domingo, 21 de março de 2021

AMORES

                                                        

Leonor de Recondo

Comentários de Christiane Girard

Escrevi brevemente sobre o livro, algo sobre a forma, o conteúdo, e a leitura que me provoca o romance. E acrescentei algumas  poucas palavras do que eu sei sobre a recepção do livro.

O livro tornou possível a Leonor de Recondo ganhar o prêmio das livrarias em 2016. Leonor  é uma jovem escritora mas já escreveu 4 romances. Algo interessante na sua trajetória é que é violonista e até recentemente era principalmente atividade profissional dela. Musicista, ela lidera um grupo de música barroca que é bastante reconhecido.  

Antes de prosseguir há algo que tenho vontade de escrever logo, que me marcou profundamente. É que se algum me dissesse que é um livro do Flaubert, acreditaria pelo estilo da escrita!

A autora escreve como os clássicos do século 19. Domina com maestria o que chamamos de “romance de moeurs (costumes)”. Essa forma de literatura coloca luzes sobre formas de se comportar, valores, etos na época considerada.  É um romance realista, uma ficção mas que conta exatamente o modo de vida, de diferentes grupos sociais, sobre a burguesia de província, e seu  conjunto de valores morais. Bem como sobre o mundo do trabalho. Lembra a literatura do século 19 do Zola (germinal) do Balzac. É um estilo clássico frequentemente com conteúdo critico que se observa na música e pintura da época como podemos o observar na pintura (Courbet) (a origem do mundo) ou Toulouse Lautrec, com as cocotes do French cancan na vida noturna em Paris.

  Quem são os personagens do livro?  Anselme esposo da jovem Vitoria, Huguette e seu marido Pierre, caseiro e doméstica e Celeste domestica mais jovem, filha de família numerosa e pobre. Ainda há o amigo de infância de Anselme, Alfonse casado com uma cocote Odette. São esses, dois personagens secundários, mas que esclarece alguns aspectos do quadro. Entre Anselme e vitória é Casamento de conveniência e. É a mãe da vitória que respondeu a uma anuncia do “cassador francês”para casar a filha.

 Estamos em 1909, sabemos que Anselme nasceu em 1870Na época serviçais não são ainda vistos como trabalhadores,a burguesia da cidade  ou em transição podem ser acompanhadas de mulheres que se recebem em eventos noturno (Alfonse)mas seria inaceitável para uma burguesia de tradição(Anselme). Alfonse o pode porque é sim novo rico.

Anselme o marido de Victoire é o burguês de província, da região de :Loire et Cher. É seu segundo casamento. Era viúvo. e não teve filhos. tem uns 40 anos (nessa época é considerado envelhecido) e ela uma jovem de 20 ou vinte poucos anos.   Casa mento de convenção (interesses) no sentido de sustentar posição social, ele é dono de cartório e ela tem além de ser jovem e graciosa uma família que tem posses. Nada é conversado na socialização das moças sobre os diferentes papeis a cumprir. Fala se baixinho e furtivamente da intimidade as vezes pelas mães das noivas. Victoire rapidamente se esquiva das obrigações conjugais.  Anselme sempre teve alivio de seus desejos e necessidades corporais perdão pela palavra, alivio, abusando das serviçais ( ele teve seus primeiros contatos sexuais com Huguette mais velha do que ele mas incentivado pela  mãe de Anselme que o  sentia mais protegida das doenças sexuais  das mulheres dos cabaré  Não são nem “relações” sexuais e essas práticas lhe permite viver a vida sem que o casamento seja perturbado. Até o dia em que Celeste engravida. Celeste jovem doméstica 17 anos amordaçada nessa situação. Para salvar a honra de todos e evitar comentários Vitoria decide adotar a criança que vai nascer. Podemos pensar:  é porque na aldeia se falaria sobre Anselme, poderia se dizer que ele não é capaz de fazer um filho à esposa, mas sim à empregada, ou poderia se dizer da Victoire, que não consegue a ter filho do marido, da Celeste comentariam que não é uma moça correta, mas pode ser também para querer sentir essa plenitude, tão evocada na cultura da maternidade. Enfim ela pensava que casando ia ter acesso a algo misterioso e belo, só viveu até agora o desgosto da obrigação da intimidade conjugal.  Tudo que é contado às jovens mulheres sobre casar poderia se realizar na maternidade.

Devo dizer, vejo muito o romance como uma peça de música.

Primeira parte 

Nesse momento entramos no corpo do texto, na sua carne, o que começou como o abuso da celeste e que nos remete a impunidade dos patrões tão frequente na época, continua de nos provocar náuseas . Celeste, sofre e acha que faz parte de sua condição ser abusada.   No livro é a partir dessa decisão de adoção que conhecemos cada personagem. Tudo existe no silencio e se torne crime quando alguém descobre.

