terça-feira, 11 de junho de 2019

A BALADA DE ADAM HENRY

de Ian McEwan

Comentários de Ana Studart

A Balada de Adam Henry ( The Children Act), de Ian McEwan, é um romance típico. Apresenta uma boa história com temas relevantes,  muito bem redigida, apresentada em dois planos paralelos- um plano romântico e um plano jurídico, que se entrelaçam. Não é um romance que nos “pegue”, daqueles que a gente não consegue parar a leitura - é daqueles livros que vamos lendo aos poucos e sempre achando interessante.  Outro tema, igualmente importante, que se desenvolve paralelamente, é que Fiona, a austera juíza da Vara de Família que vai julgar o caso de Adam, está se separando do marido, apaixonado por uma mulher mais nova, e se percebe atraída, aos sessenta anos,  por um intenso e inteligente jovem de  dezessete anos que deve julgar.

O romance, lançado em 2014, toca, portanto, em dois temas polêmicos e bem atuais.
Os personagens  são bem desenvolvidos, com suas personalidades magistralmente delineadas.
Fiona é uma magistrada sessentona, bonita e elegante, contida e rigorosa, que se decide por estudar leis por gostar "das coisas direitas".  Para suavizar essa imagem de austeridade, toca piano e se apresenta em recitais do meio jurídico. Tornou-se famosa ao julgar um caso complexo, o  da separação de irmãos siameses, separação que provocaria a morte da criança mais fraca- mas, por outro lado, a falta da cirurgia significaria a morte das duas.  Segundo o o autor, Fiona é dona de "prosa incisiva, quase irônica, quase entusiasmada", sendo admirada por suas sentenças concisas.
Adam Henry é um jovem “adorável”, nas palavras de Fiona, um rapaz frágil mas muito bonito, inteligente e romântico, que escreve poemas, aprende violino e está disposto a se sacrificar sua vida pela religião, pelos pais e pela seita.
Jack, o marido de Fiona, é professor universitário, um homem amável, leal e bondoso, nas palavras do autor. Um pessoa elegante, vaidosa e romântica, que vive duas  crises- a da idade e a do casamento.
Vale ressaltar aqui as descrições minuciosas mas nada cansativas que o autor faz dos personagens e dos ambientes, nos colocando “visualmente”, dentro do romance. E vale ressaltar ainda a perícia do autor ao tratar das indecisões e dos sentimentos femininos de Fiona.
O tradutor dá a impressão de respeitar a forma inglesa como o romance foi redigido, embora tenha estranhado algumas frases que, a meu ver, destoaram do conjunto.
O romance tem um narrador onipresente, na terceira pessoa. O autor baseia o tema central num fato verídico, acontecido no Tribunal Superior inglês na década de 1990, se desdobrando em recursos jurídicos na década de 2000.
A narrativa começa de forma interessante, com Jack propondo à esposa, que ele viva, sem prejuízo do sólido casamento, uma grande paixão, ou seja, ele deseja manter uma amante, mas "sem falsidades”, às claras. Ele explica com calma, que ama Fiona, mas  como uma irmã, já que não mantêm relações sexuais há tempos.
Essa discussão é interrompida por um telefonema urgente-o hospital Edith Cavell precisa fazer uma transfusão de sangue de emergência num paciente menor de idade com câncer, e os pais não consentem, por serem  Testemunhas de Jeová. Se a transfusão não se realizar em curto espaço de tempo, o paciente não sobreviverá à doença. Fiona deverá proferir sentença determinando ao hospital o procedimento a ser adotado.
Fiona ( até para encerrar a difícil conversa com o marido) decide ir imediatamente ao hospital conversar com o jovem e ver se a ele se aplica o preceito chamado "competência de Gillick" já que Adam tem 17 anos e nove meses, e está muito perto da maioridade,  quando poderia decidir sozinho  qual o tratamento a ser aplicado pelo hospital, independente do desejo dos pais.
A partir de então o romance dedica páginas à entrevistas de Fiona com os médicos sobre os procedimentos adequados  para a cura do câncer do rapaz, e a conversas muito interessantes com os pais de Adam e com o próprio Adam, sobre suas convicções religiosas. Adam lhe mostra um poema, que Fiona elogia sem convicção, e toca seu violino, ao som da voz de Fiona, sugerindo um vínculo afetivo que se inicia entre os dois.
Os argumentos a favor da cura colocados por  Fiona impressionam Adam, que rompe com sua fé, aceitando a sentença da magistrada, que deu ao hospital o direito  de tratá-lo com as transfusões de sangue necessárias. Em carta enviada a Fiona, Adam relata que sua  sentença  provocou lágrimas em seus pais, mas não de tristeza, por contrariar a fé das Testemunhas de Jeová, mas sim, de alegria,  por ver a possibilidade do filho amado se salvar.  ”Que alivio! Ainda temos nosso filho, embora tivéssemos dito que ele devia morrer” Essa mudança de atitude é vista por Adam como uma fraude, uma contradição, e ele por carta, pode Fiona uma conversa, e diz sonhar com uma viagem dando uma volta ao mundo," juntos num navio, com camarotes vizinhos,” os dois conversando pelo convés.
Como não recebeu nenhuma resposta de Fiona às suas cartas- ela chegou a rascunhar alguma coisa, mas decidiu não enviar- Adam  passa a seguir Fiona pela cidade, o que resulta em alguns encontros a dois. Num deles, ao se despedirem, os lábios se encontram, o que desencadeia emoções de lado a lado. 
A partir desse momento melhor  não comentar mais o enredo, para não revelar o final do livro. Quero registrar, no entanto,  que esperava uma conclusão mais ousada,
O romance transcorre no clima frio e úmido da Inglaterra, com chuvas permanentes que encharcam guarda-chuvas e roupas. Ian McEwan não se limita a tratar do caso Dre Adam, e se extende descrevendo meio jurídico inglês, tanto tecnicamente, descrevendo casos solucionados na Justiça, quanto socialmente- reuniões e encontros de final der ano, quando Fiona se apresenta tocando clássicos ao piano. Enfim, é um romance interessante, de leitura fácil, que recomendo sem restrições.

