Saga Napolitana
Volume 2 Tetralogia
de Elena Ferrante
A obra
Livros que compõe a saga:
· A amiga genial - no original L'amica geniale, 2011
· História do novo nome - no original Storia del nuovo cognome, 2012
· História de quem vai e de quem fica - no original Storia di chi fugge e di chi resta, 2013
· História da Menina Perdida - no original Storia della bambina perduta, 2014
A obra é estruturada em volumes. O volume 2 “a história de um novo sobrenome” se propõe a contar em 125 capítulos a juventude de duas amigas Lenu e Lila, em meio aos costumes de uma Italia pós guerra.
O livro inicia com a uma lista de personagens. Os personagens se originam das famílias. Cada personagem é descrito dentro desse “sobrenome”. É possível a partir disso destacar o peso da origem, a preponderância do núcleo familiar sobre o indivíduo.
A autora
Elena Ferrante é o pseudônimo de uma escritora italiana.
O escritor Domenico Starnone, já foi apontado como o autor das obras assinadas por Ferrante, mas nega as especulações.
Sobre sua escolha pelo anonimato, fala :
"O caminho das minhas obras é o meu caminho." E acrescentou: "Os leitores contentam-se com ele, aliás, alguns até me escrevem pedindo que não revele nunca outros caminhos mais privados e, por isso, menos interessantes. Os meios de comunicação é que, por dever de ofício, não se contentam com as obras, querem caras, personagens, protagonistas excêntricos. Mas pode-se passar tranquilamente sem o que os meios de comunicação pretendem."
Curiosidade
Um jornalista italiano publicou no New York Rewiew a identidade da escritora, identificando-a como Anita Raja, tradutora e mulher do escritos Domenico Starnone. Anita Raja vive em Roma. Sua mãe, nascida na Alemanha, fugiu do Holocausto e mais tarde se casou com um magistrado napolitano.
Diante dessa "caçada"pela identidade da autora, proponho algumas indagações:
1) Por que não respeitar/ aceitar o anonimato da escritora? Na sociedade das imagens, uma existência sem rosto é impensável?
2) Curioso observar que a literatura pode prescindir da experiência. Quase sempre, ficamos na expectativa de que romance seja um reflexo da historia pessoal do autor. Mas a biografia de Anita parece afirmar o contrário : a capacidade criativa pode superar a trajetória particular do escritor.
Grandes eixos
CONFLITOS DE MULHERES INTELIGENTES
AS QUE SE APRISIONAM OU SÃO APRISIONADAS NA MEDIOCRIDADE E ÀQUELAS QUE SE REBELAM CONTRA ELA. UM REBELDIA RUIDOSA OU SILENCIOSA.
A AMBIÇÃO- A VIOLÊNCIA - E A POBREZA
AS COMPLEXIDADES DE UMA AMIZADE FEMININA – a natureza subjetiva das disputas
EMBATE/ RESISTÊNCIA CONTRA OS LIMITES FINANCEIROS, CULTURAIS E MORAIS
Narrador
A obra é narrada por Lenu. Há espaço para as reflexões e percepções de Lila por meio dos fragmentos dos cadernos dela que são lidos/ revelados em alguns momentos por Lenu.
Ambiente
Nápoles da do pos guerra. Italia.
Lila
Lila- é uma personagem forte. Ruidosa. A ambição que a impele à mudança , ‘fugir da miséria’, é ruidosa e violenta. Ela deixa a pobreza de forma abrupta para se casar com Stefano. O casamento é um celeiro de desrespeito e violência. A violência física é um recurso aceitado socialmente, corroborado por toda a sociedade ( homens e mulheres), e também configura um indicativo de virilidade.
Stefano violenta sexualmente a esposa sob o manto do matrimonio partindo do pressuposto que de o instituto é por si só carta branca para qualquer tipo de invasão ao corpo de Lia. A invasão aqui pode ser interpretada não apenas para o sexo, mas também pela gravidez e pela mudança do nome.
Lia utiliza as armas que lhe são possíveis e que mais coincidem com seu temperamento tempestuoso. A agressividade seja verbal, quando ofende sistematicamente o marido; seja comportamental, quando utiliza o corpo de forma insinuante pra ofendê-lo por meio do desejo dos outros ( em especial de Michelle). A vulgaridade assola a menina brilhante, em roupas de luxo e dentro do apartamento novo.
A inflexão na vida ( a segunda inflexão ) de Lila ocorre quando ela se apaixona por Nino. Nino era colega de escola de ambas e, partindo apenas da historia narrada no volume II, sempre foi o amor de Lenu.
Ocorre que a relação das duas parece ter como forca motriz a competição. Lila se apropria do homem que a amiga deseja , o seduz e com ele vive uma grande paixão. Com ele se entrega ao sexo de forma verdadeira e inteira. É possível pressupor que no matrimônio o sexo sempre foi uma violação, ao passo que na relação extraconjugal ela de fato encontrou o sexo prazeroso e consensual.
Enlevados pelo amor, o jovem casal abandona suas perspectivas : Lila deixa desmoronar o casamento com Stefano e Nino enfraquece suas convicções no conhecimento.
Lila foge e passam a viver juntos. A pobreza aos poucos fulmina a paixão e com o tempo aniquila a convivência dos dois que dura apenas 20 e poucos dias.
