais alta para
sobreviverem.
Foi aprendiz de
tipógrafo na Tipografia Nacional, atuou como revisor de jornal, como jornalista
e mais tarde, em 1867, como funcionário público, emprego estável e bem pago.
Ainda em 1867 recebe
uma comenda do Imperador D. Pedro II, indicativo de prestígio e consideração e
social.
Casou-se com Carolina
Xavier (1868), portuguesa culta, que permaneceu com ele até o fim da vida, e o
assistiu em momentos de doença: em torno dos 40 anos surgiu um sério problema
na vista e revelou-se a epilepsia.
(alguns comentários apontavam certa gagueira).
Interessante notar que
apesar de demonstrar cosmopolitismo e conhecimento de literatura universal, Machado
era um sujeito pouco viajado, nunca tendo saído para o exterior: seus
deslocamentos se reduziram a Petrópolis, Vassouras (RJ) e Barbacena (MG). ([2])
E ademais, mesmo
utilizando o contexto histórico nos seus escritos, sabe-se que não se misturou
aos arroubos políticos e nacionalistas do século. Adotou um distanciamento, uma
visão irônica, crítica e cética, especialmente nos seus anos de maturidade.
Apesar da força e da
ousadia como escritor, Machado de Assiste, paradoxalmente, manteve equilíbrio tanto amoroso como profissional no
decorrer de sua vida - aparentemente serena. Como escritor, foi amplamente
reconhecido no mundo intelectual desde as primeiras publicações.
Machado de Assis escreveu
ESAU
E JACÓ na maturidade. O livro foi publicado em 1904, quando o autor tinha 65 anos, após, portanto, de já’
identificado e louvado por sua vasta obra. Vale a pena mencionar que, neste
mesmo ano de 1904, faleceu sua esposa, que com ele vivera durante 35 anos.
Cabe assinalar, como
lembrete, algumas curiosidades dessa década tão distante:
- Dois anos antes, em
1902, foi publicado os Sertões de
Euclides da Cunha.
- No Rio, ocorria a Revolta da Vacina e uma grande reforma
urbana, executada pelo Prefeito Pereira Passos. E, ademais, o início da gravação de discos no Brasil.
- E no mundo morria,
com 47 anos, o contista e dramaturgo russo Anton Tchekov.
Outros elementos da história do século XIX no Brasil merecem citação para compreender o mundo de
Machado de Assis:
Em 1822 – temos a
Independência do Brasil;
em 1840 - começos da
fotografia, em 1843 – primeira linha regular de navios entre Rio e França;
em 1850 – extinção do
tráfico de escravos; e introdução do piano nas casas da elite cariocas e
brasileira, em 1854 – começo da iluminação a gás, do carnaval, dos entrudos cariocas;
em 1865 – guerra do
Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai;
em 1868 – instalação
de linhas de bonde sobre trilhos; (Aqui vale lembrar que as carruagens eram o
meio de transporte dominante no século XIX e os personagens do livro ESAU e
JACO andam em “Cupês – carruagem
fechada de duas portas e geralmente de 2 lugares puxada por 2 cavalos, Librés ou Vitória – carro macio e leve com capota
móvel, sendo mais elegantes os pretos sem decoração”. (Ver nota de roda pé 3);
Em 1871 – publica-se a
Lei do Ventre Livre.
Até aqui, Machado fora
poeta, cronista, jornalista e ensaísta.
Seu primeiro romance Ressureição foi de 1872.
Na década de 70 em
diante, surgem os telefones, Chiquinha Gonzaga na música e, em 1879
inaugura-se a rede de iluminação elétrica.
E Machado não para de
publicar seus romances, e para mencionar alguns mais conhecidos temos A mão e a Luva, Helena, Iaiá Garcia,
Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Em 1888 – a Lei Áurea anuncia o fim da escravidão e, finalmente, em 1889 – temos a Proclamação da República – que é pano de fundo para o romance ESAÚ e
JACÓ.
Buscando consonância
entre as leituras feitas pelo grupo, cabe lembrar que, por coincidência, nosso
último livro, O Jantar Secreto, de
Monthes, é contemporâneo por excelência, ambientado no século XXI, seja na
linguagem, no uso da tecnologia, nos personagens. É, pois, interessante fazer
um contraponto, um espelhamento, entre o mundo machadiano do século XIX e o
contexto da antropofagia apresentado por Monthes, e ponderar sobre a distância
gritante entre esses universos.
No entremeio desses
dois tempos, o século XX nos trouxe as guerras mundiais, extraordinário avanço
em conhecimento, invenções e tecnologias revertidas em transportes,
comunicações, modificando esse panorama que circundou a vida de Machado. Até
chegarmos ao século XXI.
Mesmo sem levantar em
profundidade os eventos sobre as mudanças externas e internas da sociedade
brasileira, pois não estamos construindo um ensaio, nem queremos cansar o
leitor, vale a pena registrar essa observação para notar as fortes e sutis
influências desses diferentes contextos nas narrativas de Machado e de Monthes.
Pedro torna-se médico e um monarquista conservador, enquanto
Paulo estuda Direito e adota as ideias liberais republicanas.
