sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

O TÚNEL




de Ernesto Sábato

 por Mônica Dias 


Sobre o autor:

Escritor argentino, falecido em 2011, a menos de 2 meses de completar 100 anos.

Promissor físico quando jovem, trabalhava no Laboratório Curie de Paris, realizando estudos sobre radiação atômica. Trocou Paris pelos Estados Unidos, mais precisamente MIT em Boston. Em 1940 retornou à Argentina para ser professor na Universidade de Buenos Aires e, em 1943 após uma crise existencial troca as ciências exatas pela literatura e pintura.

Politicamente causou espanto por ter sido um anti-stalininsta de imediato. Sua posição fez com que fosse atacado como imperialista pela esquerda e como comunista pela direita.

Após a ditadura na Argentina, em 1980 tornou-se presidente da CONADEP – Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de pessoas, cujo objetivo foi a investigação das violações aos direitos humanos durante a ditadura – 1976-1983. Responsável por reunir testemunho e documentação de 8.960 desaparecimentos, assim como da existência de 340 centros de detenção e tortura.

Em 1945 publicou o primeiro livro – Nós e o universo, uma série de artigos filosóficos nos quais critica a neutralidade moral da ciência e alerta sobre os processos de desumanização nas sociedades tecnológicas.

Em 1948 publicou a novela O túnel e, o livro Sobre heróis e tumbas (1961) é considerado por muitos como melhor romance latino-americano do século XX.

Ao final da vida refugiava-se na pintura.

A obra: 
 
GENERO EXISTENCIAL-POLICIAL

Narrativa em primeira pessoa, o pintor Juan Pablo Castel inicia seu relato confessando o assassinato de María Iribarnes, casada com Allende, seu marido cego.
O primeiro encontro ocorre na inauguração do Salão de Primavera de 1946 onde Juan expõe o quadro Maternidade. Este quadro possui duas cenas, em primeiro plano uma mulher olha um menino brincar e, no alto à esquerda uma janela que se abre a uma praia solitária e uma mulher fitando o mar, na opinião de Juan a “cena essencial”.
Perder de vista aquela que ele entendeu ter captado a essência do quadro deu início a uma obsessão que resultou no dito assassinato.
Do relato obsessivo aos apartes para digressões, o autor vai discorrendo e pensando nas infinitas possibilidades de cada etapa na construção desta relação. Fala de sua repulsa aos grupos, dos estratos horizontais e possibilidades de encontros entre pessoas, de possíveis conversas a serem entabuladas quando encontrasse María, do “nojo de pessoas amontoadas nas praias (p.47)”, pessoas que dão esmolas a mendigos (p.56), apenas para mencionar algumas destas digressões.
Acredita que María entende ou melhor sente como ele e as conversas que acontecem, de forma entrecortada, muito mais pelo que deixam no ar, vai formando uma teia que aprisiona a ambos.
Outro personagem é Hunter, primo do marido de María que cuida da fazenda para onde ela se refugia e personagem fundamental no desencadeamento do assassinato da María que ocorre na fazenda.
Juan possui uma mente atormentada como é visível em vários trechos da história, dos quais cito alguns:
“Quantas vezes passei horas prostrado num canto escuro do ateliê, depois de ler uma notícia nas páginas policiais” (p.7)

“Mas agora não tinha tempo para me entregar a esse sentimento: trataria de me torturar mais tarde, com calma.” (p.30)

“Gritei com brutalidade:
- Estou dizendo que preciso da senhora! Não entende?
Sempre fitando a árvore, sussurrou:
- Para quê?
Não respondi imediatamente. Soltei seu braço e fiquei pensativo. De fato, para quê?” (p.37)

“ Mas imagine um capitão que a cada instante determina matematicamente sua posição e segue sua rota rumo ao objetivo com um rigor implacável. Mas que não sabe por que vai em direção a esse objetivo. Entende?” (p.38)

Também é dotado de expressões sombrias ou impactantes como:

”Tormentosa luz que ilumina um sórdido museu da vergonha” (p.7)

”...vaidade da modéstia...” (p.9)

“... detesto os grupos, as seitas, as confrarias, os círculos e em geral esses conjuntos de bichos esquisitos que reúnem por razões de profissão, gosto ou mania semelhante. Esses conglomerados têm uma série de atributos grotescos: a repetição do tipo, o jargão, a vaidade de se julgarem superiores ao resto.” (p.16)

“se pode detestar com mais razão aquilo que se conhece a fundo” (p.19)

María por outro lado faz um jogo de sedução com silêncios intencionais, respostas interrompidas, viagens inesperadas. Alimenta desta forma o pensamento repetitivo, obsessivo de Juan em torno do tema em que enganchava no momento: um sorriso que não existiu (p.65), a intenção por trás da primeira carta escrita por María fazendo com que Juan fosse até sua casa e conhecesse seu marido (p.50), discussão sobre a idade de cada um (p.67), se gostava ou não ainda de Allende, se ainda ia para cama com ele (p.77-79).

O casal é tragado pelas visitas de María ao ateliê de Juan, com momentos de prazer e discussões cada vez mais violentas oriundas de torturantes dúvidas. Juan menciona que durante todo este período seus “sentimentos oscilavam ente o amor mais puro e o ódio mais desenfreado” (p.69).

Ao final, cada vez mais contaminado pelos pensamentos repetitivos, como se fosse uma espiral da qual não consegue sair, Juan protagoniza a cena da carta postada que, sem o respectivo recibo resulta no descontrole com a mulher dos correios em seu processo de resgate da mesma que tardiamente, obviamente após costumeira digressão, chega à conclusão que não deveria ter sido enviada.
“As cartas importantes devem ser retidas pelo menos um dia...”(p.121).

Assim como, a cena com uma romena que ao encontrar em um bar, leva-a para seu quarto e acredita ter vislumbrado a mesma expressão que uma vez pensou haver visto no rosto de María chegando a conclusão que ambas possuíam expressão semelhante – ambas fingiam prazer (p.132).

Por fim, resolve ir para a fazenda onde é espectador da cena do corredor, quando María e Hunter retornam de seu passeio e, a luz de apenas um quarto de acende. Quando por fim, a luz do outro quarto acende ele parte para a realização do que viera fazer ali – “tenho que matar você, María. Você me deixou sozinho (p.147). Sozinho no “túnel, escuro e solitário” (p.144) que perpassou sua existência.

Sintetizo esta obra de Sabato como uma narrativa sobre a solidão existencial que procura desesperadamente algo/alguém que cumpra o papel de salvador. Um simples encontro transforma na insuportável ideia de novamente conviver com a solidão - “tenho que matar você, María. Você me deixou sozinho” (p.147).

Leitura que prende em seus capítulos curtos, sempre com fatos impactantes me fez pensar na complexidade da mente humana, na vulnerabilidade (que já pode vir de fábrica, ou ser desenvolvida durante a vida!). A aflição foi um sentimento presente na forma como Juan ficava dissecando determinados fatos vividos, dando voltas e mais voltas. Simplesmente agoniante e amedrontador viver uma relação em que absolutamente tudo que se fale ou se faça, o menor gesto, seja palco de interpretações intermináveis, como que buscando algo propositalmente oculto. Reconhecer nossas neuroses é um ganho ao ler este livro cuja analogia é certeira com Memórias do Subsolo de Dostoievski.

Recomendo com restrições.