terça-feira, 11 de novembro de 2014

O HOMEM QUE AMAVA OS CACHORROS

de Leonardo Padura

(Primeira edição, 2013)


por Cláudia Oliveira

“(...) porque a vingança da história costuma ser mais terrível do que a do mais poderoso imperador que alguma vez existiu.” p.403

“(...) ‘a vida é bela, os sentidos celebram sua festa... Que as gerações futuras limpem a vida de todo o mal, de toda a opressão e violência, e desfrutem dele com plenitude’, acrescentou ao que escrevera, inspirado pela eclosão vital daquele instante.”  p.460



No romance histórico O Homem que Amava os Cachorros (El Hombre que Amaba a los Perros), o escritor cubano Leonardo Padura - mais conhecido pelos brasileiros por seus romances policiais que têm como personagem principal o inspetor Mario Conde - proporciona aos leitores uma incrível reflexão sobre a história da esquerda no século XX e sobre as ideologias que convenceram homens de diversas origens e classes sociais a dedicarem suas vidas à lutar por causas, muitas vezes, inglórias e falsas.

No início da obra, o leitor é avisado de que se trata de uma ficção, mas, no decorrer da leitura, não é de se espantar que este se encontre totalmente absorvido pelos fatos e personagens e acabe involuntariamente acreditando que está lendo uma biografia conjunta, em que cada indivíduo está ali para defender e contar a sua parte na história da “utopia socialista do século XX e sobre como o stalinismo perverteu essa utopia”, como definiu o autor.

A condição do autor, que escreve o livro - e vive -  em Cuba, constitui-se, por si só, uma das curiosidades que cercam este romance, uma vez que as considerações do personagem Iván revelam críticas profundas ao sistema de governo adotado na ilha caribenha. Leonardo Padura, quando perguntado se é possível ser independente onde vive, respondeu:
 “É difícil, mas é possível. Eu lutei muito por minha independência.(...) Sou, então, um cidadão que vive nessa sociedade e acho que isso me dá o direito de falar dessa sociedade, mas certas estruturas culturais ou jornalísticas preferem não comentar muito os meus livros.” Entrevista concedida ao jornalista Marcelo Lins, programa Milênio, Globo News.
o que esclarece a condição do próprio autor também como indivíduo afetado pelas desventuras do socialismo nas últimas décadas.

O livro, de 2009, foi editado no Brasil em 2013. Recebeu elogiosas críticas literárias em vários países e nas mais prestigiosas mídias. Deu ao autor diversos prêmios e dissipou qualquer dúvida que pudesse pairar sobre o seu talento como escritor. É uma obra de fôlego, que em suas quase 600 páginas não entedia o leitor. Está baseada em consistente e trabalhosa pesquisa histórica que surpreende pela acuidade e pelos detalhes históricos que causam admiração e, às vezes, choque. A narração, dividida em 30 capítulos, é alternada pelo foco nos personagens principais e conta o papel que cada um teve na história do assassinato de Trotski por um enviado de Stalin, Ramón Mercader. A exceção fica por conta do personagem Iván que, apesar de não participar dos eventos históricos, vê-se envolvido na trama em função de uma coincidência do destino.

Leon Trotski (Liev Davidovitch Bronstein) é o protagonista do romance, ao qual todos os outros personagens se ligam e quem proporciona o clímax da obra quando se cumpre o seu assassinato. Herói  (ou anti-herói?) da Revolução Russa e personagem relevante na História do século passado – embora por décadas tenha sido varrido dos arquivos soviéticos -, sua condição de algoz (quando chefe do Exército Vermelho) e vítima (das perseguições políticas que sofreu por duas décadas) fazem dele um personagem fascinante, que tanto na ficção, quanto na vida real, desperta paixões e ódios. Os tempos de exílio, ao qual foi submetido pelo governo soviético, são contados em detalhes e as consequências que as dificuldades daqueles anos impuseram às condições psicológica e física do revolucionário despertam a empatia do leitor pelo personagem.

