terça-feira, 12 de novembro de 2019

FLORES

de Afonso Cruz

Comentários de Carlos Guido Azevedo


Alguns autores se identificam conosco de maneira direta e sólida, outros demoram mais um pouco, precisamos conhecer melhor seus estilos e valores para que entrem no restrito campo dos amados, admirados e respeitados.
Mas, há aqueles que gozam do direito inquestionável de não agradar. São os que abrem novos estilos, os que avançam mostrando novos caminhos e não comungam com seus contemporâneos, nem buscam modelos já aprovados dos grandes sucessos. Parece-me ser o caso do Luiz Ruffato no Eles Eram Muito Cavalos e de Afonso Cruz agora no Flores.
Não encontrei o lugar comum em seu livro, não vi a construção de um herói, nem a linhagem do bem contra o mal. Seus personagens parecem de carne e osso, não são bons e às vezes são inquestionavelmente humanos.
Vejo o quebra cabeça com que ele conta a estória em primeira pessoa, se assumindo como um cidadão em pleno gozo de sua incapacidade de amar e se definir como uma pessoa feliz. Vejo sua insegurança doméstica, sua dificuldade de estar inteiro na ação, ausente mesmo quando está em casa, incapaz de observar os detalhes. Sua conversação é sacrificada e quase sempre involuntária. Fala pouco até ao seu espelho e menos se compreende.
No livro Flores, Afonso Cruz deixa um legado de lições, para homens e mulheres contemporâneos, escondido numa estória a princípio trivial de um casamento desfeito, uma filha incompreendida, um vizinho sem memória e uma instigante e inconsequente busca do personagem pela memória do outro, como se coscuvilhasse a própria vida.
Gosto de livros que deixam lições intrigantes. Que não se esvaem com o fim da leitura ou com o desenlace da trama urdida para manter a atenção do leitor.
Será que um chapéu em cima da cama quer dizer mais que simples desleixo? Já li esta ojeriza em outros autores. E comer o melhor da torrada ou quebrar a gema do ovo preferido é motivo para briga, contestação e separação?
Até que ponto o espelho fala a verdade?  Por que o desvendar das maldades e perversidades do senhor Ulme não o levou a se eximir ou expiar qualquer culpa?  Por que ele foi até admirado em suas ousadias e maldades, como a capacidade de vender ingresso para a sua lua de mel; de entregar sua amada para ser torturada pela DIP e de construir um GOLEM para denunciar a maldade no mundo? 
Porque, penso eu, ele representa o alerta para que tenhamos mais profundidade na espessura dos nossos pensamentos e mais elevação em nossas ações. Que estejamos atentos aos outros em detalhes e tenhamos, por fim, cuidados para não sermos transformados em GOLENS vivos consubstanciados pela maldade exalada pelos meios de comunicação que nos mergulham em notícias catastróficas, em detalhes de crimes hediondos, crimes ambientais, crimes de toda espécie que põem em risco nossa sobrevivência como espécie.
Afinal, um corpo de mulher nua é o supremo perdão!    Gostei - Recomendo

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