Leonor de Recondo
Comentários de Christiane
Girard
Escrevi brevemente sobre o
livro, algo sobre a forma, o conteúdo, e a leitura que me provoca o romance. E
acrescentei algumas poucas palavras do
que eu sei sobre a recepção do livro.
O livro tornou possível a Leonor
de Recondo ganhar o prêmio das livrarias em 2016. Leonor é uma jovem escritora mas já escreveu 4 romances. Algo
interessante na sua trajetória é que é violonista e até recentemente era
principalmente atividade profissional dela. Musicista, ela lidera um grupo de música
barroca que é bastante reconhecido.
Antes de prosseguir há algo
que tenho vontade de escrever logo, que me marcou profundamente. É que se algum
me dissesse que é um livro do Flaubert, acreditaria pelo estilo da escrita!
A autora escreve como os
clássicos do século 19. Domina com maestria o que chamamos de “romance de
moeurs (costumes)”. Essa forma de literatura coloca luzes sobre formas de se
comportar, valores, etos na época considerada. É um romance realista, uma ficção mas que
conta exatamente o modo de vida, de diferentes grupos sociais, sobre a burguesia
de província, e seu conjunto de valores
morais. Bem como sobre o mundo do trabalho. Lembra a literatura do século 19 do
Zola (germinal) do Balzac. É um estilo clássico frequentemente com conteúdo
critico que se observa na música e pintura da época como podemos o observar na
pintura (Courbet) (a origem do mundo) ou Toulouse Lautrec, com as cocotes do
French cancan na vida noturna em Paris.
Quem
são os personagens do livro? Anselme
esposo da jovem Vitoria, Huguette e seu marido Pierre, caseiro e doméstica e
Celeste domestica mais jovem, filha de família numerosa e pobre. Ainda há o
amigo de infância de Anselme, Alfonse casado com uma cocote Odette. São esses,
dois personagens secundários, mas que esclarece alguns aspectos do quadro. Entre
Anselme e vitória é Casamento de conveniência e. É a mãe da vitória que
respondeu a uma anuncia do “cassador francês”para casar a filha.
Estamos em 1909, sabemos que Anselme nasceu em
1870Na época serviçais não são ainda vistos como trabalhadores,a burguesia da
cidade ou em transição podem ser acompanhadas
de mulheres que se recebem em eventos noturno (Alfonse)mas seria inaceitável
para uma burguesia de tradição(Anselme). Alfonse o pode porque é sim novo rico.
Anselme o marido de Victoire é
o burguês de província, da região de :Loire et Cher. É seu segundo casamento.
Era viúvo. e não teve filhos. tem uns 40 anos (nessa época é considerado
envelhecido) e ela uma jovem de 20 ou vinte poucos anos. Casa mento de convenção (interesses) no
sentido de sustentar posição social, ele é dono de cartório e ela tem além de
ser jovem e graciosa uma família que tem posses. Nada é conversado na
socialização das moças sobre os diferentes papeis a cumprir. Fala se baixinho e
furtivamente da intimidade as vezes pelas mães das noivas. Victoire rapidamente
se esquiva das obrigações conjugais. Anselme
sempre teve alivio de seus desejos e necessidades corporais perdão pela palavra,
alivio, abusando das serviçais ( ele teve seus primeiros contatos sexuais com
Huguette mais velha do que ele mas incentivado pela mãe de Anselme que o sentia mais protegida das doenças
sexuais das mulheres dos cabaré Não são nem “relações” sexuais e essas práticas
lhe permite viver a vida sem que o casamento seja perturbado. Até o dia em que
Celeste engravida. Celeste jovem doméstica 17 anos amordaçada nessa situação.
Para salvar a honra de todos e evitar comentários Vitoria decide adotar a
criança que vai nascer. Podemos pensar: é porque na aldeia se falaria sobre Anselme, poderia
se dizer que ele não é capaz de fazer um filho à esposa, mas sim à empregada, ou
poderia se dizer da Victoire, que não consegue a ter filho do marido, da Celeste
comentariam que não é uma moça correta, mas pode ser também para querer sentir
essa plenitude, tão evocada na cultura da maternidade. Enfim ela pensava que
casando ia ter acesso a algo misterioso e belo, só viveu até agora o desgosto
da obrigação da intimidade conjugal. Tudo
que é contado às jovens mulheres sobre casar poderia se realizar na maternidade.
Devo dizer, vejo muito o
romance como uma peça de música.
Primeira parte
Nesse momento entramos no
corpo do texto, na sua carne, o que começou como o abuso da celeste e que nos remete
a impunidade dos patrões tão frequente na época, continua de nos provocar náuseas
. Celeste, sofre e acha que faz parte de sua condição ser abusada. No livro é a partir dessa decisão de adoção
que conhecemos cada personagem. Tudo existe no silencio e se torne crime quando
alguém descobre.
