terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Trem Noturno para Lisboa

de Pascal Mercier

Por Claudine Duarte 
“ É um erro, um ato insano de violência, concentrarmo-nos aqui e agora na convicção de estarmos captando aquilo que é essencial. O que interessa seria conseguirmos nos mover, seguros, tranquilos, com humor adequado e a melancolia adequada, na ampla paisagem interior estendida no tempo e no espaço que somos nós.
Por que temos pena de pessoas que não podem viajar? Porque elas, como não podem se expandir exteriormente, também não conseguem se ampliar interiormente, não podem se multiplicar e, assim, não têm a possibilidade de empreender amplas excursões para dentro de si mesmas e descobrir quem ou o que de outro poderiam ter sido.”
                                                                                                                                      Página 253, do livro do Prado em Trem Noturno para Lisboa

       A vida pede `temas´. Todos os (sobre)viventes necessitam e cultivam temas que garantem cadência, ritmo, conforto e lastro às suas vidas.
       Alguns mudam de temas, de casas, de cidades, de companheiros, de amigos, de livros, de praças, de restaurantes... Outros precisam de rostos e lugares conhecidos para, como num num espelho, se reconhecerem e se acalmarem, num sofá ou debaixo de uma marquise amiga enquanto uma chuva passa. Enquanto uns dias passam.
       Às vezes, se muda de ares e lugares, apenas em busca de si mesmo. Outros fazem reformas em suas casas, trocam as cortinas, pintam de outras cores as paredes e até mesmo trocam as poltronas de norte para sul. O tapete virado para Meca não faz mais sentido e talvez fique melhor com umas malas em cima dele lembrando que é preciso viajar...
      E assim, o livro Trem Noturno para Lisboa constrói uma busca para o Professor Raimundus Gregorius.
         Aqui uma pausa para o significado dos nomes escolhidos por Pascal Mercier para o personagem principal de seu livro:

Raimundo é um prenome derivado do germânico Raginmund e latinizado Ragimundus e Raimundus composto de ragin- (“conselho”) e –mund (“proteção”). Ou seja, protetor ou sábio protetor, aquele que dará conselho em prol da segurança dos demais.

Gregório significa cuidadoso, vigilante e indica uma pessoa prudente, que evita ao máximo os conflitos e não emite uma opinião sem antes refletir sobre o assunto. Graças a essa atitude cautelosa, conquista o respeito de todos.
        
        Assim, compreendemos a busca cuidadosa e prudente que Gregorius escolheu. Primeiro, quase um latim moderno, escuta uma língua que o atrai, depois de sabiamente, salvar a moça que - em português - queria dar fim à própria vida. Como cenário, uma ponte. Metáfora para uma transformação, uma passagem. Em segundo lugar, um escritor português e seu livro - também em português. Está colocado um "tema" para se distrair do tédio de seus dias quase sempre iguais: "às quinze para as oito atravessa a (...)".
        E aí, "toma o trem noturno para Lisboa"... para conhecer como viveu e morreu o autor do livro, Prado. Encontra pessoas, visita lugares, conhece fatos e a própria história de Portugal, sem esquecer de sua Suiça natal, de seus alunos e de sua cadeira de Línguas Clássicas na escola de Berna. Partir sem partir.
        Mercier, na verdade o suíço Peter Bieri, ensina filosofia na Suiça e talvez Mundus Gregorius seja um alter ego. Ele constrói o livro em 4 partes. Na primeira parte, com o episódio da ponte como ponto de ruptura ou de ligação com Portugal, trata a partida do professor: trem para Lisboa
        Na segunda parte, Gregorius descobre a vida e a morte de Amadeu Prado e na terceira e maior parte do livro, tenta compreender as razões, atitudes e até as emoções do médico e escritor. Na última, breve e resumida parte, a comprovação de que não deixou Berna: para ela retorna e conclui sua transformação interior depois desta volta pelo tema composto por Prado, Portugal e o Português.

Poderia ser uma Odisséia, mas Mundus não é o herói.

