de Yan Lianke
1a. edição
– editora Record - 2018
por Mônica Ferreira Dias
Considerado uma revelação da literatura chinesa, agraciado
por esse livro com prêmio Lao She (2004), um dos mais prestigiados na China, Yan Lianke é
também autor dos livros: O sonho da
aldeia Ding e A serviço do povo. Também foi premiado com o Man Asian Literary
Prize e o Prêmio Franz Kafka e em 2016 o seu livro The four books ficou entre
os finalistas do Prêmio Man Booker International. Foi expulso do Exército
Popular de Libertação.
O livro retrata uma aldeia rural chamada Avivada, localizada
nas profundezas das montanhas de Balou, província de Henan (mesmo local de
nascimento do autor), habitado apenas por pessoas com algum tipo de deficiência
física. Conta a história que sua origem se deveu ao processo de realocações em
massa forçada para repovoar regiões desérticas da China, e que no caminho o
encarregado permitiu que um cego e seu filho aleijado ficassem para trás dando
início a aldeia.
Anos depois chega ao local uma das personagens centrais, uma
líder revolucionária do exército vermelho que havia lutado no Quarto Regimento
do General Zhang Guotao, que foi dizimado – Mao Zhi ou Vovó Mao Zhi como passou
a ser chamada pelos habitantes da aldeia. Sobrevivendo ao ataque caminha em
direção ao que lembrava seria sua aldeia natal, que não sabe o nome, na direção
de Henan onde se localiza a aldeia Avivada. Como havia perdido três dedos do pé
e quebrado a perna durante a travessia de uma cadeia de montanhas nevadas, ao
deparar-se com Avivada resolve se estabelecer para gozar de uma vida de paz e
prosperidade neste local esquecido pelas autoridades, uma vez que cumpria o
pré-requisito de permanência que era possuir algum defeito físico.
Assim a vida foi construída neste cenário rural esquecido
pelas autoridades: plantação e colheita abundante nos campos da montanha, casou-se
e teve uma filha - Jumei. O marido morre de fome num período de grande seca e
racionamento de grãos e ela, a filha e as netas moram todas juntas.
O romance inicia quando os moradores de Avivada são
surpreendidos por uma nevasca em pleno verão que devasta as plantações de trigo.
Preocupado com a situação, o novo chefe do condado, Liu Yingque vai até o
vilarejo oferecer apoio e informar a brilhante ideia de comprar da Rússia o
corpo embalsamado de Lênin para ser colocado em um magnífico mausoléu nas
redondezas, de forma a atrair turistas para a região e angariar dinheiro para a
vila.
Liu Yingque já havia permanecido na aldeia em tempos
anteriores para realizar os ensinamentos pela escola socialista ou soc-escola
aos aldeões locais. Nesta oportunidade havia se interessado por Jumei com quem
manteve um relacionamento durante sua estada como professor retornando depois
para a comuna. Deste encontro Jumei dá a luz a quadrigêmeas: Tonghua (mais
velha) era cega e nunca trabalhava nos campos, Huaihua, Yuhua e Marileth (estas
duas últimas consideradas nainhas – de estatura minúscula).
Então, para realizar a compra do corpo, Liu tem novamente
outra brilhante ideia - criar uma trupe de artistas formada pelos habitantes
locais que possuíssem alguma habilidade especial e que pudessem realizar
apresentações em diversas cidades do país. Houve uma agitação em Avivada com os
preparativos daqueles que foram escolhidos para fazer parte da trupe e a aldeia
se esvaziou com a partida do grupo. O empreendimento torna-se bem-sucedido e o
dinheiro é repartido, não de forma igualitária entre os artistas e o cofre do
condado, mas num montante que esses habitantes ainda não haviam tido acesso. As
famílias passam a ter muito mais do que estavam acostumados por anos a
conseguir como resultado do plantio dos campos.
O lucro da atividade começa então a ser o protagonista da
história aguçando a ganância de cada um – Liu que aumenta reiteradas vezes o
valor dos ingressos dos shows, os artistas que desenvolvem estratégias para esconder
o dinheiro que ganham, o medo de ser roubado, os cálculos e divisões das
bilheterias, enfim o novo personagem alterou a dinâmica de funcionamento
pessoal e grupal.
A historia vai ate o ponto da ultima apresentação como
inauguração do mausoléu, agora com duas trupes com números artísticos
diferentes, ocasião em que Liu lerá o documento liberando Avivada de pertencer
a qualquer condado, retornando ao seu status inicial de um ponto esquecido no
mapa em que os habitantes viviam na paz celestial.
O inusitado acontece, porque o chefe do condado não aparece,
os habitantes de Avivada dormem dentro do mausoléu para espera-lo e no dia
seguinte tornam-se reféns de um grupo de inteiros (pessoas sem deficiência) que
começa a extorquir tudo que tem, de dinheiro à integridade.
Neste ínterim, Liu é chamado à sede do distrito a pedido do
Secretário Niu, às vésperas da apresentação de inauguração do mausoléu e de lá
para capital da província a pedido do governador.
Lá chagando foi informado do conhecimento do plano mirabolante sugerindo que o
condado deveria ter uma clinica psicológica política para acolher seus
subordinados que estavam na empreitada da compra do corpo de Lenin. Ao retornar
para casa, além de destituído de seu posto resultado do trabalho de uma vida
inteira, descobre também que é corno!
Aconteceu que seu sonho contaminou a cidade, pela boca do
secretário, ao saber da proximidade da abertura do mausoléu trazendo
prosperidade para a cidade de Shuanghuai e os habitantes se prostravam perante
Liu o idealizador deste novo tempo de abundância que se avizinhavam. Como último
ato, sem informar que fora destituído, realiza reunião de votação para que
Avivada saia da sociedade e não se submeta a nenhuma jurisdição.
Os habitantes de Avivada retornaram à aldeia, guiados por
Vovó Mao para continuarem suas atividades e depois de decorrido um tempo em que
já se percebia a gravidez de Huaihua, chega a aldeia um documento oficial da
sede do condado para Vovó Mao contendo a decisão do governo do condado de
Shuanghuai de autorizar a saída de Avivada da jurisdição. Vovó Mao convoca toda
a aldeia para leitura do documento embaixo da árvore oficial dos comunicados e
ali permanece para fazer sua passagem com um sorriso do dever cumprido. Ao
mesmo tempo que a aldeia perde Vovó Mao, ganha um novo morador, o ex-chefe do
condado, Liu, que fora atropelado quando saiu da última reunião que presidiu e,
com suas pernas quebradas foi desfrutar da paz celestial em Avivada.
É um romance longo, em alguns momentos com muitos detalhes
que poderiam ser cortados, quando analisados por uma ocidental. Não tenho
certeza se é uma característica da literatura do povo ou característica do
autor. Ele expõe muito bem a transformação das pessoas, a brutalidade do ser
humano em determinadas passagens, o poder de corromper que o dinheiro tem, o
poder do poder (quando descobrem que embaixo do esquife do Lenin há outro
destinado ao chefe Liu), tanto em suas notas de rodapé como nos capítulos de
leitura complementar, numerados apenas com algarismos ímpares. Superstição ou
indicação de uma mensagem não declarada? Alguns editoriais afirmam que o autor utiliza
este recurso para enfatizar o não-dito e a censura comum de seu país.
Achei muito longo e não recomendo mas quero ler A serviço do
povo ou The four books.