O meu resumo será simples porque
penso que há resumos muito bem escritos à disposição dos futuros leitores, na
capa do livro. Entretanto para os amigos (as) do nosso grupo que hoje ainda não
os teriam lidos, a história é construída a partir de uma narradora que conta momentos
de vida que pode se passar no presente, mas que a remete a lembranças recalcadas,
conflituais e dolorosas. Leda, a narradora é o personagem central. Ela é mãe de
duas filhas, jovens adultas que moram no Canada, país onde vive o pai delas.
Leda é professora universitária,
passa as férias num balneário no sul da Itália onde está relendo um trabalho
para publicação. Quando chegou foi recebida por um empregado afável, do tipo
que se coloca à disposição por mais que seu trabalho o obrigue. É alguém que se
torna protagonista na história. Alguns dias depois de sua instalação no hotel chega
uma família napolitana (segundo o resumo da capa do livro, barulhenta,
grosseira no estilo da família de origem da Leda e da qual ela fugiu).
Leda rapidamente adota costumes
de turistas, rituais de ocupar tal lugar na praia e, também, percebe que tem afinidades
com uns Clientes ou empregados e não com outros. O jovem que cuida das cadeiras
de praia, por exemplo, passa a ser um companheiro das férias. Essas pequenas práticas
não são verbalizadas, mas os olhares de aprovações ou desaprovações constituem
a melodia silenciosa das práticas de férias.
O olhar de Leda sobre a família napolitana
mostra um olhar de discriminação, ela condena o sul barulhento, mas rapidamente
percebemos que ela rejeita uma classe social e seus valores culturais que eram
também de sua própria família.
A família napolitana passa a
ocupar o palco no hotel. Os homens trabalham numa outra cidade e voltam passar
os fins de semana com a família. Eles são machistas e as mulheres pouco
solidárias entre elas. A regra parece mais de defender quem é do clã. Mas na
família, Nina, uma moça muito jovem mãe de Helena, pequena criancinha, chama
muito a atenção de Leda. Há uma identificação entre elas. Nina parece presente
e ausente ao mesmo tempo. Ela é casada com um dos irmãos poderosos. Saberemos
que a bela e jovem moça tem um affaire com o jovem empregado do hotel que cuida
das cadeiras na praia e é simpático aos olhos de Leda. A família observa Leda
com certa suspeição, uma mulher sozinha que não aceitou mudar de lugar na praia
quando solicitada para permitir que a família seja instalada junta. Eles a
olham como estranha, fora dos valores deles.
Acontece que uns instantes de
distração ou de desatenção da família fazem com que a pequena Nina suma da
vista dos adultos na praia. Houve Instantes de pânico, depois de muito a
procurar quem a encontra é Leda. A pequena tinha se perdido e perdeu sua
boneca. O evento se torna central nessas férias, talvez por cada um e por
razões diferentes. Por exemplo, eles vão confirmar o esquisitíssimo de Leda,
sentindo pelo grupo da família sentimento negativo que vai explodir quando eles
vão perceber que ela guardou a boneca da menina com ela, apesar do choro
desesperado da Helena.
Parece que há um mistério latente,
uma suspeição, sobre a moral de Leda, que se tornará mais forte quando
descobrirão que Leda devolveu Helena à mãe, mas ficou com a boneca. E não a
devolveu apesar do desespero da menina. Até Nina que pareceu se identificar com
Leda não pode mais se reconhecer nela. O que pareceu mais impactante foi a
revelação de Leda para Nina e a cunhada dela: em certo momento da pequena infância de suas
filhas ela se escolheu e deixou as filhas com o pai.
Quais são as lembranças que Leda
tem que acabam a mobilizando sem permitir um distanciamento? Leda depois de ter
deixado a família de origem para trás e fugir para FIRENSE para estudar,
casa-se, tem duas filhas um marido diríamos padrão estudante classe média dos
anos 60/70, da Itália do norte, mas sobretudo ela conta para elas do frio na
alma percebendo que não dá conta do que é esperado dela. Ser mãe, esposa
profissional. Ela, espera dela, se jogar na criação, publicar sobretudo depois
do reconhecimento de um de seu artigo por um professor valorizado na área dela.
(Ele se tornará seu companheiro por três anos)
Ela então se separa da sua
família para viver o que lhe pareceu possível. Realizar o que ela acha que é.
