quinta-feira, 15 de novembro de 2018

OS BEIJOS DE LÊNIN


de Yan Lianke
1a. edição – editora Record - 2018


por Mônica Ferreira Dias

Considerado uma revelação da literatura chinesa, agraciado por esse livro com prêmio Lao She (2004), um dos mais prestigiados na China, Yan Lianke é também autor dos livros:  O sonho da aldeia Ding e A serviço do povo. Também foi premiado com o Man Asian Literary Prize e o Prêmio Franz Kafka e em 2016 o seu livro The four books ficou entre os finalistas do Prêmio Man Booker International. Foi expulso do Exército Popular de Libertação.

O livro retrata uma aldeia rural chamada Avivada, localizada nas profundezas das montanhas de Balou, província de Henan (mesmo local de nascimento do autor), habitado apenas por pessoas com algum tipo de deficiência física. Conta a história que sua origem se deveu ao processo de realocações em massa forçada para repovoar regiões desérticas da China, e que no caminho o encarregado permitiu que um cego e seu filho aleijado ficassem para trás dando início a aldeia.

Anos depois chega ao local uma das personagens centrais, uma líder revolucionária do exército vermelho que havia lutado no Quarto Regimento do General Zhang Guotao, que foi dizimado – Mao Zhi ou Vovó Mao Zhi como passou a ser chamada pelos habitantes da aldeia. Sobrevivendo ao ataque caminha em direção ao que lembrava seria sua aldeia natal, que não sabe o nome, na direção de Henan onde se localiza a aldeia Avivada. Como havia perdido três dedos do pé e quebrado a perna durante a travessia de uma cadeia de montanhas nevadas, ao deparar-se com Avivada resolve se estabelecer para gozar de uma vida de paz e prosperidade neste local esquecido pelas autoridades, uma vez que cumpria o pré-requisito de permanência que era possuir algum defeito físico.

Assim a vida foi construída neste cenário rural esquecido pelas autoridades: plantação e colheita abundante nos campos da montanha, casou-se e teve uma filha - Jumei. O marido morre de fome num período de grande seca e racionamento de grãos e ela, a filha e as netas moram todas juntas.

O romance inicia quando os moradores de Avivada são surpreendidos por uma nevasca em pleno verão que devasta as plantações de trigo. Preocupado com a situação, o novo chefe do condado, Liu Yingque vai até o vilarejo oferecer apoio e informar a brilhante ideia de comprar da Rússia o corpo embalsamado de Lênin para ser colocado em um magnífico mausoléu nas redondezas, de forma a atrair turistas para a região e angariar dinheiro para a vila.

Liu Yingque já havia permanecido na aldeia em tempos anteriores para realizar os ensinamentos pela escola socialista ou soc-escola aos aldeões locais. Nesta oportunidade havia se interessado por Jumei com quem manteve um relacionamento durante sua estada como professor retornando depois para a comuna. Deste encontro Jumei dá a luz a quadrigêmeas: Tonghua (mais velha) era cega e nunca trabalhava nos campos, Huaihua, Yuhua e Marileth (estas duas últimas consideradas nainhas – de estatura minúscula).

Então, para realizar a compra do corpo, Liu tem novamente outra brilhante ideia - criar uma trupe de artistas formada pelos habitantes locais que possuíssem alguma habilidade especial e que pudessem realizar apresentações em diversas cidades do país. Houve uma agitação em Avivada com os preparativos daqueles que foram escolhidos para fazer parte da trupe e a aldeia se esvaziou com a partida do grupo. O empreendimento torna-se bem-sucedido e o dinheiro é repartido, não de forma igualitária entre os artistas e o cofre do condado, mas num montante que esses habitantes ainda não haviam tido acesso. As famílias passam a ter muito mais do que estavam acostumados por anos a conseguir como resultado do plantio dos campos.

O lucro da atividade começa então a ser o protagonista da história aguçando a ganância de cada um – Liu que aumenta reiteradas vezes o valor dos ingressos dos shows, os artistas que desenvolvem estratégias para esconder o dinheiro que ganham, o medo de ser roubado, os cálculos e divisões das bilheterias, enfim o novo personagem alterou a dinâmica de funcionamento pessoal e grupal.

A historia vai ate o ponto da ultima apresentação como inauguração do mausoléu, agora com duas trupes com números artísticos diferentes, ocasião em que Liu lerá o documento liberando Avivada de pertencer a qualquer condado, retornando ao seu status inicial de um ponto esquecido no mapa em que os habitantes viviam na paz celestial.