A qualificação de pária e traidor do comunismo que carregou pelo interior da União Soviética, Turquia, França, Suíça, Noruega, México, assim como o medo e os diversos atentados sofridos, obrigam o personagem Trotski a revisar sua história de vida reconhecendo suas falhas,
“Embora nunca o tivesse confessado em público, há vários anos que Liev Davidovitch lamentava os momentos em que, no poder, permitira que a posse da força o dominasse, independentemente dos fins perseguidos. (...) Ele, como parte do aparelho de poder, também tinha contribuído para assassinar a democracia que agora, como oposição, reclamava.” p.82
e a viver constantemente a tensão da morte que o espreitava.
“Liev Davidovitch viva rodeado pela sensação de que o cerco se apertava e de que punhais e revólveres estavam cada vez mais perto de sua cabeça grisalha.” p.399
As adversidades, no entanto, não o fizeram desistir, era um homem obstinado.
“Mas o verdadeiro revolucionário começa a sê-lo quando subordina sua ambição pessoal a um ideal. Os revolucionários podem ser cultos ou ignorantes, inteligentes ou limitados, mas não podem existir sem vontade, sem devoção, sem espirito de sacrifício.(...) L.D. Trotsky.” p.81

Ramón Mercader (Jacques Monard, Frank Jacson, Roman Pavlovitch, Soldado 13, Ramón Pavlovitch López, Jaime López), um pequeno burguês espanhol arrastado pela mãe para as fileiras do movimento comunista, para a luta na Guerra Civil Espanhola e, depois, para a clandestinidade, era um inimigo desconhecido para Trotski. Foi, na juventude, atormentado pelo sentido de servir e, na velhice, atormentado pela memória do serviço. Teve uma infância tumultuada pelas adversidades às quais, junto aos irmãos, fora lançado após o fim do casamento dos pais. Doou-se orgulhosamente às trincheiras da guerra espanhola e incondicionalmente aos treinamentos que o fariam cumprir a missão que o inscreveria nas páginas dos livros de História.
“Sim, diga-lhe que sim. (...)
Nos anos de prisão, dúvidas e marginalização a que o conduziriam aquelas cinco palavras, Ramón se dedicaria muitas vezes ao desafio de imaginar o que teria acontecido com sua vida se tivesse dito que não.” p.53
Resistiu silenciosamente às adversidades nas prisões mexicanas para, já na velhice, descobrir que não passou de uma marionete, servindo aos interesses escusos do stalinismo e sendo traído até pela própria mãe. Nos últimos anos de sua vida, é capaz de fazer um balanço consciente de suas desventuras.
“Ramón sentiu o choque da comoção. Ouvir, pela boca do homem que tinha forjado com Stalin aquela operação, a confissão de que não só tinha sido usado para efetuar uma vingança como fora considerado uma peça mais do que prescindível fez afundar a última tábua de salvação que resistira à passagem daqueles anos cheios de desenganos e descobertas dolorosas”. p. 543
Os anos de cadeia, receando diariamente pela própria pele, não tinham sido o pior: as suspeitas, primeiro, e as evidências, depois, de que fora uma marionete de um plano obscuro e mesquinho tinham lhe roubado o sono mais noites do que o receio de receber uma facada de outro preso.” p.544
“(...) o que sei é que, se antes de ir para o México tivesse lido aqueles livros, acho que não o mataria... Mas você tem razão, eu era um cínico no dia em que o matei. Foi nisso que você me converteu. Fui uma marionete, um infeliz que tinha fé e acreditou naquilo que tipos como você e Caridad lhe disseram.” p. 546

