terça-feira, 12 de junho de 2018

Travessuras da Menina Má

de Mario Vargas Llosa

Editora Objetiva (2006), 302 páginas

por Cristiane Vianna Rauen

“Travessuras da Menina Má” é um romance de 2006 do escritor peruano Mario Vargas Llosa sobre os encontros e desencontros amorosos do “bom menino”, Ricardo Somocurcio, e da menina má, a aventureira peruana que se utiliza de diversos disfarces e travessuras para conquistar suas ambições.
As travessuras da menina má se iniciam na cidade de Lima, no Peru, no verão de 1950, quando Ricardo conhece as irmãs “chilenitas”, Lily e Lucy, nas festas adolescentes do bairro de Miraflores. Rapidamente as meninas atraem a atenção dos garotos do bairro pelo modo de se vestir, de dançar e pelo seu sotaque, até o momento em que a farsa sobre sua origem é desvendada e as “peruanitas” são obrigadas a deixar de frequentar aquele círculo social. Tudo isso para infelicidade de Ricardo, que se apaixonara por Lily e não se esqueceria da “chilenita” e de suas travessuras naquele verão.
Muitos anos depois, quando Ricardo já tinha realizado seu sonho de morar em Paris e iniciava seu trabalho como tradutor pela UNESCO, quis o destino que ele e a menina má se encontrassem novamente. Não se chamava mais Lily, mas Arlete, e era guerrilheira pelo “Movimiento de Izquierda Revolucionaria” – MIR, cujo objetivo era transformar o Peru na Segunda República Socialista da América Latina.
A reaproximação de Ricardo com a menina má, naquele momento, mostrou que a ela a causa revolucionária importava muito pouco. Seu real interesse era sair do Peru. O reencontro durou pouco tempo, até que a guerrilheira fosse enviada a uma base de treinamento em Cuba. A saída dela não se deu antes de ter tentado convencer Ricardo a pedir a seus contatos no MIR que a livrassem de seu compromisso com a guerrilha, em troca de passar a viver com ele em Paris. A estratégia da menina má não foi bem-sucedida, pois Ricardo não quis se opor às determinações do movimento.
A chilenita-guerrilheira partiu, mas a saudade de Ricardo por ela apenas crescia, assim como seu arrependimento por tê-la deixado partir. Algum tempo depois, aconteceu um novo reencontro. Foi no escritório da UNESCO que a menina má se apresentou a Ricardo como a Sra. Robert Arnoux, adido comercial da embaixada francesa em Cuba, onde se conheceram. Com o reencontro em Paris ocorreu a breve reaproximação amorosa entre Ricardo e a menina má, até o dia em que monsieur Arnoux anunciou a Ricardo mais uma de suas travessuras: sua esposa o havia deixado, levando consigo todas as suas economias.
Ricardo não teria mais notícias da menina má por alguns longos anos, mas nunca deixou suas lembranças de lado. Era difícil para ele se relacionar com outras mulheres. Até teve alguns casos, mas nada que pudesse ser comparado à paixão que sentia por ela. Nesse período, Ricardo se dedicou a seus projetos de tradução na UNESCO, alguns trabalhos de tradução literária e ao aprendizado de russo, língua pela qual nutria grande interesse.
Em uma de suas muitas viagens a trabalho para Londres, reencontrou um amigo dos tempos de colégio, o artista plástico Juan Barreto. A amizade entre os dois crescia a cada novo trabalho que Ricardo realizava na Inglaterra e essa aproximação ocasionou acidentalmente o terceiro reencontro de nosso protagonista com a menina má. Tudo ocorreu num dos momentos em que estava no pied-à-terre de Juan e este apresentou uma foto de amigos em uma festa em Newmarket. Ricardo não podia acreditar no que seus olhos viam, mas a mulher apresentada por seu amigo como Mrs. Richardson era, na realidade, a mais nova versão de sua ex-chilenita, ex-guerrilheira e ex-M. Robert Arnoux.
Ricardo e Mrs. Richardson viveram, então, um novo período de intenso romance na Inglaterra, até que, como era de se esperar, a menina má desaparecesse novamente. Dessa vez, numa situação financeira muito pior do que a anterior, haja vista a descoberta, por Mr. Richardson, de sua situação de bigamia.
Ricardo passa anos sem notícias da menina má e, mais uma vez, por coincidências da vida, um amigo tradutor, Salomón Toledado, que se mudara para o Japão, os coloca em contato novamente. Agora ela era Kuriko, e trabalhava em operações escusas para um contrabandista internacionalmente conhecido, Fukuda. Era sua faz-tudo. Contrabandeava substâncias ilegais em países africanos e ao mesmo tempo realizava as fantasias eróticas mais escabrosas de seu cafetão “voyeur”.
