de Jorge Luís Borges
por Ana Lucia Rocha Studart
SOBRE A OBRA - O Aleph é um conto de Jorge Luís Borges que se insere no conceito do realismo mágico. O enredo é interessante, e acontece entre dois personagens que disputam tanto o amor da mesma mulher quanto o sucesso como escritores. O conto foge à realidade a partir do momento em que a existência do Aleph é revelada.
No seu conto, Borges define a palavra Aleph como “a primeira letra do alfabeto da língua Sagrada. Para a Cabala, essa letra significa o En Soph, a ilimitada e pura divindade” O milagroso Aleph do conto, Borges descreve como “o lugar onde estão, sem se confundirem, todos os lugares do orbe, visto de todos os ângulos”.
No caminho de preparar a resenha, percebi que o Aleph é mais popular do que eu imaginava, porque para um outro escritor, Paulo Coelho, vinculado a textos mágicos e autor de O Alquimista e de outro livro chamado Aleph, o Aleph pode até levar a uma outra dimensão: " É o ponto onde tudo está no mesmo lugar ao mesmo tempo, diante do qual abrem-se portas, por fração de segundo, e logo tornam-se a fechar, mas permitem desvelar o que está escondido atrás delas - tesouros, armadilhas, caminhos não percorridos etc".
O Aleph, no conto de Borges, localiza-se no porão escuro e minúsculo de uma casa antiga, onde, deitado no chão, com a cabeça sobre uma bolsa dobrada em local preciso, e olhando para certo degrau de uma escada, pode-se ver, simultaneamente, todos os pontos do universo. Esse ponto estaria “numa pequena esfera furta-cor, de quase intolerável, fulgor…com diâmetro de 2 ou 3 centímetros, mas o espaço cósmico estaria aí, sem diminuição de tamanho…Cada coisa (o cristal do espelho, digamos) era infinita coisas, porque eu via claramente todos os pontos do universo”.
O interessante é que o autor, como grande escritor que é, relata a dificuldade de expressar, em palavras sequenciais, algo que tanto o maravilhou no Aleph:
“O que viram meus olhos foi simultâneo. O que transcreverei, sucessivo… Como transmitir aos outros o infinito Aleph, que minha temerosa memória mal e mal abarca?”.
A ESTRUTURA - Na publicação “Jorge Luis Borges, Obras Completas I”, o conto está impresso em 13 páginas, e foi publicado pela primeira vez em 1949, sendo considerado um dos melhores contos de Jorge Luis Borges. Tem descrições primorosas e densas de locais e personagens. A escrita é elegante, ritmada, leve, de fácil leitura, com toques de humor e ironia.
O PDV - É o do autor, que se coloca como um dos personagem no conto.
A AMBIENTAÇÃO do conto é na Argentina, Buenos Aires, rua Garay, casarão dos Viterbo, onde viveu Beatriz e onde vive Daneri. Se passa nos anos 30/40.
OBSERVAÇÕES: O realismo mágico apresentado em conto de um autor erudito como Jorge Luis Borges, suscita uma série de associações e interpretações aos seus leitores e críticos. Assim, há quem veja uma série de metáforas nele. Beatriz Elena seria a Beatriz que conduziu Dante do purgatório ao paraíso. E o Elena remeteria à cultura clássica, grega, e seria uma crítica aos escritores contemporâneos. O Aleph seria uma metáfora para a literatura, que leva o leitor a incontáveis lugares. E a suspeita que Borges levanta dizendo que o Aleph reside em uma coluna, seria um tributo à erudição formal…O próprio Borges, no epílogo de suas obras completas, observa que o Aleph teve alguma influência do conto “The Crystal Egg”, de Wells. O conto trata de um ovo verde de cristal, propriedade do dono de uma loja de antiguidades, onde alguns poucos viam imagens da vida em Marte.
Sabe-se, com certeza, que Borges aprecia a ideia da unidade na multiplicidade, e que isso se repete em sua obra. Em outro conto, “A Biblioteca de Babel”, onde, num espaço reduzido, estariam contidos todos os livros. Borges associa o universo a uma biblioteca e descreve o homem como “um imperfeito bibliotecário… mas o universo, com o seu elegante provimento de prateleiras, de tomos enigmáticos, de infatigáveis escadas para o viajante, e de latrinas para o bibliotecário sentado, somente pode ser obra de Deus.”
