Autor: Ricardo Piglia
Editora: Companhia das Letras, 2014
Editora: Companhia das Letras, 2014
Resenha em 29 de junho de 2014, por Virginia de Vasconcellos
Este romance de Piglia mescla de forma singular elementos
autobiográficos e princípios do gênero policial-detetivesco. O enredo se
desenrola nos Estados Unidos, mais precisamente num campus universitário, na
década de 1990.
Na primeira parte do livro, vemos a partida do Professor Emilio Renzi
de Buenos Aires e a sua despedida de uma vida sem sentido. Em seguida, a sua chegada
numa universidade americana de renome, onde deverá ministrar um Seminário sobre
literatura.
O professor Renzi é considerado um alter ego do autor e protagonista
habitual de outras suas novelas.
Aqui estão os elementos biográficos: Renzi é nascido em Adrogué, como
Piglia. É especialista em literatura, como Piglia. E Piglia, é profundo conhecedor
de universidades americanas, pois lá residiu durante quinze anos.
Na novela, tudo começa quando Renzi é convidado pela Ida Brown, uma
estrela do mundo acadêmico, “sedutora e polêmica” Diretora do departamento. Com
ela inicia um affaire, um caso, uma
relação clandestina que o enleva.
Entretanto, a esperança de uma aventura renovadora para Renzi é
cortada quando incidentes aparentemente inexplicáveis culminam na trágica morte
da professora Ida em um acidente. O corpo é encontrado num carro, com a mão
queimada.
Este acontecimento marca o início da segunda parte da história, quando
então se inicia a trama detetivesca. A
endogâmica vida do campus é alterada. Suspeita-se que a morte de Ida esteja
conectada com uma série de atentados contra eminências do mundo acadêmico,
ligadas a tecnologias e pesquisas científicas.
Na medida em que a narrativa avança, surge a figura do autor dos
atentados -Thomas Munk – um brilhante matemático que se afastou da carreira e
do mundo contemporâneo.
Este complexo e interessante personagem é amplamente inspirado no UNABOMBER
- lendário terrorista americano que, de fato, cometeu dezesseis
atentados a bomba desde 1978, conseguindo matar três pessoas e ferir ou mutilar
outras vinte e três, numa guerrilha individual contra o “estado corporativo”.
Em 21 de abril de 1995, Unabomber fez acompanhar um dos ataques de um manifesto
de 62 páginas, intitulado “A sociedade
Industrial e seu futuro”. Por recomendação do FBI, The Washington Post publicou este manifesto em 19 de setembro de
1995.[i]
Esta é a realidade inspiradora da trama desenvolvida por Piglia. É uma
representação ficcional da vida de Theodore John "Ted" Kaczynski, o verdadeiro nome do Recycler, um matemático excepcional de Berkeley.
Na realidade, o matemático "Ted" Kaczynski, no seu
Manifesto, “exigia nada menos que uma revolução global: destruir não os
governos, mas as bases econômica e tecnológica da sociedade atual”. Foi preso
em abril de 1996, reconhecido e denunciado pelo irmão, conforme descrito por
Piglia.[ii]
Na ficção, Renzi não suporta a dúvida se Ida Brown foi colaboradora ou
vítima - e contrata um detetive de Nova York para elucidar a questão; e,
finalmente, acaba por empreender uma viagem para visitar o Thomas Munk na
prisão.
A meu ver, o autor não desvenda o mistério de Ida, e nem parece ser
este o ponto central do livro.
Antes de tudo, coloca em exame a violência. Apresenta uma história de terror
contra a tecnociência, contra a sociedade industrial, se alimentando dos fatos
vividos pelo UNABOMBER.
Embora considerando que tudo neste romance se correlaciona e se
constrói desde a literatura, a exposição da violência e o questionamento da
sociedade industrial são os temas explosivos e centrais.
O narrador é o personagem Emilio Renzi que conta a história na 1ª.
pessoa. A estrutura da narrativa é lógica e fascinante e tem um ritmo envolvente.
Segundo comentarista Andrés Russo, “Renzi vai tecendo a relação entre o
quotidiano, a autobiografia e a crítica literária” [iii]
O personagem de longe mais interessante fica com Thomas Munk que é imaginado
e idealizado com base no retrato do Kaczynski, que, pela Wikipédia, permanece
vivo e preso.
Se há intenção do autor em deixar uma mensagem subjacente, poderia ser
encontrada na citação seguinte:
“Os campus são pacíficos e elegantes, estão pensados para deixar de
fora a experiência e as paixões, mas correm embaixo altas ondas de cólera
subterrânea: a terrível violência dos homens educados”
Em conclusão, recomendo o livro com entusiasmo, ainda que o Thomas
Munk, a meu ver o mais fascinante da novela, demore um pouco a chegar.
Curioso observar que o título do livro, nesta edição em português, é
publicado todo em letras maiúsculas, não deixando que o leitor perceba que Ida é um nome próprio. Esse artifício levar
a pensar que existe um Caminho de ida assim como um Caminho de volta. Neste
sentido, é bom lembrar que este livro marcou o regresso definitivo do autor ao
seu país. Foi o caminho de volta do Piglia à Argentina.