Anselme está feliz, ele se achava estéril, quando da notícia da gravidez ele não tem nem, um, pensamento por Céleste. Quando ele pensa a sua culpabilidade em relação a esposa, ele pensa mas “nem a trai com uma outra mulher mas com uma serviçal! “. Ele é herdeiro de um nome que lhe dá segurança na vida. Mas lhe faltava socialmente e afetivamente ter acesso à paternidade sobretudo para ele que “perdeu o pai” na guerra quando era recémnascido. (veremos a pluralidade das emoções se reportando à paternidade para Anselme)

Segunda parte musical

Vitoria ao descobrir a gravidez a descobre vendo o corpo nu de Celeste que entrou no quarto da vitória para subtrair um corselete da patroa. Para Vitoria o seu próprio corpo lhe era estranho, criada na injunção de não se olhar. Ela se achava sem graça e num olhar ela vê que o corpo da celeste é forte, belo, comovente. É o início de algo que vá se intensificando, que não pode mais se apagar é o contato com o outro que lhe permite se apropriar de si. O contato com o outro que lhe revela a si própria.

Terceiro momento da peça musical.

Quando Adrien nasce Vitoria percebe que não se sente mãe. Que todos aqueles discursos sobre a plenitude da maternidade e a felicidade do casamento não tem eco para ela. O bebê poderia morrer da ausência de ternura, de calor humano. Celeste percebe a situação e vai pegar silenciosamente Adrien e o aperta a noite inteira colado a seu corpo. Até que esse calor lhe transmita a vida de novo. Numa noite ao pegar o Adrien que dorme no quarto da Vitoire está acordada.

Quarto momento da peça musical.

O que começa com uma infinita delicadeza torna-se um incêndio. Dia após dia no segredo da noite vivem se um amor proibido. É o momento também que elas descobrem, que elas tem um corpo e uma alma que pode em fim vibrar juntas, elas se reconhecem a si própria no amor de cada uma para outra.  O peso da igreja é tão importante quanto uma lei laica. O confessor de Victoire, o padre Gabriel vai ao ser informado da intimidade da duas por Vitoria jogar uma maldição sobre Celeste o dia da preparação do batismo do Adrien. Banida da igreja não há onde sua alma morar. De novo um rompimento entre o corpo e a alma. Celeste vai decidir morrer para não perder o vínculo que a liga a virgem Marie que sempre foi sua única interlocutora.

Ela morre vestindo o vestido onde pela primeira vez, ela se viu como mulher. O vestido que era da Victoire, foi aquele que vesti para ir chez Maxim à Paris, única noitada vivida longe, sozinhas onde beijou longamente a amada na frente de outros clientes que nem prestaram atenção.  

Algo somente que acrescentaria sobre Anselme e sua relação com a paternidade. Descobrimos que Anselme não era filho do pai oficial, mas de seu tio. Dessa forma vemos os arranjos e as repetições. Há segredo pronto para aparecer sempre e que mostram que todos os desejos se expressam de uma forma ou outra, permitidos ou não.

Mas o que aparece como o centro do livro é um momento forte, que não dá para ignorar, é a questão: o que é uma mulher? Quem a define? Há algo de derrubar montanhas internas quando se apodera de si própria. Se tornar sujeito. Deve ser a mesma coisa para os homens alias. Mas o poder sobre as mulheres pesa ainda majoritariamente.

O livro me tocou pela história, (que se passa numa região que é de meu pai). Acho uma problemática até banal, nada de novo. Mas amei sobretudo o estilo. Discreto e incandescente. Quando escrevi que poderia ser do Flaubert é no estilo. Observações que nos conduzem a estar seguindo a história numa presença intensa. Emma Bovary foi mal vista como obra pela sociedade burguês da época. A mãe da Vitória não a deixou ler o livro.

Não é por acaso penso eu que há este lembrete. Leonor não sai à defesa de discriminação, ela não diz o que certo ou errada, ela diz o que é uma versão de mulher sem pedir licença, Celeste e Vitoria representam algo que ainda hoje se reivindique como direito, que ainda não é fácil viver no cotidiano, mesmo  no sec 21. É por isso que acho interessante que o livro dela foi adotado pelas escolas públicas para permitir debates sobre os direitos as escolhas sexuais de cada um e uma. O fato dela não ser uma ativista foi importante. É um livro reconhecido por suas qualidades literárias o que permite dialogar de uma outra forma com sua época. Parece que possibilita melhor o debate. Assim mesmo não dá para esquecer, ainda hoje as Celestes se matam. (suicídio dos jovens, pesquisa).