Para esquentar ainda mais a rivalidade entre os dois, eis que
se apaixonam pela mesma moça, Flora, que gosta de ambos e não consegue decidir
qual escolher como namorado.
Com este triângulo amoroso diferente, desenvolve-se a
história cujo final não será aqui revelado para surpresa e deleite dos próximos
leitores.
Essa contenda entre
irmãos evoca algumas figuras bíblicas como Caim e Abel, os próprios Esaú e Jacó
que dão o título ao livro, e não se pode esquecer que o Pedro, criador da
Igreja Cristã, tinha desavenças e rivalidades com o apóstolo Paulo, fato esclarecido no livro Zelota, lido pelo grupo em 2015 ([4]). Lembramos ainda que o autor português Manuel
Sousa Tavares se valeu dessa rivalidade fraterna para construir o livro Rio das Flores ( [5]) - lido
pelo grupo em 2012/13 – até hoje
lembrado; aí também os irmãos tinham posição política contrária.
Embora essas referências sobre irmãos na Bíblia e na
literatura não sejam inusitadas, o Estilo e os Personagens construídos por
Machado de Assis tem tudo de especial.
d. Estilo e construção de
personagens
O romance parece um
agrupamento de pequenas crônicas, escritas pelo autor com prazer e gosto, e
perfeitamente encaixadas na trama principal. Essa técnica de montagem
proporciona a delícia de se abrir qualquer página do livro e ler qualquer
capítulo – e, imagine, são mais de cem
- com sabor de estar lendo uma crônica.
O autor, utiliza
expressões de época cheias de significados – tais como – “Trazia o calo do ofício” (Pag. 41) para explicar a visão
profissional - ou – “As senhoras Viram passarinho verde” para
dizer que estavam muito contentes (pag. 21). Muitos desses ditos entraram para
o século XX afora e eram usados por nossos avós.
Segundo literatos, na
segunda fase das publicações de Machado de Assis, é comum a digressão , ou seja, o afastamento do
roteiro da narrativa para introduzir “um
comentário, uma anedota, uma teoria, uma reflexão sobre o andamento da
história”.(Sanseverino[6])
São vários os
capítulos em ESAU e JACÖ que o autor conversa com o leitor, ora para
explicar brevemente ações dos personagens, ora para acalmar o leitor ou
leitora, tratando-a de “querida” e quase trocando ideias, ou mesmo para
esclarecer porque, na narrativa, foi
tomado esse e não aquele caminho. Além
de parágrafos inteiros entremeados no texto original (vide pag. 28): “LEITOR,
não é muito que percebas a causa daquela expressão....”.
Como exemplo, ver (na
pag 43) a descrição do diplomata aposentado, Conselheiro Aires, protagonista
importante na história, que tudo acompanha e analisa : “Era cordato, repito, embora esta palavra não exprima o que quero
dizer”. Ele coloca as palavras, mas,
tem dúvida se estão completas no seu significado e discute com o leitor, nos
introduzindo na narrativa.
Não descreve com
detalhes nem ambientes e nem as roupas, talvez porque, utilizando suas
palavras, “Explicações comem tempo e
papel, demoram a ação e acabam por enfadar”. Contudo, constrói o psiquê de
seus personagens sem pressa, detidamente, brincando com os adjetivos e as
palavras.
Afinal, Machado é
antes de tudo um afiado e perspicaz analista dos sentimentos e da alma humana,
um especialista em vasculhar o interior dos pensamentos. É um craque na
construção do psiquê de cada
personagem, mesmo aqueles que não tem
papel de destaque na história. Segundo ele “O Coração é o abismo dos abismos”.
Essa qualidade faz
dele um escritor atemporal e universal, motivo de tradução de sua obra em
vários idiomas.
Difícil
extrair uma mensagem principal desse livro de Machado. Não faz apologia de
atitudes políticas nem religiosas. Parece um aviso ou um alerta, ou uma lição
sobre as cavernas labirínticas da alma humana.
Recomendação: como exige leitura lenta, não
recomendo para jovens, tampouco para quem não tem gosto pela literatura em si.
RESENHA – ESAÚ E JACO – set2017.doc
[1]
Os dados biográficos aqui citados tem como fonte Pequena Biografia de Machado de Assis - Luis Augusto Fischer in Memórias Póstumas de
Brás Cubas da Editora LPM – e in ESAU E
JACO’ da Editora Nova Fronteira
[2]
Atentar semelhança com Johan Sebastian Bach, gênio da música, que jamais saiu
de sua cidade natal.
[3]
Cronologia : Vida e Obra de Machado de Assis, por Luis Augusto Fisher in Memórias Póstumas de Brás Cubas pela
editora LPM
[4]
Zelota, Reza Aslan
[5]
O Rio das Flores – Manoel Sousa Tavares
[6]
Antonio Sanseverino – professor de Literatura Brasileira da UFRGS e autor da
tese “Realismo e alegoria em Machado de Assis” em a Voz do Morto: ver em As Memórias Póstumas de Brás Cubas – editora LPM POCKET