Iván Cárdenas Maturell é o personagem que relembra o leitor do caráter ficcional do livro. É um escritor em conflito pela dúvida a respeito do próprio talento e pela repressão em relação ao seu trabalho. Por toda a vida, luta contra a falta de oportunidade e a restrição financeira. Conforma-se com sua condição até o encontro com o homem que amava os cachorros (título de conto de Raymond Chandler, que compunha a obra O assassino na chuva, a qual lia na primeira vez que o viu na praia de Santa María del Mar), fato que mudará a sua vida e que o tornará o narrador-personagem do livro. Um homem do povo que se vê responsável por contar parte da história do século XX e, por isso, sente-se sufocado.  Resiste à ideia desse efêmero protagonismo para depois se lançar à escrita da obra que seria a mais importante de sua vida.
“Como é possível que tenha me deixado convencer por Ana e, sobretudo, por mim mesmo e tentado escrever este livro? (...) Como fora possível que um dia, numa vida remota, pretendesse e julgasse ser escritor? E a única resposta ao meu alcance era que aquela história me perseguira porque ela própria precisava que alguém a escrevesse. E a grande filha da puta escolhera a mim.” p.514
Iván morre sob os escombros da velha casa que desaba, o que poderia ser uma metáfora para os povos que pereceram sob o jugo de estados e governantes totalitários.
“Puxei uma das cadeiras de ferro e deixei-me cair nela. À minha frente estava o fim previsível de um caminho, um desastre de ressonâncias apocalípticas, a ruína de uma casa e de uma cidade inteira, mas, sobretudo, de sonhos e vidas. Aquele monte de escombros assassinos era o mausoléu que coubera na morte ao meu amigo Iván Cárdenas Maturell, um homem bom contra o qual o destino, a vida e a história tinham se unido para destruí-lo. Seu mundo rachado desfizera-se finalmente e o devorara daquela forma absurda e terrível. O pior era saber que, de alguma forma -  de muitas formas -, o desaparecimento de Iván era também o do meu mundo e o do mundo de tanta gente que partilhou nosso espaço e nosso tempo.” p.583

As personagens femininas, embora coadjuvantes, constituem umas das partes mais interessantes do livro. Não são pessoas que entraram para os livros de História, mas que efetuaram, inegavelmente, influência sobre os protagonistas. Por vezes, ofereceram suporte, outras vezes, desestabilizaram os homens com os quais se relacionavam.
Caridad del Río, Natália Sedova, África de las Heras, Frida Kahlo, Sylvia Ageloff, Ana, Raquelita e Roquelia Mendoza são a prova de que mesmo os homens mais decididos, astutos e obstinados não podem prescindir da companhia feminina e, tampouco, prever suas atitudes.
Caridad, mãe de Ramón, personifica o fanatismo político e a frieza emocional, embora inicialmente provoque no leitor o sentimento de piedade em função das dificuldades que enfrentou por causa do marido. Revela-se, ao longo da narrativa, uma mulher cegamente dedica às suas ideologias, e que não mediu esforços para cumprir os seus propósitos. Será capaz das mais altas traições, das quais não se arrependerá.
Natália, por outro lado, é o modelo da boa companheira, aguentou todas as dificuldades do exílio ao lado do marido Trotski, sempre cuidando-o e incentivando-o, por mais que isto lhe custasse momentos de grande dor.
África, a mulher pela qual Ramón passou boa parte de sua vida apaixonado, comprova a influência que a mãe teve sobre ele (complexo de Édipo?), uma vez que a personalidade da amada se assemelhava profundamente à de Caridad.
“Parecia que Ramón estava escutando África. (...) Caridad era África, África era Caridad, e a renúncia a tudo o que tinha sido era-lhe agora como um dever (...).” p.58
“Na prisão, acompanhado pelo grito e pela cicatriz, continuara treinando seu ódio por Caridad ao culpa-la pelo fracasso de seus planos de fuga. Mas lembrou-se de que, durante os infindáveis exames psicológicos a que o tinham submetido no México, os especialistas julgaram entrever, no meio daquele ódio, a presença de uma obsessão pela figura materna que alguns deles qualificaram de complexo de Édipo.” p.568

Um dos pontos que mais chama a atenção do leitor é o desenrolar das relações familiares. É inevitável não se compadecer com os infortúnios vividos por personagens como Lenina, Luis, Pablo, Montse, Jorge, Serioja, Liova, Zina, e Sieva. A luta ideológica dos país fizeram com que os filhos não pudessem escolher seus destinos. Foram, ao que parece, as maiores vítimas da atuação política dos seus genitores. Pereceram em guerras, sofreram atentados, foram privados do convívio familiar sem que, na maioria das vezes, houvesse algum remorso por parte dos que lhes impuseram tal destino. Mesmo que o protagonista Trotski tenha-se admitido culpado pela morte dos filhos e pelas privações sofridas pelos netos, isto não foi suficiente para que escolhesse abdicar de sua luta política em função de preservar-lhes a paz.
“Era o terceiro filho que perdia (...) Liev Davidovitch estava convencido de que os remorsos nunca o deixariam em paz. A morte do rapaz, fosse por que motivo fosse, parecia mais ligada ao destino do pai que ao seu, e era uma consequência direta da vida e das ações do progenitor. (...) Que a dor se transforme em raiva, que me dê forças para continuar! Escreveu e voltou a chorar.” p. 325
No embate entre os sacrifícios pessoais e o senso de dever para com as ideologias políticas, esta última sai vitoriosa,
“Liev Davidovitch sempre pensara que as vidas de um, de dez, de cem, de mil homens podem e até devem ser devoradas se o turbilhão social assim o exigir para atingir seus fins transformadores, pois o sacrifício individual é muitas vezes a lenha que se queima na pira da revolução. (...) No processo sobre-humano da revolução não tinha cabimento pensar em tragédias pessoais”. p.73
mas os personagens não se abstém de questionar as próprias convicções.
“(...) E aquela possibilidade colocava-o perante o cerne terrível da questão; seria o marxismo apenas mais uma “ideologia”, uma espécie de falsa consciência que levava as classes oprimidas e seus partido a acreditar que lutavam pelos seus próprios objetivos quando na realidade estava, apenas beneficiando os interesses de uma nova classe governante? ... O simples fato de pensar nisso provocava-lhe uma dor intensa.” p.407

