de Luiz Ruffato
Comentários de Carlos Guido Azevedo
O que surpreende o leitor em
primeira mão neste texto é o trabalho de marchetaria do autor, que compõe em
pequenos segmentos da vida cotidiana, a cidade de São Paulo sob a ótica
predominante das pessoas mais sofrido da cidade.
Digo isso, pela profunda tristeza
que o livro produziu em mim. Saber-se parte de um todo e não conseguir se
perceber como tal. Sentir como parte da população percebe sua própria ausência,
enquanto é quase a maioria presente na cidade. Amargar o sentimento da
invisibilidade, não se sentir conectado com a cidade, nem com seus
contemporâneos. Não poder compartilhar suas angústias ou suas alegrias com
aqueles com quem interage é se ver só no mundo. Para mim foi o angustiante
recado do livro.
Os pequenos textos parecem gritos
de socorro de segmentos invisíveis da sociedade. Mas qual sociedade? Não há, nesses
textos de Luiz Ruffato, qualquer expressão coletiva, integradora, cultural ou
de simples ação agregadora. Nada que leve ao outro, há um único labirinto,
sempre.
São personalidades isoladas
lutando para encontrar uma conexão qualquer, um ouvinte, um parceiro, uma
migalha de atenção. Mesmo quando a estória é coerente com alguma vida comum,
como a (41) Táxi. Ela é contada a um ouvinte desconectado, quem sabe diversos,
onde só quem dá coerência é o vocalizador que continua sua locução, sem qualquer
conexão. “Os velhos morreram todos. A única coisa que resta é a memória da
gente, mas o que é a memória da gente?” Todas as suas estórias demonstram esta
ausência do eu no outro. Como se todos vivessem se debatendo contra um muro de
isolamento, um apartheid de interesses.
Lembro sempre a máxima de Tolstoi
em que a felicidade parece ser igual em toda parte e não gera qualquer
interesse do leitor, por isso os romances são feitos de casais e pessoas
infelizes, elas buscam, cada uma à sua maneira, viver a aventura da
infelicidade. Nos pequenos contos e colagens de Ruffato é a infelicidade que
busca conexões, falhando em achar interlocutores.
Seus textos estão montados como
retalhos de um trabalho de patchwork que não resulta em um produto acabado,
teimam em continuar retalhos de prosa, poesia, relatórios, publicidade de todos
os gêneros, todos os tipos de discurso e vozes os compõem como se fossem a própria
cidade num grande redemoinho e no meio dele o DEMO, lembrado por Guimarães Rosa.
Imagens em flashes, cruzamento de
cenas, buscas por um outro, um qualquer que seja um contraponto. Não se encontra
nada completo nestes retalhos de realidades que parecem ter sido juntadas por
uma inteligência artificial. Elas não permitem personificar nenhum indivíduo
como ente diferenciado do quadro irrelevante da cidade, só detalhes de um mural
deselegante.
O livro é importante porque nos
leva a pensar naqueles que não conseguem ser parte de um todo, de qualquer todo.
Os que são invisíveis aos processos que não sejam os de sofrimento e dor. Que
têm vidas verdadeiras num espaço de ficção social, amargando o desemprego, a miséria
e uma esperança alimentada por sonhos em perspectivas muito pessoais e nunca
coletivos.
Gostei
das inovações, criatividade e desembaraço do autor que cria, cola e copia sem
pudor.
Recomendo
como amostra da literatura que virá daqui para a frente, a qual não saberemos
ao certo, se foi escrita por humano ou por AI – Inteligência Artificial.
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