terça-feira, 9 de junho de 2020

O ENCONTRO MARCADO

de Fernando Sabino



por Alexandre Morais do Amaral


O autor e a obra:

Fernando Sabino (1923-2004), nascido em Belo Horizonte e escritor precoce, publicou sua primeira obra aos cerca de 18 anos de idade. Jornalista, músico, atleta (nadador), escritor, produtor, editor. No Rio de Janeiro, para onde se mudou para projetar e firmar a carreira de escritor, consolidou o grupo dos quatro amigos mineiros com o pé na literatura: Hélio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos. Os quatro mineiros do apocalipse… Mas em torno também estavam Vinícius de Moraes, Pedro Nava, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Rubião, Rubem Braga e tantos outros. Foi grande amigo de Clarice Lispector, com quem manteve intensa troca de correspondências, hoje publicadas. Junto com “O Grande Mentecapto”, “O Encontro Marcado” é considerado seu trabalho mais expressivo dentre outras obras variadas. Em sua lápide, mandou escrever: "Aqui jaz Fernando Sabino, que nasceu homem e morreu menino!".  

O livro “O encontro marcado”, escrito aos 30 anos,  foi publicado em 1956. Mesmo ano de “Corpo de Baile” e “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa - outro mineiro. Enfim, ambos pertencem a uma espécie curiosa, que a ciência examina com empenho, mas sem muito sucesso. Seria bom saber sobre o que fazem, como se alimentam, onde vivem, como se reproduzem: o “Mineiro Universal”, que sai de Minas mas Minas não sai dele e ganha o mundo.

O romance “O encontro marcado” trata da vida de Eduardo Marciano e se passa, entre 1940 e 1953, basicamente na linha que liga a jovem e distante Belo Horizonte à capital federal e cultural, Rio de Janeiro. Livro urbano, ele é dividido entre duas fases marcantes e descreve a trajetória de um homem que começa menino rebelde e criativo, de uma família de classe média de Belo Horizonte (um quase alter-ego do autor). Contada em terceira pessoa, a história percorre levemente a juventude de Eduardo, com seus ritos de passagem (escola, amigos, riscos inconsequentes, adolescência, iniciação etílica e sexual) e se aprofunda, mergulha em sua vida adulta, com suas inquietações, obrigações, frustrações, crises, reflexões sobre a vida, prazeres e clandestinidades – e também alguns ritos: saída de casa, emprego, casamento, morte do pai. Em todo este percurso, vai ficando muito clara a personalidade única, individualista, solitária, amiga, angustiada, descontente, insatisfeita de Eduardo. Aquele que “está sempre indo a algum lugar que não é aqui, para se encontrar com alguém que não somos nós”. E dá-lhe “puxar angústia”, afogada nos bares e na literatura.  Com o tempo, a referência do pai bom aparece, enquanto a mãe é uma figura distante na história. Na aversão ao compromisso, Eduardo e a mulher (Antonieta) se distanciam profunda e inevitavelmente.

Um livro que mostra uma vontade de viver sua vida, mas sem conseguir encontrar um norte, para um homem em constante inquietação e com amostras de que a vida pode acabar ali próxima. No livro, morre-se em todas as fases da existência: pode-se morrer nas primeiras linhas (galinha), morre-se jovem (Jadir), morre-se idoso, morre-se de câncer, de atropelamento, morre-se afogado (mesmo sendo nadador), morre-se anônima por uma queda de um prédio, morre-se antes de nascer.

Com frequentes reflexões sobre a própria existência, e a existência de Deus, o caminho de Eduardo mostra sua notória aversão ao compromisso. É individual até no esporte (natação): não há equipe, mas a competição é quase sempre consigo mesmo. Sozinho na arte: a escrita. Sozinho no mundo. Um homem individual, mas com importantes laços de amizade – sua tábua de salvação. Até as últimas linhas de sua história, no momento derradeiro, Eduardo segue buscando uma resposta - e por intermédio de uma amizade. Como diz o próprio Eduardo, a sensação de que “há uma fresta em minha alma por onde a substância do que sou está sempre se escapando mas não vejo onde nem por quê”.

É também uma história impregnada com o passado do passado. Um livro de muitos pretéritos-mais-que-perfeitos. História em que vários homens e mulheres podem se reconhecer. Um encontro marcado, não importa com quem, não importa onde: para Eduardo, importa o caminho.

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