O medo é outro elemento bastante presente na obra e o pano de fundo sobre o qual se desenrola a vida dos personagens. Este sentimento desempenha o papel de combustível para as ações e reações. Aparece em várias matizes, sob as cores do medo da morte, da opressão, da fome, do fracasso, da insegurança, da crítica, da verdade ... o medo de si próprio e o medo do outro. Um medo tão grande que leva às mais radicais atitudes, mas que também pode paralisar o mais destemido dos homens. Trotski teme ser vencido por Stalin; Ramón teme falhar em sua missão; Sylvia teme perder o amor de Jacques; Natália teme a morte de seus filhos; Liova teme não corresponder às expectativas do pai; Iván teme escrever; os ex-revolucionários soviéticos temem por suas famílias; as massas temem os regimes de exceção.
“(...) o que mais o incomodava era não conseguir discernir com clareza os sentimentos, porque estava convencido de que não seria um medo comum e banal aquele que poderia paralisá-lo ou lança-lo numa corrida delatora. Tratava-se de um receio novo e mais agudo que não deixava de crescer em seu íntimo: o pavor resultante da certeza de ter perdido tudo, não só o próprio nome e o poder sobre suas decisões, mas a solidez de sua fé, a única coisa a que se agarrar.” p.493

Não está completa a análise sem mencionar a relação dos personagens com seus animais de estimação. Todos eram amantes dos cachorros, que lhes traziam momentos de descontração. Talvez por isso, o plural caísse melhor ao título da obra: Os Homens que Amavam os Cachorros. Maya, Azteca, Truco, Churro, Ix, Dax e Tato despertavam o melhor que aqueles homens podiam sentir nas difíceis situações em que se encontravam, davam-lhes um senso de normalidade dos quais eram privados. A morte do cão Churro proporciona um dos momentos mais comoventes da narrativa:
“(...) enquanto Caridad, de arma em punho mirava Churro e, sem dar tempo para o filho reagir, acertava-o na testa. O animal rodopiou, empurrado pela força do chumbo, e seu cadáver começou a congelar na alvorada fria da serra de Guadarrama.”  p.59

É repisada a discussão historiográfica sobre o alcance da influência que os indivíduos têm sobre a História Mundial. Para muitos, a responsabilidade pelos grandes eventos que marcaram a história da humanidade somente poderia ser atribuída à evolução dos acontecimentos históricos e às forças profundas da sociedade. A leitura de O Homem que Amava os Cachorros, no entanto, nos faz repensar o tema, pois afigura-se provável que as características individuais de certos homens são capazes de mudar o rumo dos acontecimentos. Pode-se argumentar que se Ramón Mercader não tivesse assassinado Trotski, outro enviado stalinista o teria feito, mas a hipótese de que poderia haver outro homem para se opor à Stalin, tão obstinado em suas convicções e carismático quanto Trotski, é improvável.

Este livro nos dá a certeza do quanto a História é fascinante e de como a sua transposição para a ficção cria o melhor dos cenários. Afinal, o que poderia ser mais interessante do que a vida real?

