de Machado de Assis
Comentários de Carlos Guido Azevedo
Não tinha lido um livro de
Machado de Assis, para não gostar muito. Memorial de Aires foi o primeiro. Fiquei
preocupado. Será que li errado? O que não entendi? Por que será que não gostei?
Já que sou fã incondicional do autor, para mim uma descoberta tardia que me
apresentou um Brasil do início do século XX, final do XIX quando importantes
eventos históricos construíram muito do que somos hoje.
Mas, será o Aires um protótipo
de nós mesmos? Logo o Aires, tão interessante no Esaú e Jacó. Acabou se
tornando chato e repetitivo em seu Memorial? Que terá acontecido?
Foi o ritmo e a pachorra do
tempo na lentidão das carruagens, no vai e vem de uma sociedade parasita dela
mesmo? Foi o disse me disse da conversa estreita, entreouvida da mesa para a
sala, da casa de um para a casa de outro? Foi o estreito dos personagens, a repetição
aguada das conversas sem temática?
Foi a ausência de um
alinhamento de posições entre Aires e sua irmã Rita que fazem uma aposta
insípida sobre a vida da viúva apaixonada pelo marido, se casaria ou não
casaria? Se seria bom par para o Aires, mas sem argumento de parte a parte.
Ou será que foi essa ausência
de tragédia nas vidas dos personagens que me fez desagradar do livro? Nesse
caso o problema é meu, do leitor, não do autor ou da estória.
Assim, fui até o final do
livro, vendo uma época sendo descrita nas entrelinhas dos acontecimentos brasileiros.
O final da escravidão sendo
contada sem paixão pelos libertos ou pelos senhores. Com incrível naturalidade
e uma alegria contida de uns e outros em um evento pouco revolucionário e
animado por uma missa e um corso, desfile de carros e carruagens onde, a elite
libertária avaliava a conveniência de expressar mais ou menos seu entusiasmados
e se colocar para fora do veículo como se fazia naturalmente nos carnavais.
Aquilo que em outros povos demandou suor e sangue.
Os proprietários dos escravos
preocupados em buscar compensações do governo pela perda dos bens patrimoniais,
ao tempo em que percebiam a importância econômica do final da escravidão posto
que os mercados ameaçavam boicote às suas exportações agrícolas. Tudo igual aos
dias de hoje.
Até o inusitado deputado
eleito sem presença em Portugal é repetido agora com o Deputado Federal Luiz
Miranda do DEM que foi eleito a partir de Miami, de onde aplicava golpe em
investidores incautos e sorteava iPhones para eleitores potenciais.
Sei que sempre seguimos uma
estratégia diferente de outros povos, pois aqui desconstruímos ídolos e não
aceitamos heróis. Herói que se preza vai lutar na Europa, África ou outros
países, aqui, formamos esta nação sem heróis, sem respeito à sua história, sem
sonho de futuro ou revolução, sem um passado a se orgulhar e sempre em revisão.
Como afirmou Pedro Malan “no Brasil até o passado é incerto”.
Voltando ao tema:
Memorial de Aires é marcado pela nostalgia da velhice e pela consciência de que a morte ou o refúgio da memória escrita de um diário e na convivência com os amigos podem aliviar a dor de um final de vida.
O Conselheiro Aires, diplomata aposentado se mostra como um sujeito frustrado, impotente diante da sua viuvez e da velhice, além da ausência de filhos que lhe garantam a sobrevivência através da sua prole.
Como observador sutil do comportamento humano acompanhou em seu diário o sofrimento do casal Aguiar na construção da relação e da perda dos dois filhos postiços Tristão e Fidélia.
Como observador dos próprios sentimentos registrou de modo bem camuflado a sua própria perda da possibilidade ainda que longínqua de uma nova relação.
Assim, a desilusão amorosa transforma-se em conformismo e aceitação da velhice e da morte como fim único e inevitável do trio de velhos.
“Eu tenho a mulher embaixo do chão de Viena e nenhum dos meus filhos saiu do berço do nada. Estou só, totalmente só. Os rumores de fora, carros, bestas, gentes, campainhas e assobios, nada disto vive para mim. Quando muito o meu relógio de parede, batendo as horas, parece falar alguma cousa, - mas fala tardo, pouco e fúnebre. Eu mesmo, relendo estas últimas linhas, pareço-me um coveiro”.
A falta de entusiasmo de Aires
e dos seus convivas por qualquer assunto que não seja as suas vidas privadas,
em que pese a importância do momento que o Brasil estava vivendo nessa época,
retrata o sentimento de indiferença da elite brasileira, com os destinos da
nação. A nossa natureza dúbia e indiferente aos destinos grupais, além daqueles
pessoais e familiares, sentimento que se estende até aos dias de hoje.
“Ao transpor a porta para a rua vi-lhes no rosto e na atitude uma expressão a que não acho nome certo ou claro; digo o que me pareceu. Queriam ser risonhos e mal se podiam consolar. Consolava-os a saudade de si mesmos”.
A saudade de mim mesmo, também
me invade e volto atrás, para valorizar a obra e o gênio de Manchado de Assis.
Aprovo com Louvor. Indico com Ênfase. O
defeito era meu mesmo.
***
imagem: Why War? de Charles Spencelayh (1938)
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