Só que o que ela é contém muito mais configurações, contradições, conciliações,
interdições. E é a meu ver o essencial da história. Há diferentes personagens
secundários que dão mais densidade à história, mas há uma questão central, ter
filhos nos tornam mãe?
Ë possível escapar de sua cultura
sem pagar um preço elevado demais? A separação das filhas é particularmente
sofrida. Ela não vai aguentar mais de três anos. Voltará a viver com as filhas
numa preciosa dedicação. Sentimos que é uma dedicação para ninguém colocar
defeito, uma dedicação que se quer reparadora. A equação me parece ser: ela não
mudou de ideias, nem de concepção de mundo, mas é quase impossível viver sem os
filhos por decisão própria. Culpabilidade, amor, os dois sentimentos e muitos
outros existem, para tornar essa escolha impossível. Clara que aos olhos da
família napolitana ela parece uma bruxa, uma mãe desnaturada, mas mesmo na
família há Ninas que parecem Ledas!
Eu não li nada dessa autora além
desse livro, apenas tinha visto o filme financiado pela Netflix a partir do
livro. O filme me deixou uma impressão muito envolvente. As coisas acontecem
num universo esfumaçado, são impressões, sensações mais que conversas claras.
Lembrei das imagens de Goddard, onde o personagem está num barco, em Veneza na
aurora. A luz é cinza e azul, parece haver um véu delicado que toca o
personagem e o torna menos visível, possibilitando projetar nos pensamentos,
sem dúvida.
Escondemos nossos motivos nas
diferentes luzes. No filme algo havia me fisgado. Algo às vezes bem desconfortável, ao redor do
qual pensamentos rondam. Algo de eterno:
sobre a filha que fomos, a mãe que fomos e as filhas que temos. E assim
com essas cores e uma frase consigo a desenhar um vago esboço dessa emoção.
O que me fisgou é que é pouco
dito na vida (na arte um pouco mais) sobre as diferentes construções possíveis
de figura de mãe. (Santa ou P...) Há um monte de frases “mães só mudam de
endereços”. A Leda deixa os filhos com o marido para viver, realizar o que a
mobiliza intelectualmente, ter reconhecimento na área dela...As filhas não são
razões para diferir ou renunciar às suas necessidades. Quando ela descreve o
toque corporal parece que ela se sente devorada, ignorada no que ela é além de
mãe.
Uma hipótese que faria sem
pretensão de verdade é que há uma angústia muito grande de não corresponder ao
que é enaltecido na função de mãe. Parece que somos mãe não estamos sendo. Quem
precisa dessas representações o filho ou a filha em nós que sonha ser amada
pela mãe e com a qual compete pelo amor do pai. Ou a eterna rivalidade entre os
irmãos. Somos nós essa filha que quer uma mãe para amar e devorar? Será que é o
pai que precisa dessa mãe porque o filho que foi não deixa de sonhar com essa
mulher para quem é um rei?
Colocar em dúvida a concepção que
haveria uma “natureza” do amor de mãe (diferença entre natura e cultura) ameaça
as comunidades e quem tem dúvida cala-se..
Não posso dizer que o livro me
fascinou, mas pensei nas jovens mães atualmente que sofrem de depressões pós-parto
e me perguntei sobre essa geração que teme não estar a altura do cargo. Por
isso achei o livro bem conduzido. Entretanto, e é muito raro achei que o filme
é melhor que o texto. Uma arte pode ser reinterpretada, pela luz, pelos gestos
dados nos relacionamentos. E por mais que seja um tema sempre difícil o fato de
poder vir à tona é muito importante. Porque não se trata de mães vistas como
problemáticas (Bergman...).
O desaparecimento da boneca e sua
apropriação por Leda me parece ser uma menção à filha que Leda foi e a maneira
como a filha dela tratou da boneca que Leda deu a ela. Simbolicamente a filha
não pode conhecer a sua mãe como filha. É a solidão que cada uma carrega. Pudicamente falamos em depressão pós-parto sem
saber muito dos tormentos da mãe, fiquei pensando sobre o sistema paradoxal ser
mãe é se confrontar com um paradoxo: é impossível a conciliar. Esses desejos e
necessidades migram no inconsciente e às vezes reaparecem....criando desejos
que às vezes reaparecem.