Miguel Sousa Tavares
Considerado um dos expoentes da literatura contemporânea portuguesa, Miguel de Sousa Tavares se apoia nos seus conhecimentos e experiências de jornalista e advogado para desenvolver suas tramas e construir de seus personagens. Esta vivência está presente nas diversas publicações do autor, como Equador, O Segredo do Rio, Rio das Flores, No teu Deserto, Ismael e Chopin, A História não acaba assim- estritos políticos 2005-2012, Madrugada Suja, Não se encontra o que se procura, Cebola Crua Com Sal e Broa.
A leitura de Madrugada Suja
inicialmente me fez pensar numa trilogia iniciada com Equador onde autor
analisa as mudanças na monarquia e sociedade portuguesa através de sua atuação
colonial em São Tomé e Príncipe no início do século XX. Em Rio das Flores, (que
lemos no grupo) as mudanças da sociedade portuguesa entre as 2 guerras e os
anos da ditadura salazarista são retratados através da saga de uma família da
pequena burguesia rural do Alentejo. Em Madrugada Suja o autor continua a
analisar a sociedade portuguesa em suas dimensões econômicas e políticas
através da estória (história) de uma família na transição da ditatura e das
guerras coloniais, passando pela Revolução dos Cravos até o final do século XX.
O que me fez pensar ser uma trilogia
foi a estratégia adotada pelo autor nos 3 romances que li. Em todos eles o
autor se utiliza das trajetórias familiares para fazer uma análise existencial
dos personagens e análise política da sociedade portuguesa do
período. É um modelo ou estratégia que o autor utiliza com maestria
mas que ao cabo do 3 livro esta estratégia vai perdendo a força que vimos em
Rio das Flores por ex. Não sei se os outros livros do autor seguem a
mesma estratégia e fiquei curiosa em conhecer os livros infantis do
autor.
Voltando à Madrugada Suja. O romance
tem como personagem central Filipe nascido em Mendronhais da Serra que
representa o interior rural e isolado de Portugal. A partir da trajetória
familiar deste personagem o autor nos apresenta as mudanças da sociedade
portuguesa pós Revolução dos Cravos até os tempos recentes. Este é o quadro
para que o autor trate dos temas éticos e existenciais como a culpa, corromper
e ser corrompido, pequenos e grandes poderes, concentração de renda e poder,
papel dos políticos e dos magistrados. Temas tão atuais que chegam a doer
quando lemos.
O capítulo inicial é forte e nos toma
de surpresa e nos impulsiona para seguir adiante. Em seguida os caps 2, 3, 4,
5,6 7 que constituem a primeira parte o leitor é transportado para outro mundo
(outro Portugal) a vila que morre como uma analogia de Portugal trás dos
montes. Bem monótono e se esta foi a intenção do autor devo dizer
que ele foi bemsucedido. O Portugal da Revolução dos Cravos com as
Unidades de Produção Coletivas (Alentejo como uma nova Cuba), apresentado a
partir da experiência de Francisco, pai Felipe, até o capitulo 8, que abandona
a vila e seu filho, prepara leitor para entender Portugal moderno ou sem o
romantismo da revolução dos Cravos.
Na segunda parte o romance se torna
mais interessante pois as trajetórias vão se entrelaçando e voltando ao
capítulo inicial onde o acaso gerou tragédia que como diz Filipe no início, “Não
há forma de escapar o que está feito. Todavia, não há dúvida que o ser humano é
extraordinário na sua capacidade de adaptação a tudo, até mesmo à própria
canalhice. Pois, ele sobrevivera e seguira em frente, por vezes atormentado
pelos remorsos e pela culpa, mas a maior parte das vezes fazendo por esquecer-
e conseguindo –o”
Na narrativa de todas as
trajetórias de vida o autor apresenta pelos menos dois argumentos constantes:
Nada é aquilo que parecer ser. E, a vida é feita de acasos.
Vejamos por exemplo, Filipe, se visto
só levando em conta o evento ou tragédia que ocorreu na saída de uma festa, é
uma pessoa sem ética ou escrúpulos. Entretanto, no contexto de sua estória de
vida suas atitudes são de uma pessoa integra e afetiva. Seu avó
(Tomas da Burra) sempre calado e conversando com sua burra ou com a natureza
pode parecer no início uma pessoa simplória mas de fato é uma pessoa profunda e
que vive com sabedoria.
Já Luis, seu pai biológico, médico e
empresário, bem sucedido, com aparência de honestidade e seriedade nos negócios
é de fato um homem que usou da sua vida pública e de político no interior para
enriquecer aceitando subornos e mais tarde como grande empreiteiro corrupto mas
com aparência de homem ilibado.
Já o romance, assim com o autor
considera a vida, é fruto de acasos. Por acaso Filipe estava na escadaria da
universidade saindo bêbado de uma festa e encontra Eva. Por acaso aparece o
“amigo” que os convida para continuar a festa. Na sucessão de acasos
chega –se a uma tragédia que marcar a vida de todos.
O acaso leva Filipe a ser arquiteto
paisagista na prefeitura de uma cidade litorânea e ser chamado a dar parecer em
um projeto que causará danos ao meio ambiente. Por acaso os interessados na
aprovação do projeto, no processo de convencer o arquiteto a não dar parecer
negativo ou eximir de dar parecer sobre o projeto, contam como outros projetos
foram aprovados. Neste processo, Filipe toma conhecimento das atividades do pai
biológico, quando presidente da câmara de vereadores em outra cidade litorânea.
E acaso em acaso a trama da estória e da vida se desenvolve.
Outro elemento que perpassa o romance é
o tema da corrupção e as diversas formas que é exercida, apesar e mesmo com
aquiescência da justiça e dos legisladores. A naturalização da corrupção,
entendida e justificada pela visão de necessidade de modernizar o país. O
autor, deixa aqui transparecer sua formação de jornalista engajado e mostra com
muita propriedade o processo de concentração de poder e de formas de corrupção
onde o público é apropriado pelo privado. A esperança aparece na capacidade de
resistir a este sistema da parte de Filipe e da promotora que por acaso é a
jovem atropelada em Cromeleque dos Almendres.
O autor conclui o romance com a figura
poética da primavera que chega em Mendronhais da Serra “Para onde quer que
olhasse, os sinais da primavera – verdes, amarelos, roxos e vermelhos – estavam
espalhados por todo lado e gritavam-lhe a evidência da vida contra a evidência
da sua aldeia morta”.
E com esta visão de primavera Filipe,
pensa na construção de algo diverso do que estavam vivendo, ou seja, migração
para centros urbanos sem qualidade de vida para a possiblidade de reconstruir a
aldeia motivando a vinda pessoas com outros valores em relação ao meio ambiente
as relações humanas. Romântico, mas por que não? Gostei do livro e
recomendo.
Lenita Turchi
Nenhum comentário:
Postar um comentário