terça-feira, 11 de junho de 2019

A Balada de Adam Henry


de Ian McEwan

Comentários de Priscila Fernandes Costa

Neste romance do escritor inglês Ian McEwan nos deparamos com a história de Fiona Maye, magistrada do Tribunal Superior Inglês, dedicada a arbitrar em causas de família. A juíza parece resolver com bastante tranquilidade e isenção os casos que lhe são destinados, até o momento em que tem que decidir sobre o destino de um adolescente de 17 anos, pertencente à religião Testemunhas de Jeová, que está internado em um hospital por causa de uma doença grave. Adam, o jovem hospitalizado, precisa de uma transfusão de sangue para que sua vida seja salva, mas seus pais se recusam a autorizar o procedimento por causa da  religião que condena tal tratamento. Ao mesmo tempo, o jovem Adam está disposto a morrer para não pecar perante de Jeová. O caso, então, é encaminhado à justiça pelos médicos do hospital. Depois de muito ponderar e após uma conversa tête-à-tête com Adam, que se mostrou bastante “maduro” e psiquicamente saudável para escolher seu destino, Fiona considera que seu dever é acima de tudo o de preservar a vida, e delibera em favor dos médicos, autorizando, assim,  a transfusão que garantirá a sobrevivência de Adam.
Embora o romance aborde questões sobre ética jurídica confrontada com a ética religiosa, e o direito de escolha do sujeito a propósito de seu próprio destino, o texto de McEwan me levou a refletir sobre alguns problemas da típicos da adolescência, esta fase da vida tão cheia de conflitos, angústias, indecisões e inseguranças.
A adolescência é um período do desenvolvimento humano que marca a passagem da infância para a vida adulta. Trata-se, portanto, de  um processo de amadurecimento biopsicossocial. Do ponto de vista do crescimento físico, a adolescência refere-se ao período que vai da puberdade – com o surgimento dos caracteres sexuais – até a parada do crescimento corporal. Este conjunto de transformações orgânicas ligadas ao processo de maturação sexual provocam, também, transformações psíquicas importantes que caracterizam a chamada crise da adolescência, que nada mais é do que o trabalho psíquico do sujeito no sentido de elaborar alguns “lutos” diante de perdas fundamentais e fundantes, a saber,  o luto pelos pais da infância, o luto do corpo infantil, e o luto pela identidade de criança.
Para se livrar da identidade infantil e tentar construir uma identidade adulta, o adolescente lança mão de comportamentos de rebeldia e oposição – sobretudo em relação aos aos pais. Demonstra também comportamentos típicos do chamado fracasso de personificação, pois, ao mesmo tempo parece se recusar a crescer, agindo de maneira infantil. A dificuldade de adaptação fora do grupo de pares é evidente, as condutas de risco estão quase sempre presentes e a expressão de pensamentos onipotentes, tais como ideias de reformas políticas, sociais e econômicas são comuns.
Com relação às mudanças corporais,  a única conduta possível para o sujeito é a absoluta  passividade. Não dá pra parar, nem mesmo controlar este corpo que se modifica dia-a-dia, enquanto o ele não sabe o que fazer com as novas aquisições. O sentimento de impotência faz com que ele oscile entre momentos de realidade e outros de fantasia. O corpo silencioso da fase de latência agora grita de desejo, dor e prazer.
O luto pelos pais da infância é também fundante para o adolescente, uma vez que para acessar o mundo adulto e à desejada e necessária independência, é preciso sair da relação de dependência dos pais. Para tanto, começa-se por desidealizá-los: eles já não são mais o pais perfeitos da infância. O adolescente começa a olhar para as “falhas e defeitos” dos pais e tende a critica-los severamente, ao mesmo tempo que exige muito dos mesmos. Tais comportamentos, embora exasperem os pais, são bastante saudáveis neste tempo do desenvolvimento psíquico.
Voltando agora ao nosso adolescente, o livro de McEwan,  não nos fornece muitos  detalhes sobre a história de vida de Adam, mas mesmo assim podemos fazer algumas considerações.
Adam parece demonstrar uma maturidade “mimética”, espelhada, certamente, nos valores e ideais de seus pais  e nos preceitos religiosos que lhe foram incutidos desde a infância. Ao se ver livre, por determinação de uma instância legal superior, das exigências e expectativas da religião na qual foi criado, deixa vir a tona a “crise de adolescência” que parece não ter tido a oportunidade de vivenciar até então:  rebela-se contra os pais e contra a religião e sai de casa. É como se todas as vivências típicas deste período de vida – sobretudo os lutos que o caracterizam – eclodissem de uma só vez para ele. A “liberdade” de escolha, a revolta, a sensualidade, o amor-paixão,  o distanciamento dos pais, o triunfo diante da morte.
Aturdido frente a este turbilhão de possibilidades, Adam se lança para a vida numa espécie de  excitação desvairada  e procura a juíza como uma tábua de salvação. Pede a Fiona que o adote, que o acolha em sua casa e que o leve para morar com ela. Um mundo novo, desconhecido, se abriu pra ele e somente a juíza pode ensiná-lo  a viver nele. Parece, de fato, que o que ele faz é um pedido de socorro: me ajude a conter este turbilhão de emoções , sensações e ideias que a sua sentença fez aparecer em mim. Mas Fiona não acolhe tal pedido.
A recusa da juíza o deixa em um estado de total desamparo. Já não pode voltar ao que era antes da sentença, mas ainda não adquiriu os meios necessários para seguir adiante. Escolhe, então, morrer.
Não podemos esquecer que a adolescência é uma fase de profunda fragilidade psíquica e emocional do sujeito. Mostrar-se seguro de si, decidido e maduro – muitas vezes arrogante – quase  nunca corresponde aos verdadeiros dramas que o adolescente guarda dentro de si. É preciso, então, olha-lo com muito cuidado, pois ninguém se torna adulto da noite para o dia. O processo de amadurecimento pressupõe um caminhar passo a passo, com conquistas e fracassos, impulsividade e renúncias, medo e bravura.
Recomendo a leitura.
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