“(...) E mais louco. Quando o tempo de uma vida se torna raro, as regras passam a não valer mais. Então parece que você perdeu o rumo e está maduro para o manicômio. Mas no fundo é precisamente o contrário: para o manicômio deveriam ir aquelas pessoas que não querem se dar conta de que o tempo ficou  raro. Aqueles que continuam como se nada tivesse acontecido. O senhor entende?”
                                                                          Página 292, Gregorius ao Filipe, motorista, no Liceu em Trem Noturno para Lisboa
       A leitura, às vezes, nos leva gentilmente a caminhar por Lisboa nos dias de hoje e pelos relatos dos amigos de Prado, revistamos a Lisboa de Salazar com os conflitos humanos que brotam no correr da vida e das relações.  Amadeu Prado ganha o desprezo de seus pacientes  por ter salvado a vida de um oficial da polícia salazarista e, na tentativa de se redimir, torna-se um membro importante da resistência.
       Vale destacar a profusão dos textos escritos por Prado – que tornam a leitura morosa e cansativa – recheados de questões filosóficas pontuando seu ateísmo e as eternas perguntas em que os seres humanos debatem fé versus razão.
      Raimundus Gregorius dedica a estes textos, o tempo de sua viagem de descoberta rumo a si mesmo. Como se cada linha tivesse sido escrita pelo seu eu desconhecido e que se apresenta a ele até mesmo com cartas trocadas (mas jamais entregues?!) entre Amadeu e seus pais.
      Em resumo, Trem Noturno para Lisboa é um livro sobre um tema para salvar Raimundus Gregorius, que por sua vez descobriu o tema que salvou Amadeu Prado, que talvez tenha salvado Pascal Mercier que por sua vez, e agora com certeza, salvou Peter Bieri.
E aqui estamos nós, salvando a nós mesmos, com livros, resenhas e encontros. Salve 2013!

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Trem Noturno para Lisboa



de Pascal Mercier

por Daniela Lopes

O Trem Noturno para Lisboa traz temas que têm me interessado: processos/viagens de introspecção/autoconhecimento; dificuldades de acesso ao inconsciente e por consequência no entendimento do mundo interior e o mundo exterior à pessoa; o outro como espelho; as situações de arrebatamento ou escolhas da vida em que a gente não opina; além, é claro do amor pela palavra e do passeio por Lisboa, cidade que adoro. “Se é verdade que apenas podemos viver uma pequena parte daquilo que há dentro de nós, o que acontece com o resto?”

Como outsider da vida de Prado, Gregorius torna-se capaz de uma visão do todo desta vida, mais completa do que a visão possível que o próprio Prado ou os personagens que conviveram com ele puderam ter, uma visão que une o seu mundo interior e o exterior, e que alimentam o processo de autoconhecimento e transformação de Gregorius. Pegando o trem para Lisboa, Gregorius foge de sua vida para mergulhar na vida de outro e poder achar seu caminho, estabelecer relações significativas e se reconhecer em sua própria vida.

O inusitado da história de Gregorius e as reflexões filosóficas de Prado, a la Livro do Desassossego me prenderam a atenção o tempo todo, apesar de deslizes percebidos no enredo, que comento mais abaixo. O livro dentro do livro tem elaborações interessantes  que ecoam na nossa vida diária, como a da página 397 (O Veneno Ardente do Desgosto), do mesmo modo que vimos n’A Elegância do Ouriço’. As cartas de Prado para o pai e para mãe, e a carta do pai, que não foram trocadas, são bem dolorosas e tocantes.

Os personagens, principais e secundários , são na maioria consistentes mas alguns são claramente desnecessários para a trama (Natalie Rubin, moça no trem de volta, professora de português), assim como algumas passagens (porque a volta à Berna?, por exemplo). A divisão em partes também não me convenceu: a terceira parte é entitulada "A Tentativa", mas não achei bem colocado (tentativa de quê?). Há pontas soltas que frustram um pouco (e a portuguesa da ponte, com seu número de telefone?), mas que talvez estejam lá para lembrar que a vida não é um enredo bem costurado, ma maioria das vezes.

É claro que fui atrás para ver se Prado seria um personagem verdadeiro, fiquei aliviada em saber que não pois isso tiraria um pouco o brilho do livro, na minha opinião. Achei blog bem interessante de um português, que traz informações sobre o processo de criação do livro a partir de entrevista com o autor. (http://bibliotecariodebabel.com/geral/lisbon-story/)

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