Lila retorna ao matrimônio grávida e ainda mais infeliz. É o inicio do desfiladeiro de seu casamento. Após esse episódio, sucessivas brigas familiares ferem de morte o casamento moribundo de Lila; Stefano arruma uma amante e Lila foge com um amigo de infância que sempre a amou , mas pelo qual ela não nutre nenhum sentimento maior do que a gratidão por lhe oferecer uma saída.
Lenu
Lenu , a narradora, é uma personagem frágil e insegura. Vive um vida de pobreza e adversidade. Acredita que por meio do estudo pode mudar sua trajetória, mas muitas vezes titubeia sobre suas verdadeiras capacidades.
Nutre por Lia um espécie de amor, uma admiração sofrida, a qual é amplamente percebida pela amiga que a submete, ao mesmo tempo que é capaz de grandes generosidades.
Lenu, obtém as coisas que ambiciona por meio de um esforço doloroso e as conquista de forma lenta e gradual, muitas vezes sem muita convicção de as merecesse.
Por meio de Lenu, é possível perceber as agruras de uma jovem em meio as vicissitudes da pobreza e das mil e uma obrigações que a condição social faz invadir sua juventude : cuidar dos irmão, se preocupar com as finanças da família e ao mesmo tempo sobreviver a um ensino adestrador e rigoroso.
É perceptível toda a aridez desse momento da vida de Lenu, uma vez que a jovem precisa lidar não somente com as tempestades emocionais típicas da idade, mas também com o contexto desfavorável de sua condição social e as limitações de seu tempo.
Lenu, tem ainda uma clara noção de seu papel de “primeira”. Ela inaugura, de forma dolorosa e árdua, no seio de sua família a possibilidade do estudo , das letras , do conhecimento. Rompe com uma barreira imposta ao longo de gerações, a qual impede qualquer mobilidade social. Ao mesmo tempo que caminha na direção do que admira, ela sofre com o retorno ao provincianismo e a pequenezas de Nápoles toda vez que regressa de Pisa.
São sentimentos ambíguos. Ao mesmo tempo que Nápoles lhe inspira conforto e comodidade frente às humilhações que sofre em Pisa, também lhe causa incomodo uma vez que o conhecimento e as experiências que educação lhe propiciaram transformaram sua percepção de mundo de forma irreversível.
O sucesso de Lenu, no final do livro, a sua graduação, o noivado com Airola, a publicação de seu primeiro livro são sucessos ainda não completamente digeridos pela jovem. Sua insegurança ainda não permite que os aceite, que os deleite.
A Amizade feminina
A amizade vivida por Lenu e Lila é uma relação baseada na competição, na disputa. A ausência de um seio familiar que as proteja que as forje, a existência de uma educação rigorosa e dura, faz com que as duas tenham como única referência uma a outra.
O que pode se esperar quando duas crianças em formação tem como único e maior referencial elas mesmas?
O que pode se esperar de duas jovens na transição entre a infância e a adolescência já assoladas por problemas que para muitos são reservados para a vida adulta e que tenham entre si uma a outra como modelo?
Lila se utiliza do dinheiro para exercer sobre a amiga poder e humilhação, mas também exerce a generosidade, quando lhe compra livros ou quando lhe desafia a excelência nos estudos.
Lenu, que ama devotamente a amiga se ofusca diante da beleza e impetuosidade dela e com isso não consegue enxergar a si mesma. Por outro lado, se utiliza , da oportunidade que teve de continuar os estudos para, quando pode, evidenciar a pouca instrução da amiga.
No final do volume II observa-se que ligação das duas é tão forte que a penúria da amiga – trabalhando miseravelmente invade o êxito de Lenu. De modo que a felicidade e a tristeza de ambas se entrelaça em um único sentimento.
É um grande emaranhado emocional para duas moças que mal, mal saíram da casa dos 20 anos.
A educação
Fica evidente o poder que a educação ( que não deixa de ser também uma abordagem da diferença social) é devotado no livro. Observe que esse poder não é aqui interpretado como "bom"ou "mal". Poder, em seu sentido denotativo, como a força que " da a possibilidade de".
Lia, é privada da educação por escolha dos pais e sua vida sofre um guinada brutal.
Lenu, segue nos estudos e sua trajetória ascende na mesma proporção que a de Lilia, aparentemente retroage.
Nino, aluno brilhante larga os estudos, cego pela paixão e desse modo fica perambulando “sujo e largado”. Passa a beber. ( no final do livro se revela que abrir mão da paixão por Lila, parece, o permitiu um retorno a intelectualidade).
Enzo, amigo de Lia e Leno, que vive agora com Lila experimenta uma mudança relativa quando passa a estudar. Em virtude de seu esforço e nas palavras entusiasmadas de Lila a contar sobre código binário e programação, é possível entrever o futuro.
As professoras – Ferraro, Oliveiro, Adele, Galiani- todas , em algum momento, são decisivas para transformar a vida das protagonistas.
Ë evidente que não se trata de um forca revolucionária, salvadora, messiânica. Mas que surge em meio ao esforço e à adversidade como um caminho possível, que alguns podem agarrar ou perder.
Recomendo o livro, com a sugestão de que se leia a teratologia na ordem. Não é indispensável, mas permitiria uma maior profundidade do panorama emocional dos personagens, bem como uma maior clareza sobre alguns momentos decisivos da narrativa iniciados no primeiro volume e que se desenvolvem no volume seguinte.