por Ana Studart
A frase de Auden W.H Auden, que Ian McEwan coloca na abertura do livro, já é um prenúncio ao leitor do que estará por vir: “Os amigos que aqui se encontraram e se abraçaram já partiram, cada qual rumo ao seu próprio erro”.
O
romance Amsterdan, que se passa no tempo atual, tem como personagens principais
quatro homens vivos e uma mulher morta- um jornalista, um compositor de música
erudita, um político influente e o viúvo da única mulher do livro, que já aparece
sendo cremada no primeiro capítulo, e em torno da qual giram esses quatro
homens. Lembranças de Molly, inspiradora de grandes paixões, permeiam o romance
inteiro, sendo citada, inclusive, no último parágrafo da obra.
O Título:
Como o romance se passa na Inglaterra, a pergunta que o leitor se faz desde o
início é: por que Amsterdan? A explicação começa a ser evidenciada a partir da
metade do livro, e só se revela inteira nos últimos capítulos. Esse artificio
mantem o tempo todo a curiosidade no leitor.
PDV: O
Ponto de Vista do romance é o narrador omnisciente..
A
Estrutura
Tomo
I- Dividido em dois capítulos que tratam do encontro social de pessoas em torno
da cremação da prestigiada jornalista Molly e onde o autor apresenta os
personagens principais. Especialmente o músico Clive Linley, dono de ouvido
absoluto, que sofre de um bloqueio criativo e tem por compromisso compor a
Sinfonia do Milênio.
Tomo
II- Dividido em cinco capítulos. Neles McEwan apresenta com mais detalhes o
abastado e ambicioso Julian Garmony, Ministro das Relações Internacionais do
governo, uma caricatura do que há de pior nos políticos; descreve o jornalista
Vernon Hallyday, editor do decadente jornal Judge que cai vertiginosamente em
sua circulação. Vernon recebe do viúvo George fotos feitas por Molly que, se
expostas, desmoralizariam a imagem do Ministro Garmony. Nesse capítulo, Clive,
impressionado com algumas dormências no corpo, pede ao amigo Vernon que o ajude
numa eutanásia caso sua saúde mental e física se degrade, como aconteceu com
Molly. Ele concorda com esse pacto sinistro, desde que haja reciprocidade.
Tomo
III- Tem três capítulos, onde nos aprofundamos nas dificuldades de Clive para
concluir a Sinfonia do Milênio e sua rápida viagem a Lake District, local onde
imaginava acabar com o seu bloqueio para criar o grand finale da sua música.
Nesse passeio, Clive presencia ao longe uma mulher sendo agredida por um homem,
mas não intervém, receoso de perder a sequência de notas musicais que o caminho
lhe inspirara. McEwan apresenta também uma acalorada discussão sobre ética
entre Clive e Vernon sobre a publicação das fotos do Ministro Garmony.
Tomo
IV- Dividido em seis capítulos. Nele, Vernon, que já estava conseguindo elevar
a circulação do Judge, convence o jornal a publicar as fotos de Garmony e,
envaidecido, se prepara para iniciar a publicação no dia seguinte, ao passo que
Rose Garmony, a esposa do Ministro, médica conceituada, se antecipa e defende,
numa coletiva de imprensa o marido. A partir daqui se inicia o grand finale do
romance, onde as expectativas de Vernon e Clide se frustram (sinfonia fracassa
e Vernon é levado a pedir demissão). Me abstenho de dar maiores detalhes sobre
o final surpreendente, para não dar spoiler àqueles que ainda não leram
Amsterdan,
O Texto: O texto de Ian McEwan flui com facilidade durante toda a leitura, sendo as descrições, tanto dos personagens como dos ambientes, bastante detalhada, dando ao leitor a possibilidade de quase visualizar momentos do romance. É preciso destacar a primorosa tradução do Embaixador Jorio Dauster, que, inclusive, foi secretário na Embaixada Brasileira Londres. (Ele se especializou em traduzir obras da literatura inglesa - inclusive outras de McEwan- e conta com mais de 40 obras em seu currículo, incluindo o livro O Apanhador no Campo de Centeio).
Personagens-
Em Amsterdan,, os quatro personagens masculinos -o convencido músico Clive
Linley; o oportunista editor do Judge, Vernon Halliday; a raposa política do ministro Julian Garmony;
e o poderoso e obeso dono de editora e um dos sócios do jornal Judge, George
Lane, com quem Molly se casou perto do fim da vida, mostram
o pior de si. O narrador onisciente descortina um vaivém de ambições,
mágoas, competições, invejas, narcisismo, mesquinhez, vaidades, ciúmes,
traições, queixas, desprezo e contradições entre os quatro personagens de
maneira impiedosa (como a de Vernon na juventude defender a revolução sexual e
o homossexualismo e no jornal condenar um transformer(?). McEwan narra essas
fraquezas masculinas usando de um sarcasmo velado e algum humor negro. Afinal,
não é à toa que ele foi apelidado pela imprensa de Ian McAbro.