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segunda-feira, 10 de novembro de 2014

O Homem que Amava os Cachorros

de Leonardo Padura

comentários por Carlos Guido Azevedo

Seguramente o romance o Homem que amava os cachorros não é uma obra de ficção da literatura cubana é antes de tudo uma análise profunda sobre a evolução das principais utopias que marcaram o século XX.
A tessitura de trançar as três vidas dos principais personagens para construir o romance não é original, mas a forma como o fez Padura é absolutamente ímpar.
É que os personagens e seus destinos são conhecidos desde sempre enquanto os ambientes que a eles envolvem e que são descritos em suas realidades subterrâneas é que ganham corpo com o desenvolvimento do romance.
Neles o leito se banha ao acompanhar a lavagem desses espaços de construções míticas que enlevaram uma geração inteira e que transformou o mundo na realidade em que vivemos.
A água dessa lavagem vai escorrendo com a sujeira de cada sistema de cada luta de grupo, por hegemonia de ideias, de controle do poder, de disputas reais e imaginárias que se formam no contexto da sociedade, de grupos, de famílias e de cada indivíduo em particular.
São realidades que obrigavam as pessoas a tomarem partidos, sem lhes deixar chance de escapar, ou adiar a opção, sendo que cada um dos SIM exigidos representava compromissos para a vida toda, com o certo e com o errado, em nome de um futuro idealizado ou de utopia dominada por poucos, mas que prometia o paraíso e um futuro melhor para muitos.
Assim, cada um dos personagens vai se enredando na trilha das suas opções, o próprio Leon Trotski cujo assassinato serve de fundo para o romance, não se sustenta como o centro para o qual esperei que convergissem todas as atenções e tensões do livro.
O Ramon Mercader sob o qual se desenvolve toda a formação de um assassino, sucumbe em configurar a figura do mal e do erro, para assumir o papel de mais uma vítima da cruel realidade retratada e lavada em seus porões pelo brilhantismo do autor.
A figura que disse o SIM errado, numa circunstância de guerra, onde a vida ou a morte era questão de ocasião, mas que lhe obrigou a renunciar à própria vida, seus valores, sua família, sua vida enfim, para viver diferentes personagens em busca de atingir um alvo, com a justificativa que estaria defendendo objetivos de aparente valor universal, mas que de fato, como descobriu depois, não passava de estratégia de Stalin para reduzir as possiblidades de concorrentes ao poder supremo que sempre aspirou e que deteve pelo tempo de sua vida.
O terceiro personagem, o narrador, é mais interessante do ponto de vista da construção da narrativa, e é construída pela relação de dois jovens escritores cubanos alter ego do  Daniel e David com suas dificuldades para escrever, que vivem em crise de identidade a sofrem as agruras e decepções típicas da juventude cubana e seu atávico sonho insular de escapar da ilha.
O Ivan é quem inicia a história descrevendo o encontro com um home estranho na praia que brincava com dois galgos, ao temo em que descreve o furacão David que assola a ilha.
Ao final, sua morte por soterramento sobre os escombros de sua casa se confunde com a decadência do regime cubano. é descrita pelo seu amigo David, e se confunde como a decadência do regime cubano que complementa a elaboração do livro e faz um Réquiem, outra solução genial do Padura.
Mas, também estes personagens falam mais das polêmicas do dilema da sociedade cubana isolada, não industrializada, boicotada por seus vizinhos do que de si mesmos.
Mais uma vez a maestria do autor revela as dificuldades dos processos de transformação social, valendo-se das vidas dos seus personagens como atalhos inteligentes para mostrar os dilemas sociais do presente e suas formações no passado, demonstrando com clareza quão diferentes são os pontos de chegadas dos caminhos percorridos.
A água suja com que Padura lava a história mostra em sua suspensão como os defeitos humanos corrompem os sonhos e os ideais das utopias perseguidas por qualquer grupamento humano e como esses limitantes levam a produzir resultados inesperados e muito aquém do discurso dos seus idealizadores como atestaram as realidades em que passam a viver cada um dos seus personagens.
Por fim, nada mais certo o título escolhido para o livro, porque eles de fato amavam os cachorros de diferentes maneiras. Difícil seria garantir que estes personagens, fizeram tudo o que o romance descreve e história registra, por puro amor à humanidade, como eles em vida afirmavam, porque cada um à sua maneira acreditava que a vida humana era irrelevante seja a sua própria ou dezenas, centenas e milhares, em razão da sua causa política.