Não resisto a comentar o fato de  uma juíza de Tribunal Superior preferir caminhar à pé, sob a chuva, sempre que a distancia permite, para seus compromissos, embora disponha de carro com motorista- coisa que seria impensável no Brasil…
Quanto ao autor-
Ian Russel McEwan nasceu em 1948 em Aldershot, Hampshire, no Reino Unido. Estudou nas universidades de Sussex e East Anglia e é considerado um dos ficcionistas britânicos mais importantes de sua geração. Filho de um oficial do Exército, morou no Oriente, na Alemanha e na África.
Recebeu viários prêmios- Premio Man Booker,.o Premio Jerusalem pela Liberdade do Indivíduo na Sociedade, o Premio Shakespeare, o National Book Critics Circle Award para ficção, o Premio Somersest  Maughan, e o James Tais Black Memorial Prize.
Inicialmente apelidado de Ian Macabro por causa dos temas de suas primeiras obras, Ian é um ateu convicto, sendo considerado um dos 50 ateístas top do mundo pela The Best Schools. Está em 34o lugar, sendo seguido por Woody Allan.  Escreveu  livros que tratam do assunto, como Black Dogs, Saturday,  e Solar. e considera que ”os Ateistas tem tanta consciência, talvez mais, do que pessoas com profundas convicções religiosas."
Públicou 24 obras, sendo a primeira  "Primeiro Amor, Últimos Ritos", de 1975, que recebeu o Premio Somerset Maughan.  Uma das suas obras mais conhecidas é  "Amsterdã" , de 1998, que recebeu o prêmio Man Booker.
Dois de seus livros foram adaptados para o cinema- Atonement, em 2007 e O Jardim de Cimento, em 1993.
Recentemente lançou uma novela audaciosa, intitulada "Machines Like Me", um romance que se passa no ano de  1980, em Londres, numa realidade alternativa, quando um casal apaixonado compra Adam, um humano sintético, e define sua personalidade.  O resultado é um ser humano quase perfeito, bonito, forte e inteligente,Forma-se então um triângulo amoroso levantando questões morais e colocando a pergunta: o que nos torna humanos?
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A Balada de Adam Henry


