terça-feira, 10 de abril de 2018

Carta ao Pai


de Franz Kafka
por Carlos Guido Azevedo

Não sei se mulheres fazem carta ao pai, ou o fazem às suas mães. Mas, eu fiz a minha carta aos 19 anos, quando cursava o primeiro ano de engenharia.  Pensando bem, não sei se fui tão bondoso com papai, como Kafka foi com o seu. Na verdade, acho que fui mais grosseiro e sem a capacidade intelectual do autor, mas não deixei de colocar todos aqueles pontos nos is. 

Claro, não é um livro de metáforas "Kafkianas" emblemáticas e desesperadoras. É uma desabafo absolutamente necessário na formação da personalidade masculina. Não há formação adulta sem esse rito de passagem. Sem matar (metaforicamente) o pai, o homem adulto não estabelece sua personalidade e não supera as dependências da infância. 

Há muitas formas de fazer isso, mas aqueles que articulam a lógica e o discurso, normalmente se expressam através de uma carta, que também, quase nunca é enviada.

Estarei tomando a minha experiência e a de Kafka, como regra geral? Acho que não. Há casos de alguns que partem para a negação absoluta da autoridade paterna, outros anulam o contato e falseiam sua existência, mas o que importa é que este rito de passagem, também foi experienciado por mim e posso atestar a realidade dos fatos.

Se não há dois adolescentes iguais, não há a menor diferença na relação entre eles e seus pais, quando estão presentes as mesmas características autoritárias e ameaçadoras.

Então posso afirmar que a carta me tocou de uma forma muito íntima e pessoal. Algumas partes eram mesmo semelhantes, ressalvando a qualidade do texto e a objetividade. No entanto, a catarse me fez bem, me fez compreender a diferença de gerações, amadurecer e autonomizar meu pensamento e ação em relação à orientação paterna.

Kafka, no entanto, embora tenha colocado em papel, tudo que lhe incomodava, oprimia, e fazia dele aquele jovem tímido, cheio de medos e introvertido, sempre temendo contrariar o pai, não conseguiu fazer a transição necessária, por questões, que julgo muito particulares de sua personalidade.

Não sou capaz de fazer uma análise dos motivos que o levaram a ser quem foi, mas tenho certeza que a importância do pai no contexto, não foi tão peremptória como ele julgava, era mais uma necessidade pessoal de se submeter àquela personalidade forte, buscando a aprovação na submissão e fazendo dela o seu guia para toda a vida, toda a obra.

Afinal, o velho Hermann Kafka, não devia ser muito diferente dos outros pais judeus daquela época. Duro, autoritário, minimamente amoroso, que via o filho com sérios problemas emocionais e talvez com alguma inclinação feminina e, cuidou, a seu modo, de proteger por toda a vida aquela frágil criatura, que mesmo tendo editado livros, ele mandava entrar em casa para não se resfriar.

Kafka não efetivou a transição da adolescência para a maturidade, morreu aos 41 anos sendo tratado pela família como uma criança insegura. Sua mente profunda e complexa transformou suas contradições internas em textos fortes e instigantes. Na verdade, este seu desespero não me faz bem e reluto em indicar como um texto necessário para a leitura, embora repute como um clássico.

Não recomendo.

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