O inusitado acontece, porque o chefe do condado não aparece, os habitantes de Avivada dormem dentro do mausoléu para espera-lo e no dia seguinte tornam-se reféns de um grupo de inteiros (pessoas sem deficiência) que começa a extorquir tudo que tem, de dinheiro à integridade.

Neste ínterim, Liu é chamado à sede do distrito a pedido do Secretário Niu, às vésperas da apresentação de inauguração do mausoléu e de lá para capital da província  a pedido do governador. Lá chagando foi informado do conhecimento do plano mirabolante sugerindo que o condado deveria ter uma clinica psicológica política para acolher seus subordinados que estavam na empreitada da compra do corpo de Lenin. Ao retornar para casa, além de destituído de seu posto resultado do trabalho de uma vida inteira, descobre também que é corno!

Aconteceu que seu sonho contaminou a cidade, pela boca do secretário, ao saber da proximidade da abertura do mausoléu trazendo prosperidade para a cidade de Shuanghuai e os habitantes se prostravam perante Liu o idealizador deste novo tempo de abundância que se avizinhavam. Como último ato, sem informar que fora destituído, realiza reunião de votação para que Avivada saia da sociedade e não se submeta a nenhuma jurisdição.

Os habitantes de Avivada retornaram à aldeia, guiados por Vovó Mao para continuarem suas atividades e depois de decorrido um tempo em que já se percebia a gravidez de Huaihua, chega a aldeia um documento oficial da sede do condado para Vovó Mao contendo a decisão do governo do condado de Shuanghuai de autorizar a saída de Avivada da jurisdição. Vovó Mao convoca toda a aldeia para leitura do documento embaixo da árvore oficial dos comunicados e ali permanece para fazer sua passagem com um sorriso do dever cumprido. Ao mesmo tempo que a aldeia perde Vovó Mao, ganha um novo morador, o ex-chefe do condado, Liu, que fora atropelado quando saiu da última reunião que presidiu e, com suas pernas quebradas foi desfrutar da paz celestial em Avivada.

É um romance longo, em alguns momentos com muitos detalhes que poderiam ser cortados, quando analisados por uma ocidental. Não tenho certeza se é uma característica da literatura do povo ou característica do autor. Ele expõe muito bem a transformação das pessoas, a brutalidade do ser humano em determinadas passagens, o poder de corromper que o dinheiro tem, o poder do poder (quando descobrem que embaixo do esquife do Lenin há outro destinado ao chefe Liu), tanto em suas notas de rodapé como nos capítulos de leitura complementar, numerados apenas com algarismos ímpares. Superstição ou indicação de uma mensagem não declarada? Alguns editoriais afirmam que o autor utiliza este recurso para enfatizar o não-dito e a censura comum de seu país.

Achei muito longo e não recomendo mas quero ler A serviço do povo ou The four books.


quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Os Beijos de Lênin

de Yan Lianke


Comentários de Carlos Guido Azevedo


Gostei do livro.
Meu mentor dizia que temos um pendor para a análise literária quando descobrimos que muitas vezes “não lemos e, gostamos ou não gostamos, em função de uma imagem anterior” e citava livros muito elogiados que poucos leram e todos gostaram, como Guerra e Paz, Lusíadas, Comédia Humana e outros. Por ser arriscado dizer que não gostou, já que o senso comum elogia.
No caso de Os Beijos de Lênin, não tinha qualquer informação anterior e, realmente fiz uma leitura dinâmica das suas 488 páginas, porque seria humanamente impossível ler em detalhe nos 4 dias que tive para a leitura.
No entanto, pude perceber o desenrolar de uma estória dentro da história da China. Me surpreendeu, negativamente no início a excessiva preocupação do autor em contextualizar os personagens, mesmo sendo fictícios e as ações do romance e apresentar um dicionário de expressões do dialeto usado.
Só depois é que pude compreender que era uma estratégia de um contador de estórias que não podia colocar seus personagens reais muito perto das ocorrências contraditórias e pavorosas de sua realidade histórica.
Foi assim, que entendi a magnífica estória de uma aldeia  Avivada composta por cerca de 200 pessoas com deficiência, sem expressar que essa era uma solução socialista de eugenia, dirigida por uma velha líder Vovó Mao Zhi, posto que essa não era a única aldeia só de deficientes.
A vila vive cada época da revolução chinesa, sofrendo as políticas sociais vigentes. Assim, na falta de energia queimaram todas as árvores, quando os pássaros prejudicaram a colheita, mataram todos os pássaros, na época do ferro para o progresso, recolheram todas as dobradiças de porta e até as panelas de fazer a comida. Pelo livrinho vermelho morreram milhares, pelo livrinho preto, outro tanto.
Assim, nós vamos compreendendo como o sistema comunista chinês opera no sistema capitalista mais cruel e desumano no seu interior e usa a roupagem socialista na estrutura de poder para reduzir os espaços de liberdade e facilitar a implementação das políticas públicas.
Bom, e a estória da vila Avivada?
É uma fábula muito edificante. A vila formada pela escória da sociedade chinesa, onde todos são deficientes, vive uma vida normal com todos seus habitantes atuando com a melhor de sua forma para sobreviver. Lá, ninguém é dado usufruir de sua deficiência e todos trabalham e produzem com naturalidade de inteiro, como são chamados por eles os não deficientes.
Até que o Chefe Liu tem uma ideia magnífica, trazer turismo para a comunidade central, fazer um grande investimento na região que atraia turistas do mundo todo. A primeira e mais factível ideia é aceita por todos e posta em execução foi comprar o túmulo de Lenin que estava em semiabandono no Kremlin, pela carência financeira da Rússia e trazer para a região. Não, sem antes construir um grande Mausoléu digno do grande líder.
Então, inicia-se uma grande construção de ideias sobre como será o futuro da região e a venda de ilusão sobre ilusão aponta o modus operandi socialista de viver para um futuro de leite e mel, enquanto se rala em um presente sofrido e tirânico.
A genial solução para a fonte de recursos para o ambicioso projeto, a ser tocado sem a autorização da unidade central, com o nível de liberdade efetiva do atual modelo chinês, no qual os chefes locais devem dar soluções para os problemas de sua região, foi montar uma trupe de artistas com os deficientes de Avivada para que eles demonstrem no palco suas capacidades diferenciadas adquiridas na árdua luta pela sobrevivência, quando tiveram suas habilidades aguçadas para suprir as próprias deficiências e sobreviver em um mundo sem pessoas inteiras.
O genial, vaidoso e autoritário Chefe Liu entrou em conflito com Vovó Mao Zhi que não aceitava a formação da trupe, mas foi convencida com a promessa de que a Vila Avivada, depois disso sairia da jurisdição do Condado de Boshuzi.
Assim fizeram, as duas trupes foram um sucesso, recolheram um bom dinheiro e na última apresentação, na inauguração do Mausoléu de Lenin, o desfecho.
A viagem para negociação do corpo de Lenin foi bloqueada pelo estamento superior. Chefe Liu foi despedido do cargo e ridicularizado pela iniciativa, além de descobrir que há tempos era traído por seu auxiliar que amava sua mulher.
As trupes foram trancadas no mausoléu e todo dinheiro lhe foi roubado pelos inteiros para que lhes dessem água e comida na prisão que se tornou a grande construção.
Chefe Liu foi reverenciado por todo o povo, antes de chegarem as notícias de sua demissão, porque seu assistente provando sua capacidade de enganar a população, espalhou promessas de leite e mel para a vida de todos providenciados pelo Chefe Liu.
Sabendo o que lhe esperava, o Chefe Liu fez a assembleia aprovar a carta de desfiliação da aldeia Avivada do sistema comunal. Então, se jogou na frente de um carro, ficou deficiente e se mudou para Avivada, onde afinal, embora deficientes, seus moradores viviam felizes porque cuidavam de suas vidas, sem sentimento de discriminação pelas limitações físicas comuns.
A carta de liberação do sistema que era o grande sonho da Vovó Mao Zhi, finalmente chegou a Avivada, trazendo muita alegria porque afinal se libertavam dos pesados impostos, da gestão temerária e podiam viver em paz, longe das políticas sociais do sistema.
Vovó Mao Zhi pode então morrer em paz e ceder o seu lugar para o Chefe Liu que chegava para exercer seu domínio sobre Avivada, agora como mais um deficiente.
RECOMENDO COM RESTRIÇÕES.  Há que haver algum interesse preliminar sobre as coisas da China, para encarar o livro.