Apesar
dessas faces negativas dos personagens, o romance é de leitura agradável.
Contam para a leveza da leitura, as várias páginas em que o autor trata da
música erudita e do processo de criação musical,( McEwan é conhecidamente um
apaixonado por música clássica) e outras tantas páginas sobre o funcionamento
do jornal sensacionalista Judge, onde
descreve, com uma mordacidade que chega a ser engraçada, seus jornalistas, suas
reuniões de pauta, as discussões sobre
uso da linguagem, e propostas de
reportagens assustadoras, como a briga entre irmãos siameses, de preferência
com fotos dando dentadas um no outro…. Segue-se a pergunta de um dos jornalistas
presentes: será que “não correríamos o risco de parecermos
sensacionalistas?" Pode haver ironia maior?
A
falecida jornalista Molly Lane, por sua vez, é apresentada como uma mulher
generosa, livre, de vanguarda para seu tempo, disponível para os amigos, alguém
que "nunca lavou um prato na vida", e é profundamente admirada pelos
quatro homens que com ela viveram em alguma fase das suas vidas.
O
Objetivo: alguns críticos da obra de McEwan comentam que o romance seria um
"estudo impiedoso dos aspectos mais sombrios da psicologia masculina.”.
Mas McEwan também trata de temas atuais, como a igualdade de gênero, a
liberdade para se escolher a morte, a ética jornalística, a ambição pelo poder.
Um
dos momentos mais interessantes do livro é quando Clive critica a decisão de
Vernon de publicar as fotos comprometedoras do Ministro falando em princípios
morais e éticos, quando ele mesmo se recusou a socorrer uma mulher em perigo
para não esquecer as preciosas notas do final do que seria sua majestosa
Sinfonia do Milênio.
Em
outro momento, Vernon e Clive, impressionados com a morte de Molly, começaram a
sentir sintomas de doenças. Clive com uma dormência na mão esquerda, Vernon
achando que o hemisfério direito do seu cérebro tinha morrido. Foram esses
sintomas que os levaram a fazer um sinistro pacto de cavalheiros, que suscitou
a questão sobre a eutanásia, outro tema controverso.
Outras
questões que McEwan levanta: Até onde
deve ser respeitada pela imprensa a privacidade das pessoas? Será que o fim justifica os meios?A sintaxe
de uma matéria jornalística é mais relevante do que a notícia?Até que ponto é
legítimo um jornalista perseguir seu
sucesso profissional? Evitar um crime é menos importante do que a inspiração
musical de um artista? McEwan coloca
essas questões com clareza em Amsterdan, levando o leitor a avaliar cada uma
dessas situações. Por isso tudo recomendo o livro, uma leitura agradável, que
também contém uma boa dose de suspense e surpresa em seu final.
SOBRE
O AUTOR:
Ian
McEwan , nascido em junho de 1948, é
um escritor britânico, sendo atualmente um dos mais conhecidos da sua
geração. Ele se diz um ateu ativo.
Passou
parte da sua infância no Extremo Oriente, na Alemanha e
no Norte de África, acompanhando o pai, um oficial do Exército Britânico.
Estudou na Universidade de Sussex e na Universidade de East
Anglia. Seus livros foram traduzidos para cerca de 30 idiomas
No
mês em que completa 70 anos, o escritor decidiu lançar dois contos inéditos
reunidos no Meu Livro Violeta onde conta sobre um crime perfeito traçado
meticulosamente por um escritor, tema da primeira história. O conto foi
publicado em janeiro na revista New Yorker. Já a segunda história, “Por Você”,
foi escrita para a ópera de Michael Berkeley. Nela, McEwan (ele é. um
apaixonado por música clássica, lembram?) apresenta uma cativante história de
amor e traição envolvendo quatro personagens, o compositor, sua mulher, uma
admiradora e o médico da família.
Prémio
Somerset Maugham (1976) pelo livro First Love, Last Rites, sua primeira
coleção de histórias curtas
Prémio
Femina estrangeiro (1993)
Prémio Man Booker (1998) pelo livro
Amsterdan, causando grande controvérsia
National
Book Critics Circle Award (2002)
James Tait Black Memorial
Prize (2005)
Prémio Jerusalém (2011)