de Ian McEwan
Comentários de Priscila Fernandes Costa
Neste romance do escritor inglês Ian McEwan nos deparamos com
a história de Fiona Maye, magistrada do Tribunal Superior Inglês, dedicada a
arbitrar em causas de família. A juíza parece resolver com bastante
tranquilidade e isenção os casos que lhe são destinados, até o momento em que
tem que decidir sobre o destino de um adolescente de 17 anos, pertencente à
religião Testemunhas de Jeová, que está internado em um hospital por causa de
uma doença grave. Adam, o jovem hospitalizado, precisa de uma transfusão de
sangue para que sua vida seja salva, mas seus pais se recusam a autorizar o
procedimento por causa da religião que
condena tal tratamento. Ao mesmo tempo, o jovem Adam está disposto a morrer
para não pecar perante de Jeová. O caso, então, é encaminhado à justiça pelos
médicos do hospital. Depois de muito ponderar e após uma conversa tête-à-tête com Adam, que se mostrou
bastante “maduro” e psiquicamente saudável para escolher seu destino, Fiona
considera que seu dever é acima de tudo o de preservar a vida, e delibera em
favor dos médicos, autorizando, assim, a
transfusão que garantirá a sobrevivência de Adam.
Embora o romance aborde questões sobre ética jurídica
confrontada com a ética religiosa, e o direito de escolha do sujeito a
propósito de seu próprio destino, o texto de McEwan me levou a refletir sobre
alguns problemas da típicos da adolescência, esta fase da vida tão cheia de
conflitos, angústias, indecisões e inseguranças.
A adolescência é um período do desenvolvimento humano que
marca a passagem da infância para a vida adulta. Trata-se, portanto, de um processo de amadurecimento
biopsicossocial. Do ponto de vista do crescimento físico, a adolescência refere-se
ao período que vai da puberdade – com o surgimento dos caracteres sexuais – até
a parada do crescimento corporal. Este conjunto de transformações orgânicas
ligadas ao processo de maturação sexual provocam, também, transformações
psíquicas importantes que caracterizam a chamada crise da adolescência, que
nada mais é do que o trabalho psíquico do sujeito no sentido de elaborar alguns
“lutos” diante de perdas fundamentais e fundantes, a saber, o luto pelos pais da infância, o luto do corpo
infantil, e o luto pela identidade de criança.
Para se livrar da identidade infantil e tentar construir uma
identidade adulta, o adolescente lança mão de comportamentos de rebeldia e
oposição – sobretudo em relação aos aos pais. Demonstra também comportamentos
típicos do chamado fracasso de personificação, pois, ao mesmo tempo parece se
recusar a crescer, agindo de maneira infantil. A dificuldade de adaptação fora
do grupo de pares é evidente, as condutas de risco estão quase sempre presentes
e a expressão de pensamentos onipotentes, tais como ideias de reformas políticas,
sociais e econômicas são comuns.
Com relação às mudanças corporais, a única conduta possível para o sujeito é a
absoluta passividade. Não dá pra parar,
nem mesmo controlar este corpo que se modifica dia-a-dia, enquanto o ele não
sabe o que fazer com as novas aquisições. O sentimento de impotência faz com
que ele oscile entre momentos de realidade e outros de fantasia. O corpo
silencioso da fase de latência agora grita de desejo, dor e prazer.
O luto pelos pais da infância é também fundante para o
adolescente, uma vez que para acessar o mundo adulto e à desejada e necessária
independência, é preciso sair da relação de dependência dos pais. Para tanto,
começa-se por desidealizá-los: eles já não são mais o pais perfeitos da
infância. O adolescente começa a olhar para as “falhas e defeitos” dos pais e
tende a critica-los severamente, ao mesmo tempo que exige muito dos mesmos.
Tais comportamentos, embora exasperem os pais, são bastante saudáveis neste
tempo do desenvolvimento psíquico.
Voltando agora ao nosso adolescente, o livro de McEwan, não nos fornece muitos detalhes sobre a história de vida de Adam, mas
mesmo assim podemos fazer algumas considerações.
Adam parece demonstrar uma maturidade “mimética”, espelhada,
certamente, nos valores e ideais de seus pais e nos preceitos religiosos que lhe foram
incutidos desde a infância. Ao se ver livre, por determinação de uma instância
legal superior, das exigências e expectativas da religião na qual foi criado,
deixa vir a tona a “crise de adolescência” que parece não ter tido a
oportunidade de vivenciar até então:
rebela-se contra os pais e contra a religião e sai de casa. É como se
todas as vivências típicas deste período de vida – sobretudo os lutos que o
caracterizam – eclodissem de uma só vez para ele. A “liberdade” de escolha, a
revolta, a sensualidade, o amor-paixão, o distanciamento dos pais, o triunfo diante da
morte.
Aturdido frente a este turbilhão de possibilidades, Adam se
lança para a vida numa espécie de
excitação desvairada e procura a
juíza como uma tábua de salvação. Pede a Fiona que o adote, que o acolha em sua
casa e que o leve para morar com ela. Um mundo novo, desconhecido, se abriu pra
ele e somente a juíza pode ensiná-lo a viver
nele. Parece, de fato, que o que ele faz é um pedido de socorro: me ajude a conter este turbilhão de emoções
, sensações e ideias que a sua sentença fez aparecer em mim. Mas Fiona não
acolhe tal pedido.
A recusa da juíza o deixa em um estado de total desamparo. Já
não pode voltar ao que era antes da sentença, mas ainda não adquiriu os meios
necessários para seguir adiante. Escolhe, então, morrer.
Não podemos esquecer que a adolescência é uma fase de
profunda fragilidade psíquica e emocional do sujeito. Mostrar-se seguro de si,
decidido e maduro – muitas vezes arrogante – quase nunca corresponde aos verdadeiros dramas que o
adolescente guarda dentro de si. É preciso, então, olha-lo com muito cuidado,
pois ninguém se torna adulto da noite para o dia. O processo de amadurecimento
pressupõe um caminhar passo a passo, com conquistas e fracassos, impulsividade
e renúncias, medo e bravura.
Recomendo a leitura.
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