Esse menosprezo pelo bibliotecário se repete também no Aleph, e seria uma crítica ao próprio autor e à profissão, porque Borges, como o desprezível Daneri do conto, fora por um período da vida bibliotecário e depois diretor de biblioteca.
Outros temas frequentes em suas obras seriam o infinito, os cristais e os espelhos No conto A Biblioteca de Babel, ele descreve: “O universo ( que chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido e talvez infinito de galerias hexagonais e de qualquer hexágono vêem-se andares superiores e inferiores: interminavelmente… no vestíbulo há um espelho, que fielmente duplica as aparências”.
SOBRE O AUTOR - Jorge Francisco Isidoro Luís Borges nasceu em Buenos Aires, Argentina, no dia 24 de agosto de 1899. Por ter avó inglesa, tornou-se bilingue desde cedo. Aos 4 anos já sabia ler e escrever, e cercado pela erudição da família, aos 9 anos redigiu seu primeiro conto, “La Visera Fatal” inspirado na obra de Dom Quixote. Aos 10 anos de idade já uma traduzira um conto de Oscar Wilde, publicado em um jornal local.
Em 1914 mudou-se com a família para a Suíça, para que seu pai pudesse tratar da sua cegueira progressiva. Em 1919, mudaram para Madrid, onde Borges concluiu seus estudos e colaborou com poemas e crítica literária em várias revistas. O fato de ter morado tão jovem com a família na Europa, lhe proporcionou uma visão de mundo que poucos jovens teriam naquela época.
Aos 22 anos volta à Argentina, e a partir daí inicia sua fase de inspiração surrealista. Funda, com outros escritores, a revista Proa, e produz várias publicações, mas o reconhecimento de seu talento só se inicia em 1935, com seu primeiro livro de contos, “História Universal da Infâmia”.
Para sobreviver, Borges trabalhou como bibliotecário em Buenos Aires, até que, em 1946, Perón subiu à presidência da Argentina. Por se opor ao peronismo, deixou o emprego e, ajudado por amigos, passou a trabalhar como professor de literatura inglesa e como palestrante e conferencista itinerante. Com a queda do regime peronista em 1955, Jorge Luis Borges foi designado diretor da Biblioteca Nacional.
Borges padeceu do mesmo problemas nos olhos que teve seu pai, e foi aos poucos perdendo a visão. No conto A Biblioteca de Babel, ele lamenta: “agora que meus olhos quase não podem decifrar o que escrevo, preparo-me para morrer, a poucas léguas do hexágono em que nasci.” Quando ficou totalmente cego contou com a ajuda da sua mãe para escrever seus livros, e mais tarde ditou palavras para a aluna, assistente particular, e amiga Maria Kodama, com quem se casou aos 86 anos. Passou seus últimos dias viajando pelo mundo ao lado da esposa, e faleceu no dia 14 de junho de 1986, em Genebra, sem ter deixado filhos.
O reconhecimento mundial de sua obra teve início em 1961, ao receber o Prêmio Formentor, conferido pelo Congresso Internacional de Editores (prêmio dividido com o escritor irlandês Samuel Beckett). Em 1980, Borges recebeu o Prêmio Cervantes, o mais importante prêmio literário da Espanha, e recebeu prêmios do governo da Itália, da França e da Inglaterra. O Aleph(1949) está entre e seus livros mais conhecidos, junto com Ficções (1944), e O livro dos seres imaginários (1968).
CONCLUSÃO - Jorge Luís Borges é considerado um dos escritores mais influentes do século XX e um dos pioneiros do gênero realismo mágico. Em seu conto A Biblioteca de Babel, revela sua insatisfação com a vida, associada a uma biblioteca: “Como todos os homens da Biblioteca, viajei na minha juventude, peregrinei em busca de um livro, talvez o catálogo dos catálogos.” O fato é que suas obras iluminaram e promoveram a literatura latino-americana no mundo. O conto O Aleph foi considerado pelo crítico literário e professor novaiorquino, Harold Bloom, como uma das maiores obras literárias do ocidente, e certamente, este é um conto excepcional. Quem, num texto de apenas 13 páginas (e Borges é afamado pelos seus textos suscintos) levantaria tanta polêmica, tantos comentários, tantos elogios, e tantas metáforas?
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