terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

DESENCONTOS

de Claudine M. D. Duarte


















Comentários de Lenita Turchi

O título já faz o leitor pensar. Contos ou poemas? Serão contos sobre desencontros?  Em seguida, outras indagações: porque a autora escolheu tornar público a sua produção literária iniciando com o que me parece mais difícil na área?  Existe um fio condutor que unem os 43 contos da publicação? Porque iniciar com Ausência e concluir com Quimera? O que guiou a autora na apresentação da sequência dos contos?
Na primeira leitura confesso não entendi bem. Busquei nos contos estórias e não as encontrei. Foi na leitura seguinte sem ansiedade de entender a obra de uma vez, de quem lê um conto de cada vez, fecha o livro e reflete sobre ele, que penso ter sido capaz de usufruir a riqueza contida em Desencontos.    
De fato, Claudine nos oferece muito mais que estórias em Desencontos. Seus contos são emoções em estado puro e ao leitor cabe o desafio e porque não, o prazer de construir a(as) estória (as) partir destas emoções.  Imagino que a autora tenha trabalhado nas estórias e extraído dela o sumo, a essência ou seja as emoções. Trabalho comparável ao do pintor que esboça 100 vezes a mesma figura até que os traços resultantes deste exercício sejam capazes de inspirar sensações e emoções. Ou de um produtor de olivas que durante anos busca a melhor combinação de terra, clima e cepa para no final extrair o sumo/suco das melhores.  
“Dúvida”, que me abraçou desde o início me contou a seguinte estória. Dois seres, confidentes, amigos amantes que se admiram, e um deles faz um pedido: me “ensina a conquistar a mundo”, “preciso de mim". De fato é um pedido de ensinar a viver plenamente porque isso é o mundo e é através de outro, da nossa relação que eu me conheço melhor. O outro tem dúvidas e se inquieta. É um pedido forte demais, ajudar alguém a se conhecer melhor e ser pleno. A dúvida e o vacilar é o segredo deste conhecimento pois só ela nos faz crescer. As certezas de ter necessidades básicas como, abrigo, comida, afeto atendidos são confortáveis e nos acalmam. Mas o mundo, nosso mundo interior é conquistado na busca, na dúvida e nas incertezas.
“Sina”, feminismo poético na veia. Tanto nas palavras como na diagramação. O chão é o mesmo e não é de ninguém. Andamos lado a lado e porque uns miram o infinito e outros olham o chão? Aqui mais que estória é um lamento. Triste e bonito demais.
“Norte", para mim o conto evocou uma reflexão sobre a vida e morte sem dramas, constatação de alguém que já viveu muito. Vida, estrada sem volta, que não adianta muito usar bússola, instruções e receitas. Caminho sem certezas (sem chão).         
Desencontos, primeira publicação de Claudine, reflete a maturidade e trajetória de quem escreve há muito tempo mas só agora torna pública a sua criação. Sofisticação em todos os detalhes. Da escrita à diagramação. Parabéns e obrigada pelo privilégio de discutir conosco seu trabalho.
Recomendo e darei de presente aos amigos (as) que apreciam poesia e leitura mais elaborada. Não é livro para leitor desatento ou só na busca de entretenimento. 
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ilustração de Tâmara Habka para o livro Desencontos