de Ian McEwan

Comentários de Priscila Fernandes Costa

Neste romance do escritor inglês Ian McEwan nos deparamos com a história de Fiona Maye, magistrada do Tribunal Superior Inglês, dedicada a arbitrar em causas de família. A juíza parece resolver com bastante tranquilidade e isenção os casos que lhe são destinados, até o momento em que tem que decidir sobre o destino de um adolescente de 17 anos, pertencente à religião Testemunhas de Jeová, que está internado em um hospital por causa de uma doença grave. Adam, o jovem hospitalizado, precisa de uma transfusão de sangue para que sua vida seja salva, mas seus pais se recusam a autorizar o procedimento por causa da  religião que condena tal tratamento. Ao mesmo tempo, o jovem Adam está disposto a morrer para não pecar perante de Jeová. O caso, então, é encaminhado à justiça pelos médicos do hospital. Depois de muito ponderar e após uma conversa tête-à-tête com Adam, que se mostrou bastante “maduro” e psiquicamente saudável para escolher seu destino, Fiona considera que seu dever é acima de tudo o de preservar a vida, e delibera em favor dos médicos, autorizando, assim,  a transfusão que garantirá a sobrevivência de Adam.
Embora o romance aborde questões sobre ética jurídica confrontada com a ética religiosa, e o direito de escolha do sujeito a propósito de seu próprio destino, o texto de McEwan me levou a refletir sobre alguns problemas da típicos da adolescência, esta fase da vida tão cheia de conflitos, angústias, indecisões e inseguranças.
A adolescência é um período do desenvolvimento humano que marca a passagem da infância para a vida adulta. Trata-se, portanto, de  um processo de amadurecimento biopsicossocial. Do ponto de vista do crescimento físico, a adolescência refere-se ao período que vai da puberdade – com o surgimento dos caracteres sexuais – até a parada do crescimento corporal. Este conjunto de transformações orgânicas ligadas ao processo de maturação sexual provocam, também, transformações psíquicas importantes que caracterizam a chamada crise da adolescência, que nada mais é do que o trabalho psíquico do sujeito no sentido de elaborar alguns “lutos” diante de perdas fundamentais e fundantes, a saber,  o luto pelos pais da infância, o luto do corpo infantil, e o luto pela identidade de criança.
Para se livrar da identidade infantil e tentar construir uma identidade adulta, o adolescente lança mão de comportamentos de rebeldia e oposição – sobretudo em relação aos aos pais. Demonstra também comportamentos típicos do chamado fracasso de personificação, pois, ao mesmo tempo parece se recusar a crescer, agindo de maneira infantil. A dificuldade de adaptação fora do grupo de pares é evidente, as condutas de risco estão quase sempre presentes e a expressão de pensamentos onipotentes, tais como ideias de reformas políticas, sociais e econômicas são comuns.
Com relação às mudanças corporais,  a única conduta possível para o sujeito é a absoluta  passividade. Não dá pra parar, nem mesmo controlar este corpo que se modifica dia-a-dia, enquanto o ele não sabe o que fazer com as novas aquisições. O sentimento de impotência faz com que ele oscile entre momentos de realidade e outros de fantasia. O corpo silencioso da fase de latência agora grita de desejo, dor e prazer.
O luto pelos pais da infância é também fundante para o adolescente, uma vez que para acessar o mundo adulto e à desejada e necessária independência, é preciso sair da relação de dependência dos pais. Para tanto, começa-se por desidealizá-los: eles já não são mais o pais perfeitos da infância. O adolescente começa a olhar para as “falhas e defeitos” dos pais e tende a critica-los severamente, ao mesmo tempo que exige muito dos mesmos. Tais comportamentos, embora exasperem os pais, são bastante saudáveis neste tempo do desenvolvimento psíquico.
Voltando agora ao nosso adolescente, o livro de McEwan,  não nos fornece muitos  detalhes sobre a história de vida de Adam, mas mesmo assim podemos fazer algumas considerações.
Adam parece demonstrar uma maturidade “mimética”, espelhada, certamente, nos valores e ideais de seus pais  e nos preceitos religiosos que lhe foram incutidos desde a infância. Ao se ver livre, por determinação de uma instância legal superior, das exigências e expectativas da religião na qual foi criado, deixa vir a tona a “crise de adolescência” que parece não ter tido a oportunidade de vivenciar até então:  rebela-se contra os pais e contra a religião e sai de casa. É como se todas as vivências típicas deste período de vida – sobretudo os lutos que o caracterizam – eclodissem de uma só vez para ele. A “liberdade” de escolha, a revolta, a sensualidade, o amor-paixão,  o distanciamento dos pais, o triunfo diante da morte.
Aturdido frente a este turbilhão de possibilidades, Adam se lança para a vida numa espécie de  excitação desvairada  e procura a juíza como uma tábua de salvação. Pede a Fiona que o adote, que o acolha em sua casa e que o leve para morar com ela. Um mundo novo, desconhecido, se abriu pra ele e somente a juíza pode ensiná-lo  a viver nele. Parece, de fato, que o que ele faz é um pedido de socorro: me ajude a conter este turbilhão de emoções , sensações e ideias que a sua sentença fez aparecer em mim. Mas Fiona não acolhe tal pedido.
A recusa da juíza o deixa em um estado de total desamparo. Já não pode voltar ao que era antes da sentença, mas ainda não adquiriu os meios necessários para seguir adiante. Escolhe, então, morrer.
Não podemos esquecer que a adolescência é uma fase de profunda fragilidade psíquica e emocional do sujeito. Mostrar-se seguro de si, decidido e maduro – muitas vezes arrogante – quase  nunca corresponde aos verdadeiros dramas que o adolescente guarda dentro de si. É preciso, então, olha-lo com muito cuidado, pois ninguém se torna adulto da noite para o dia. O processo de amadurecimento pressupõe um caminhar passo a passo, com conquistas e fracassos, impulsividade e renúncias, medo e bravura.
Recomendo a leitura.
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