A relação entre Kuriko e Fukuda era tóxica e de extrema dependência, conforme constatou Ricardo na sua reaproximação com a menina má no Japão. Ele fazia mal a ela, e, mesmo assim, ela parecia ser extremamente dependente dele. Estaria a menina má finalmente apaixonada por alguém? Essa situação provocava desconforto e ciúmes em Ricardo. Mas, acima de tudo, provocou uma das situações mais constrangedoras de toda a sua vida. Para satisfazer os desejos sexuais de seu patrão, Kuriko acaba levando Ricardo para uma sessão de voyeurismo sem seu consentimento. Ao descobrir que eram observados por Fukuda enquanto faziam sexo, Ricardo fica com ódio da menina má e volta transtornado a Paris jurando nunca mais voltar a se envolver com ela.
A situação dura alguns anos, e Ricardo se joga de corpo e alma no trabalho e nas viagens que ele lhe proporcionava. Além disso, aproxima-se dos novos vizinhos de apartamento, os Gravoski, e seu filho adotivo Yilal, supostamente mudo. A aproximação com os novos amigos faz bem a Ricardo. Ele consegue se abrir com sua conterrânea, Elena, conta-lhe todas as travessuras vividas com a menina má e confessa seu grande amor por ela (apesar da recente mágoa criada com sua última aproximação).
Elena o incentiva a lutar por esse amor e a oportunidade surge quando a menina má tenta reestabelecer contato com Ricardo em Paris. Ricardo a encontra magra e adoentada e decide, com o auxílio de seus amigos, custear seu tratamento. A menina má conta que havia sido abandonada por Fukuda quando este descobriu que ela havia sido presa e violentada em uma prisão em Lagos, na Nigéria. Porém, após o tratamento em uma clínica psiquiátrica, Ricardo descobre que as mazelas da menina má foram todas causadas pelo próprio Fukuda, que a submetia às mais brutais orgias sexuais.
Compadecido pela situação de seu grande amor, e ciente de sua real situação de fragilidade, Ricardo decide que seria o momento de finalmente consolidar o vínculo entre eles e propõe casamento. De maneira inesperada, a menina má aceita e esse parece ser o início da verdadeira história de amor entre eles e de um período de tréguas nas travessuras da menina má, que se torna uma dona de casa exemplar, companheira e amorosa. Nesse período, devido à regularização de sua situação documental na Europa, a menina má também consegue um emprego em uma empresa de eventos parisiense e se sente muito realizada com seu desempenho e com a possibilidade de ajudar Ricardo a custear as despesas de casa.
O momento parecia de calmaria, e Ricardo decide voltar ao Peru para visitar o tio Ataúlfo (seu pai de criação), que tinha acabado de passar por uma cirurgia e estava bastante debilitado. Dando continuidade à sequência de coincidências em que se baseia a trama, numa vista à região litorânea de Callao a convite de um sobrinho, Ricardo acaba por conhecer Arquimedes, o construtor de quebra-mares, que descobre ser seu sogro, o pai da menina má, cujo verdadeiro nome é desvendado: Otilia.  
Ao retornar a Paris, Ricardo é novamente surpreendido pelo abandono da menina má, que alega ser impossível para ela manter a situação pequeno-burguesa em que viviam. Sua ambição a levaria a abandonar Ricardo para viver um romance com o marido de sua chefe na empresa de eventos.
Muito baqueado, Ricardo parece não ter mais forças para lutar pelo amor da menina má e acaba por finalmente se envolver de forma definitiva com outra pessoa, Marcela, cenógrafa italiana, com quem se muda para Espanha e vive uma vida simples e tranquila, baseada em seus parcos projetos de tradução.
Porém, a história de Ricardo e sua chilenita, guerrilheira, Mme. Arnoux, Mrs. Richardson, Kuriko, e Otilia não estaria destinada a esse simples desfecho. A menina má reencontra Ricardo na Espanha. Está novamente adoentada, tendo sido recentemente tratada de um câncer pélvico. Deram-lhe poucos meses de vida e ela o reencontra decida a viver seus últimos momentos com ele. Como recompensa a todas as suas travessuras, oferece a Ricardo, de maneira irônica, a oportunidade de usar os quase quarenta anos de sua história de amor como material para seu primeiro romance, afinal, reconhece que o grande sonho e vocação do bom menino teria sido sempre a escrita literária.
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