AUTORA
Vanessa Barbara nasceu em São Paulo, em 1982. É jornalista, tradutora e escritora, colunista do time internacional do New York Times desde 2013, tendo publicado mais de sessenta artigos no jornal. Foi escolhida em 2012 pela revista Granta na edição 20 Melhores Jovens Escritores Brasileiros. Já colaborou para publicações internacionais tais como The New York Review of Books, Granta, Monocle, Vogue e VICE.
Em 2015 recebeu o Prix du Premier Roman Étranger, na França, por Noites de Alface, que foi publicado em 2013 e traduzido para seis idiomas. Em 2014 foi vencedora do Prêmio Paraná de Literatura, na categoria romance, com Operação Impensável. É também vencedora do prêmio Jabuti de reportagem por O Livro Amarelo do Terminal (CosacNaify, 2008).
Outras obras: o livro de crônicas O Louco de Palestra (Companhia das Letras, 2014, semifinalista do prêmio Oceanos), o romance O Verão do Chibo (Alfaguara, 2008, em parceria com Emilio Fraia, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura), o infantil Endrigo, o Escavador de Umbigo (Ed. 34, 2011), ilustrado por Andrés Sandoval, e a graphic novel A Máquina de Goldberg (Quadrinhos na Cia., 2012), em parceria com Fido Nesti.
Foi editora do periódico A Hortaliça e colaboradora da revista piauí, onde publicou reportagens sobre hipnose, telemarketing, astrologia, ioiô, parto e escultura em melancias. Foi tradutora e preparadora da editora Companhia das Letras e colunista do Blog da Companhia. Foi cronista do caderno Metrópole do jornal O Estado de S. Paulo em 2008-2009 e da Folha de S.Paulo em 2010-2014, além do Caderno 2 do jornal O Estado de São Paulo em 2014-2017. Como cronista, participou da cobertura dos Jogos Olímpicos de Londres-2012 para a Folha de S.Paulo.
“Um excelente exemplo da nova crônica brasileira” (Luis Fernando Verissimo, jornal O Extra) (Fonte, blog da Autora: http://www.hortifruti.org )
A OBRA
O livro segue uma estrutura de um capitulo inicial sem nome no qual a personagem Ada, esposa do protagonista nos é apresentada, bem como um contexto da casa e vida do casal na comunidade. Depois dessa abertura, o livro passa a numerar seus capítulos do 02 ao 08, cada um deles traçando um perfil, cheio de excentricidades, dos moradores da comunidade e de um outro personagem de fora dessa circulo.
A partir desses capítulos somos apresentados à Nico, técnico em farmácia que possui interesse literário por bulas e medicamentos, além de sonhos desmensurados em relação a um esporte do qual tem conhecimento incipiente: a natação. Ao carteiro, Aníbal, que a despeito da profissão é confuso não apenas nas caixas postais, mas também nas canções que esbanja com letras desconexas e que quase sempre finalizam num labirinto musical de pouco sentido. Iolanda a vizinha estridente que poderia ser um grande desafeto, no entanto, graças aos contornos diplomáticos de Ada, se limita a ser um incomodo. O Sr Taniguishi, figura inspirada em um personagem real da história contemporânea, chamado Hiroo Onoda, um militar continuou emboscado em uma ilha filipina 30 anos depois de a guerra acabar e que embora tenham ocorrido várias expedições japonesas para buscá-lo, somente um antigo superior conseguiu convencê-lo a se render, tal qual apresentado no livro.
Também há um nome de um capitulo exclusivo aos cães, no entanto, esse recurso é utilizado exclusivamente para se falar da dona dos cachorros, Teresa, eximia datilografa em um escritório de advocacia, que embora não domine as línguas estrangeirais que digita, as reconhece como signos.
Temos ainda os recém casados, no qual a moça é uma antropóloga dona de casa que ainda preserva lampejos de intelectualidade de seus tempos acadêmicos, tem um marido ausente em virtude do trabalho e uma paixão muito presente por histórias de esquimós, especificamente um documentário que a toca e sobre o qual ela não consegue estabelecer trocas intelectuais seja com o marido, seja com a amiga. Muito embora a moça apresente características econômicas e sociais que a distanciariam daquela comunidade, o processo de fuga que a conduziu aquele meio é um mecanismo muito eficaz em sua aclimatação ao contexto provinciano do bairro.
Em conexão ao personagem técnico em farmácia, temos um capitulo dedicado a Andrew Boring, uma espécie de inspiração e modelo para Nico, uma vez que se trata de um químico renomado e também exímio nadador em águas abertas.
Ademais temos a introdução de um outsider. O carteiro eficiente e correto, que ao contrario dos demais personagens é plano e não possui idiossincrasias dignas de nota: trabalha, cuida da família, é diligente. No outro ponto, personagem enigma dos desvios policialescos de Otto, temos a passadeira que não sabe passar roupas, personagem desbotada na trama, mas que se amarra depois de finalizado o mistério.
O derradeiro capitulo nos traz Otto, que durante o livro passou a maior parte do tempo resignadamente sentado no sofá de sua solidão, e aqui por fim, revela, o cenário da perda de sua esposa, amiga e conexão com o mundo.
Análise Crítica
O romance noites de alface aborda o tema da velhice e da solidão de forma leve e, por vezes, bem humorada. Os matizes que cada um dos excêntricos personagens conferem a história, atenua a rabugice e o luto de Otto e reforça a ideia da comunidade fechada que se protege e se guarda das experiências externas. Mecanismo esse muito similar ao utilizado por Otto para se defender da vida, do novo, do diferente e do luto.
Por vezes a rotina descrita é tediosa, porem esse traço de previsibilidade e tédio pode ser também compreendido como uma acepção do amor. O amor da vida comum compartilhada e sem grandes rompantes, cheia de segurança e previsibilidade é o exato oposto das paixões. Aqui não se está a narrar a paixão de altos e baixos, mas o cotidiano em suas miudezas. A suficiência do casal que opta por não ter filhos, só não é mais ensimesmado em razão da tenacidade de Ada em manter uma conexão com o externo. Simpática e afável Ada trafega pela comunidade criando pontes de convivência para Otto.
A perda de Ada, portanto, representa a ruptura dessas pontes e impele Otto a uma revisão sobre a vida. Otto se recorda de quando conheceu Ada, quando desejou outra mulher e se confessou a esposa, entre outra memorias da vida compartilhada.
O sofrimento também o impele a olhar para fora e conduzir o leitor a outra trama dentro da trama: um assassinato. A morte de um carteiro temporário, aqui temporário não é gratuito, pois acentua ainda mais o seu não pertencimento à comunidade, o livro ensaia um suspense que, embora seja interessante para reforçar a coesão daquele grupo de pessoas tão diferentes, não produz uma virada narrativa digna de grandes emoções.
Mais contundente do que o corpo do forasteiro no jardim de Otto e Ada e da revelação de que aquela comunidade acoberta um crime em seu seio, é sentir a melancolia pungente da efemeridade da vida, a solidão da velhice, a materialidade das perdas daqueles que nos são caros, e o vazio existencial, as tais “gavetas vazias”.
Recomendo o livro. Por se tratar de uma jovem escritora brasileira, por ser um livro de fácil de leitura e por eleger a velhice como palco de seus protagonistas.
“O segredo de uma boa velhice não é outra coisa além de um pacto honrado com a solidão.” Gabriel García Márquez (1927-2014), escritor colombiano, autor de ‘Cem Anos de Solidão’ e ‘O Amor nos Tempos do Cólera’