Anselme está feliz, ele se
achava estéril, quando da notícia da gravidez ele não tem nem, um, pensamento
por Céleste. Quando ele pensa a sua culpabilidade em relação a esposa, ele
pensa mas “nem a trai com uma outra mulher mas com uma serviçal! “. Ele é
herdeiro de um nome que lhe dá segurança na vida. Mas lhe faltava socialmente e
afetivamente ter acesso à paternidade sobretudo para ele que “perdeu o pai” na
guerra quando era recémnascido. (veremos a pluralidade das emoções se
reportando à paternidade para Anselme)
Segunda parte musical
Vitoria ao descobrir a
gravidez a descobre vendo o corpo nu de Celeste que entrou no quarto da vitória
para subtrair um corselete da patroa. Para Vitoria o seu próprio corpo lhe era
estranho, criada na injunção de não se olhar. Ela se achava sem graça e num
olhar ela vê que o corpo da celeste é forte, belo, comovente. É o início de
algo que vá se intensificando, que não pode mais se apagar é o contato com o
outro que lhe permite se apropriar de si. O contato com o outro que lhe revela
a si própria.
Terceiro momento da peça
musical.
Quando Adrien nasce Vitoria
percebe que não se sente mãe. Que todos aqueles discursos sobre a plenitude da
maternidade e a felicidade do casamento não tem eco para ela. O bebê poderia
morrer da ausência de ternura, de calor humano. Celeste percebe a situação e
vai pegar silenciosamente Adrien e o aperta a noite inteira colado a seu corpo.
Até que esse calor lhe transmita a vida de novo. Numa noite ao pegar o Adrien
que dorme no quarto da Vitoire está acordada.
Quarto momento da peça
musical.
O que começa com uma infinita delicadeza torna-se um incêndio. Dia após dia no segredo da noite vivem se um amor proibido. É o momento também que elas descobrem, que elas tem um corpo e uma alma que pode em fim vibrar juntas, elas se reconhecem a si própria no amor de cada uma para outra. O peso da igreja é tão importante quanto uma lei laica. O confessor de Victoire, o padre Gabriel vai ao ser informado da intimidade da duas por Vitoria jogar uma maldição sobre Celeste o dia da preparação do batismo do Adrien. Banida da igreja não há onde sua alma morar. De novo um rompimento entre o corpo e a alma. Celeste vai decidir morrer para não perder o vínculo que a liga a virgem Marie que sempre foi sua única interlocutora.
Ela morre vestindo o vestido onde
pela primeira vez, ela se viu como mulher. O vestido que era da Victoire, foi
aquele que vesti para ir chez Maxim à Paris, única noitada vivida longe,
sozinhas onde beijou longamente a amada na frente de outros clientes que nem
prestaram atenção.
Algo somente que acrescentaria sobre
Anselme e sua relação com a paternidade. Descobrimos que Anselme não era filho
do pai oficial, mas de seu tio. Dessa forma vemos os arranjos e as repetições.
Há segredo pronto para aparecer sempre e que mostram que todos os desejos se
expressam de uma forma ou outra, permitidos ou não.
Mas o que aparece como o centro
do livro é um momento forte, que não dá para ignorar, é a questão: o que é
uma mulher? Quem a define? Há algo de derrubar montanhas internas quando
se apodera de si própria. Se tornar sujeito. Deve ser a mesma coisa para os
homens alias. Mas o poder sobre as mulheres pesa ainda majoritariamente.
O livro me tocou pela história,
(que se passa numa região que é de meu pai). Acho uma problemática até banal,
nada de novo. Mas amei sobretudo o estilo. Discreto e incandescente. Quando
escrevi que poderia ser do Flaubert é no estilo. Observações que nos conduzem a
estar seguindo a história numa presença intensa. Emma Bovary foi mal vista como
obra pela sociedade burguês da época. A mãe da Vitória não a deixou ler o
livro.
Não é por acaso penso eu que há
este lembrete. Leonor não sai à defesa de discriminação, ela não diz o que
certo ou errada, ela diz o que é uma versão de mulher sem pedir licença, Celeste
e Vitoria representam algo que ainda hoje se reivindique como direito, que
ainda não é fácil viver no cotidiano, mesmo
no sec 21. É por isso que acho interessante que o livro dela foi adotado
pelas escolas públicas para permitir debates sobre os direitos as escolhas
sexuais de cada um e uma. O fato dela não ser uma ativista foi importante. É um
livro reconhecido por suas qualidades literárias o que permite dialogar de uma
outra forma com sua época. Parece que possibilita melhor o debate. Assim mesmo
não dá para esquecer, ainda hoje as Celestes se matam. (suicídio dos jovens,
pesquisa).