Comentários de Lenita Turchi
O título já faz o leitor pensar. Contos ou poemas? Serão
contos sobre desencontros? Em seguida,
outras indagações: porque a autora escolheu tornar público a sua produção
literária iniciando com o que me parece mais difícil na área? Existe um fio condutor que unem os 43 contos
da publicação? Porque iniciar com Ausência e concluir com Quimera? O que guiou a
autora na apresentação da sequência dos contos?
Na primeira leitura
confesso não entendi bem. Busquei nos contos estórias e não as encontrei. Foi
na leitura seguinte sem ansiedade de entender a obra de uma vez, de quem lê um
conto de cada vez, fecha o livro e reflete sobre ele, que penso ter sido capaz
de usufruir a riqueza contida em Desencontos.
De fato, Claudine nos oferece muito mais que estórias em Desencontos. Seus contos são emoções em estado puro e ao leitor cabe o desafio e
porque não, o prazer de construir a(as) estória (as) partir destas
emoções. Imagino que a autora tenha
trabalhado nas estórias e extraído dela o sumo, a essência ou seja as emoções.
Trabalho comparável ao do pintor que esboça 100 vezes a mesma figura até que os
traços resultantes deste exercício sejam capazes de inspirar sensações e emoções.
Ou de um produtor de olivas que durante anos busca a melhor combinação de
terra, clima e cepa para no final extrair o sumo/suco das melhores.
“Dúvida”, que me
abraçou desde o início me contou a seguinte estória. Dois seres, confidentes,
amigos amantes que se admiram, e um deles faz um pedido: me “ensina a
conquistar a mundo”, “preciso de mim". De fato é um pedido de ensinar a viver
plenamente porque isso é o mundo e é através de outro, da nossa relação que eu
me conheço melhor. O outro tem dúvidas e se inquieta. É um pedido forte demais,
ajudar alguém a se conhecer melhor e ser pleno. A dúvida e o vacilar é o
segredo deste conhecimento pois só ela nos faz crescer. As certezas de ter necessidades
básicas como, abrigo, comida, afeto atendidos são confortáveis e nos acalmam.
Mas o mundo, nosso mundo interior é conquistado na busca, na dúvida e nas
incertezas.
“Sina”, feminismo poético na veia. Tanto nas palavras como na
diagramação. O chão é o mesmo e não é de ninguém. Andamos lado a lado e porque
uns miram o infinito e outros olham o chão? Aqui mais que estória é um lamento.
Triste e bonito demais.
“Norte", para mim o conto evocou uma reflexão sobre a vida e
morte sem dramas, constatação de alguém que já viveu muito. Vida, estrada sem
volta, que não adianta muito usar bússola, instruções e receitas. Caminho sem
certezas (sem chão).
Desencontos, primeira publicação de Claudine, reflete a
maturidade e trajetória de quem escreve há muito tempo mas só agora torna pública
a sua criação. Sofisticação em todos os detalhes. Da escrita à diagramação.
Parabéns e obrigada pelo privilégio de discutir conosco seu trabalho.
Recomendo e darei de presente aos amigos (as) que apreciam
poesia e leitura mais elaborada. Não é livro para leitor desatento ou só na
busca de entretenimento.
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ilustração de Tâmara Habka para o livro Desencontos